ISSN 1806-9312  
Quinta, 2 de Maio de 2024
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217 - Vol. 33 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1965
Seção: - Páginas: 07 a 14
MUCOCELE ETMOIDO-FRONTAL (*)
Autor(es):
Dr. Fernando Simas (**)

Resumo: O autor faz um estudo da dificuldade do diagnóstico dos Mucoceles, estuda sua etiopatogênia e apresenta um caso cujo diagnóstico foi efetuado após a cirurgia.

Dentro da patologia dos sinus frontais, as formações císticas apresentam-se como casos raros na rotina diária, e por tal motivo deixadas de lado pela latência inicial e por uma falta de sintomas subjetivos e objetivos.

Não poderíamos deixar de trazer nossa contribuição à esta jornada; tanto no sentido de alertar aos jovens que se iniciam na especialidade como aos acadêmicos que tem predileção para êste ramo da medicina.

Alguns autores sustentam que a origem dos mucoceles frontais é decorrente de uma dilatação ampular óssea do etmoide que penetraria no sinus frontal, podendo extender-se em todas as direções com predileção para as zonas de menor resistência.

BOENNINGHAUS afirma que após um traumatismo frontal, e si persistir uma cefaléia sem sintomatologia nasal, deve-se pensar em uma obstrução ou oclusão do sinus frontal com retensão de mucosidades.

Para ARAUZ o sinal mais seguro desta alteração é a opacidade radiológica; "êste sinal precede em vários anos a formação do verdadeiro mucocele".

Etiologia: O mucocele frontal pela primeira vez descrito com êste nome por ROLLET em 1896, pode ser encontrado em crianças após os 7 anos e nos adultos.

As baixas de defesas locais da mucosa nasal e as sinusites crônicas são frequentemente encontradas nos antecedentes de tais pacientes, o que leva alguns autores a explicar como um processo inflamatório de evolução torpida, pode determinar a obstrução do ostium sinusal e continuar com a dilatação de uma ou mais glândulas da mucosa do sinus frontal.

CORIZEA e MATUSEVICH citam o traumatismo das zonas frontais como causa predisponente de irritação local.

O caso que vamos relatar e que deu origem a êste trabalho reveste-se de uma peculiaridade pela sintomatologia apresentada e pela surprésa do ato operatório.

J.B.- 45 anos - Masculino - Solteiro - Negro - Registro 018090 H.C.

Queixas e duração - Apresenta tumoração na região frontal anterior do tamanho médio de um limão (6 cms. de diâmetro), com duração de 6 anos.

História mórbida atual - Refere contusão violenta na região ocipital há 6 anos aproximadamente.

Dias após sentiu dor forte no canto súpero-interno da órbita esquerda, tendo início então uma tumefação entre as cavidades obitárias mais ou menos na região do nasion. Nessa ocasião procurou um médico de sua localidade: tendo o mesmo drenado a secreção através de uma incisão mediana. Teve pouca melhora, e a tumoração não cedeu completamente.

Há dois meses atrás sofreu novo traumatismo na região frontal, desde então a tumoração tem aumentado de volume, sem outra sintomatologia.

Antecedentes pessoais e hereditários - sem interêsse para o caso.

Rinoscopia anterior - sem particularidades a não ser o corneto médio acolado ao septo em ambos os lados.

Rinoscopia posterior - Nada digno de nota.

Radiografia do frontal - Na incidência fronto-naco-placa (fig. 1) é observada destruição óssea da parede anterior do sinus e desaparecimento do septo inter-sinusal; no assoalho do sinus frontal direito observa-se uma erosão da taboa interna.

Na radiografia de perfil (fig. 2), observamos claramente o desaparecimento da parede anterior dos sinus frontal; e em intimo contato com o sinus, notamos uma sombra arredondada de limites pouco nítidos dando a sugestão de estar em relação com a fossa cerebral anterior; do fundo do sinus projeta-se uma sombra de aspecto piramidal cujo vértice avança para fora. As células etmoidais e esfenoide com transparência diminuída. Frente a êstes elementos tinhamos formulado o diagnóstico de Muco-Meninge - Encefalocele.


