ISSN 1806-9312  
Quinta, 18 de Abril de 2024
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2166 - Vol. 18 / Edição 1 / Período: Janeiro - Abril de 1950
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 01 a 07
O FATOR IDADE NA INDICAÇÃO DA AMIGDALECTOMIA (1)
Autor(es):
DR. PEDRO FALCÃO

Vamos focalizar um assunto que interessa a todos os médicos e sôbre o qual muitas vezes são chamados a emitir opinião não obstante suas condições de não especalistas: - o fator idade na indicação da amigdalectomia.

A controvérsia da indicação cirúrgica da amigdalectomia, subordinando-a ao fator idade, nasceu com a própria cirurgia das palatinas e desenvolveu-se também com ela, acompanhando de perto sua evolução. Em verdade, ante as dificuldades técnicas da cirurgia palatina nos albores da laringologia, sobretudo ante o temor das hemorragias assustadoras, foram todos os clássicos unânimes em considerar contra-indicação os extremos da vida, assim compreendendo as crianças de tenra idade, com menos de 3 anos, e os adultos em maturidade.

Sem pretender alinhar referências para confirmação de nossa assertiva, transcrevemos que Botey, havido entre os clássicos da oto-rino-laringologia, afirmava: "a partir de los 40 años, por temor a las hemorragias, no debe praticarse la amigdalectomia"; e o próprio Aubry, em seu magnifico tratado, ensina: "les deux âges extrêmes de la vie constituent, en principe, une contre-indication à l'intervention. Le, nourrísson ne sera jamais opere". Já Mangabeira-Albernaz, em recente trabalho, estudando alguns preconceitos leigos e médicos relativos às amígdalas, analisou e reduziu aos devidos termos aquele de que "extrair as amígdalas antes dos cinco anos é prejudicial": Ora, não se torna assim necessário, de nossa parte, repetir as razões e argumentos que levam, em tese, os especialistas a pensar harmônicamente sôbre êste tema: de vez que a técnica seja precisa, com retirada intra-capsular (2) das palatinas (dissecção anatômica) e o doente esteja em perfeitas condições de preparo cirúrgico, a amigdalectomia pode ser praticada em qual quer fase da vida, quér se trate de um lactente ou de um ancião, contanto que uma indicação formal a imponha. E nem se pretenda temor hemorrágico, que é banido de qualquer cogitação, uma vez que se empreste à cirurgia amigdalina o mesmo cunho de qualquer outra cirurgia, sem se afastar, sobretudo, das normas de ligadura vascular sistemática, o que outorga ao cirurgião garantia de êxito sem acidentes e ao paciente tranquilidade absoluta. A era dos Fahnestock, dos Mathieu, dos Ruault e dos Sluder, - pretendendo criar sistematizações alheiadas aos moldes rigorosamente técnicos de cirurgia geral estribada em conduta estritamente anatômica, embora todas colimando o objetivo de simplificar o ato cirúrgico em si, sem falar nas modificações que pretendem por coagulação tecidual em massa combater a hemorragia que, rigorosamente, por ser vascular, deve ser eliminada pela simples e clássica ligadura de fácil execução para o verdadeiro técnico, - a era dessas criações está passando e os especialistas estão se unindo sob aquela única orientação cirúrgica: amigdalectomia intra-capsular, total, por dissecção, com hemostasia rigorosa e anestesia perfeita. E, nestas condições, o fator idade fica relegado a plano secundário, dependendo a indicação da operação, quér do estado local das palatinas, quér de sua repercussão no estado geral.

Conquanto já tenhamos tido oportunidade de indicar a amigdalectomia em crianças com poucos meses de idade, só tivemos ensejo de executá-la, como limite máximo, aos 12 meses. Tratava-se dum pequeno com lesão congênita do coração, que teve seu estado cardíaco agravado por superveniência de infecção reumatismal, originada nas palatinas, sendo, após o devido preparo, amigdalectomizado sob anestesia local, e tendo suas crises desaparecido, passando a gozar boa saúde até o momento. Encontra-se bem já há 8 anos, não obstante seu mal congênito.

O quadro estatístico anexo mostra a incidência da idade nas amigdalectomias por nós praticadas, desde a época em que abolimos o Fahnestock, o Ruault e o Sluder de nosso arsenal cirúrgico, praticando exclusivamente a extração intra-capsular pela técnica, cuja sistematização foi assunto de trabalho com que nos inscrevemos no 2.° Congresso Sul-Americano de O.R.L., em 1944. A análise dêste quadro mostra como tem sido variável tal incidência na execução das amigdalectomias.



Nota: - Não foram computadas nesta estatística 174 operações praticadas antes de 1933, quando não utilizávamos técnica intra-capsular sistemática, como também 68 outras, cujos doentes não puderam ser identificados.