Fig. 1



Fig. 2


O paciente foi por nós operado em 2-10-62, cuja cirurgia constou: 1.º - Incisão tipo Sibeleau da pele e tecido celular subcutâneo da região frontal e raiz do nariz. 2.º - Exposição ampla da tumoração bocelada com bordos nítidos, com a cápsula fibrosa fortemente aderida às paredes de ambos os sinus frontais. 3.º - Ao tentarmos o decolamento desta lesão houve rompimento da cápsula com saída de secreção amarelada viscosa. 4.° - Na parte profunda notamos uma outra cápsula igualmente fibrosa e que nos deu impressão de estar em contato com os lóbulos frontais; aos retirarmos esta cápsula junto ao que nos pareceu uma erosão da taboa interna medindo 4 cm. largura por 3 cm. de altura, a mesma rompeu-se dando saída igualmente a um líquido amarelado; atos contínuo observamos inundação de uma cavidade ampla ligando os dois processos emtoidais e na direção dos esfenoides. Esta tumoração projetava-se para as paredes nasais e orbitárias, e no decorrer do descolamento observamos presença de tecido gorduroso periorbitário do que se conclue ter havido solução de continuidade na parede orbitária do sinus etmoidal dos dois lados. 5.º - O toque digital da parede posterior nos deu a sensação de estarmos em contato com a duramater, pois em alguns pontos apresentavase depressível. Contra abertura nasal através do grupo etmoidal anterior em ambos os lados. 6.º - Revisão do campo operatório e lavagem da cavidade com sôro fisiológico + cloroanfenicol. 7.º -Sutura do tecido celular sub-cutâneo e pele com pontos separados.

O doente passou bem, mesmo assim solicitamos o concurso de neuro-cirurgião Dr. Muggiati, que em 25-10-52 executou uma Graniotomia frontal (fig. 3) onde reconheceu que a parede interna dos sinus frontais estava íntegra, mas débil, retirou ainda fragmentos de mucocele.


Fig. 3


Pela radiografia de perfil (fig. 4) notamos integridade do teto da órbita, localização da craniotomia frontal; parede interna dos sinus fina com impressão de rarefação óssea; contorno superior das células etmoido-frontais igualmente com aspecto normal, notando-se no terço médio uma sombra de rarefação. Pelo contorno do labirinto etmoidal e esfenoide comparando com o RX da fig. 2, conclue-se pela transparência num estádio de recuperação.


Fig. 4


O exame cito-bacteriológico da secreção não revelou bactérias, bem assim o exame de cultura que revelou não haver desenvolvimento de germens.

Citologia
Segmentados - 88%
Linfócitos - 10%
Monócitos - 2%

Exame Histo-patológico n.° 5-1.512/62 - Formação polipoide de revestimento cilíndrico e estroma mixomatoide.

Diagnóstico - Na revisão do caso a posteriori é que firmamos nosso juizo de Mucocele etmoido-frontal bi-lateral.

O diagnóstico clínico dos mucoceles não é frequente, e isto deve-se que os mesmos têm uma evolução lenta e latente podendo ir de 2 à 17 anos.

Vale ressaltar a recente teoria sôbre a etiologia dos mucoceles proposta por TAMARI e O'NEIL, e baseada em estudos patológicos, onde os mesmos concluem que: primeiro dá-se uma lesão na sub-mucosa devida a uma hemorragia por trauma ou infecção, resultando em elevação da mucosa com acúmulo de exsudato por baixo. Em seguida a hérnia assim formada eleva a mucosa com eventual contato da mesma sôbre as paredes dos sinus ao ponto de produzir absorção óssea com a característica deformidade extramural.

VAN ALYEA refere-se aos sintomas intracraneanos como evolução do mucocele determinando erosão da parede interna do osso frontal e produzindo cefaléias, borramento da visão e invariàvelmente a dura é envolvida pelo processo.

Nas conclusões de CELI PEREZ, "Em todo caso de mucocele frontal deve-se pensar na possibilidade da coexistência de um meningocele ou meningo-encefalocele devido ao desgaste da parede interna do seio pela expansão do mucocele".

O diagnóstico diferencial se fará em primeiro lugar com mucocele lacrimal que é pouco frequente e corresponde ao ângulo ínfero-interno da órbita; nos doentes crônicos dos sinus, os antecedentes, a evolução, e a própria sintomatologia são suficientes para elucidação diagnóstica. Já com os tumores, especialmente as neoformações com rápida invasão, perturbações oculares, cefaléias intensas definem o quadro.

A radiografia é elemento valioso no diagnóstico dos mucoceles aliado ao exame semiológico; mesmo assim somos as vezes surpreendidos no ato operatório com a presença de lesões muitas vêzes não interpretadas anteriormente.

CARMINATTI, ARAUZ e LEON dão como elementos radiológicos do mucocele infra-sinusal na elucidação diagnóstica os seguintes fatores:

l.º - Sombra que cobre grande parte da superfície sinusal, destacando-se o resto do sinus.
2.º - Opacidade uniforme.
3.º - Contorno defenido da sombra.
4.º - O desvio ou desaparecimento ocultos pela sombra dos septos que dividem os sinus em compartimentos.
5.º - O desvio do septo inter-sinusal por crescimento expansivo do mucocele.
6.º - As paredes limites do sinus apresentara-se de acôrdo com o processo que deu origem ao mucopiocele, salvo se êste já as alterou por contato.

ALEJANDRO LEON refere-se a rarefação óssea frontal que a vêzes acompanha os mucoceles.

CONCLUSÕES:

Do expôsto verifica-se que a melhor orientação terapêutica a seguir é a rota cirúrgica por via externa nos casos bem evoluídos sendo a via intra nasal indicada nos casos circunscritos de mucocele etmoidal.

STEWART descreve e recomenda o método da marsupialização em casos de recidivas.

Em nossa observação somos levados a crer que o paciente provàvelmente era portador de desenvolvimento anômalo de células infundibulares em conexão com células frontais.

A cavidade única constatada durante o ato operatório decorre da expansão do mucocele com reabsorção óssea do septo íntersinusal, do pé do mesmo e parte superior da lâmina perpendicular do etmoide. Deslocamento das paredes internas dos sinus mais evidente do lado direito, era uma visão nítida do antigo procedimento cirúrgico de SIBELEAU e MOULONGUET, e muito bem descrito por LAURENS em seu tratado de Cirurgia.

SUMMARY

The author makes a learning of the difficulty of the Mucoceles diagnosis, study his etiopatogénia, and introduce one case which diagnosis was effected after the surgery.

BIBLIOGRAFIA

1) ARAUZ, S. - Seno Frontal - 1943, "El Ateneo" Buenos Aires, pg. 156.
2) BOENNINGHAUS, C. - Ind Katz U. Blumenfeld, Handbuch der Speziellen Chirurgie des ohres und der oberen Luftwege Leipzig 1921.
3) CORREA, J. de LEA C. e MATSUSEVICH, J. - Mucocele Frontal, Revista Argentina de Oto-Rino-Laringologia - Setembro - Outubro n°s 9-10, pg. 324.
4) CELIS PÉREZ - Un caso de Mucocele del Seno Frontal, com Meningo-Eneefaloeele, Memoria del III Congresso Panamericano de Otorrinolaringologia y Broncoesofagologia, Escuela de Medicina, La Habana, Enero 1952 - pg. 339.
5) CARMINATTI, V. ARAUZ, S. LEON A. - Clinica Radiológica Del Seno Frontal. - II Congreso Panamericano de Oto-Rino-Laringologia y Broncoesofagologia - 8 al 15 de Enero de 1950 - Montevideo - Uruguay - 1950, pag. 105.
6) LEON, A. - Conclusiones del tralrajo " lnterpretacion de ]as sombras Radiologicas del Seno Frontal - II Congreso Sirl-Aínericano dc Otorrinolaringologia - Tonro 111 - I\-Tontevideo - Uruguay 1945, pg. 377.
7) LAURENS, G. - Chirurgie de L'oreille, du Nez, da Pharunx et du Laryns, 1936. Masson Cie Éditeurs - Paris - pgs. 617-618.
8) STEWART, E. F. - Mucocele of the frontal sinos. Some notes on its aetiology, Pathology and diagnosis - The Journal of Laryngology and Otology, London 1949, 63/2 (70-78).
9) TMARI M. O'NEIL, J. MUCOCELES - The Journal of- Laryngology and Otology, London 1949, 63/1, (24-30).
10) VAN ALYEA, O. E. - Nasal Sinuses - The Williams Wilkins Company - Baltimore 1951 - Second Edition, pg. 264.

(*) Trabalho apresentado na JORNADA SUL-RIOGRANDENSE
(**) Prof. de Ensino Superior, da Faculdade de Medicina da Univ, do Paraná.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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