Conquanto não possamos afirmar que tenhamos operado o doente mais idoso em nosso meio, relataremos, em resumo, a observação dos dois mais idosos operados por nós para ressaltar não apenas a justeza da indicação, como os bons resultados obtidos, mesmo na casa dos 70 anos

1.° caso - J. Olivari, com 71 anos, procurou-nos em 2 de novembro de 1940, com otite média supurada e mastoidite à direita, com doença atual de 12 dias. Na mocidade sofrera muito da garganta e das orelhas. Após radiografias e exames outros subsidiários, praticamos mastoidectomia: total 1. d: com abertura e drenagem de volumoso abcesso extra-dural, além de abertura e esvaziamento do seio lateral correspondente que se encontrava com extenso foco de trombo-flebite, sendo feita contra-abertura cervical. O pós-operatório decorreu com alternativas, surgindo síndrome de Claude-Bernard-Horner em 22 do mesmo mês, e, não obstante tratamento intensivo (ainda não chegáramos à época da penicilina), o estado septicêmico prolongou-se, entrando o paciente em convalescença muito lenta, quando, em 1.° de fevereiro de 1941 (3 meses depois), surgiu amigdalite palatina em crise, logo em seguida formando-se volumoso abcesso peri-amigdalino à direita, que foi largamente drenado, porém não conseguindo tal medida melhorar o empastamento da região cervical correspondente. Em face da resistência a toda medicação usada, propuzemos a amigdalectomia total, que foi logo aceita e executada no dia 27 de fevereiro de 1941. No dia 8 de março, apenas 9 dias após a operação, todo o processo infecioso cedera, cicatrizara completamente a orelha, normalizara-se o pescoço e o doente teve alta em condições locais e gerais absolutamente satisfatórias. Tal paciente viveu até fins de 1948, sem nunca mais, haver sofrido nada em relação com sua orelha ou sua garganta, vindo a falecer de causa absolutamente diversa da doença de então, 8 anos depois.

2.° caso (o mais idoso por nós operado) - E. R. Santos, com 70 anos de idade, procurou-nos em 28 de agosto de 1944, com catarata incipiente do O.E., aconselhando nós, logo, a amigdalectomia palatina total como medida de proteção para os olhos, de par com medicação clínica apropriada. Em dezembro de 1948, já aí com 74 anos e meio, retornou a nossa presença já operada de catarata do O.E., noutro serviço, porém havendo sofrido, irido-ciclite tórpida pós-operatória, o que lhe retardou extraordinàriamente a alta, ficando com visão baixa no O.E., mesmo com a devida refração. Em face da relutância da paciente, aceitamos operar sua catarata do O.D., que já agora também evoluira até maturação, sem prévia amigdalectomia. Praticada, em 27 de dezembro de 1948, a retirada intracapsular da catarata L.D. com ventosa de aspiração oral, decorreu tudo em absoluta tranquilidade clínica e cirúrgica, graças aos cuidados observados e sobretudo à ação dos antibióticos utilizados continuadamente. Entretanto, mais de um mês havia se passado e o olho continuara reagindo embora discretamente, também com processo de irido-ciclite tórpida, não obstante já aí os curativos diários das palatinas, que se mantinham permanentemente inflamadas. A refração mais precisa, executada em 29 de janeiro de 1949, fornecia V.O:D.= 0.40 e V.O.E. = 0.50. Em face de tal, insistimos na amigdalectomia, que foi praticada no dia 11 de fevereiro de 1949, tendo a doente alta, boa da garganta e dos olhos, sem nenhuma reação mais, no dia 22 de fevereiro de 1949, exatamente 11 dias depois. Em 17 de junho de 1949, inteiramente restabelecida e, em magníficas condições físicas gerais, apresentava, com a nova refração feita então, V.O.D:E.=1.10, revelando que até o outro olho, considerado já prejudicado, se normalizara e alcançara visão acima de 1.

Estas observações, resumidas e simples, têm o objetivo de frisar que, hoje, acobertados os doentes dos perigos a que outróra se poderiam expôr com a erradicação das palatinas, podem êles se beneficiar de uma intervenção que, praticada em qualquer idade; assegura ao médico garantia de tratamento sem qualquer entrave; quér se cogite de criança, adulto ou velho.

Um fato de observação nossa, entretanto, é realmente curioso: as amigdalites palatinas, como as próprias adenoidites, com crises repetidas e amiudadas em crianças que recebem tratamento geral adequado, não determinam, até a idade dos 4 anos em média, perturbações grandes do desenvolvimento físico; o que não sé dá tão logo é transposta esta fase da vida. O fato clínico, observado em centenas de crianças, é indiscutível. As razões científicas do mesmo, entanto, não puderam por nós ser elucidadas, não obstante nosso grande empenho. Sabemos, é verdade, que o organismo humano sofre, nesta fase da vida, uma grande modificação em sua norma de desenvolvimento físico, como em outras. fases diversas sofre modificações patentes para o desenvolvimento sexual, psíquico, etc. Pela lógica, concluímos, que a amígdala doente, infectada, em média a partir dos 4 anos, passa a prejudicar o desenvolvimento físico da criança, em face desta alteração ontogênica fisiológica, embora seu mecanismo íntimo fuja a nosso conhecimento.

Corroborando esta assertiva está a segunda realidade clínica (outra fato de observação), que se poderia dizer a contra-prova daquela conclusão: todas as crianças operadas, por indicação formal, naquele período que medeia de 3 a 5 anos não sofrem alterações em sua norma de desenvolvimento físico. Esta a razão pela qual as indicações cirúrgicas da amigdalectomia na criança de tenra idade estão ligadas mais aos problemas de ordem focal, alergizante ou não, com repercussões renais, cardíacas, etc. Jamais deverão, clínicos e especialistas, por questão de idade na criança, protelar a erradicação dum foco amigdalino capaz de originar uma crise reumatismal ou semelhante, de forma a vir lesar tecidos como o cardíaco, pois, no parecer dos mais modernos cardiologistas, o coração, uma vez lesado, se transforma êle próprio em verdadeiro novo foco de infecção. Também as perturbações mecânicas respiratórias e digestivas, ligadas às hipertrofias irredutíveis, pelos meios clínicos, das palatinas e adenóides, na criança de tenra idade, exigem indicação cirúrgica realmente precoce. Nesse passo, vale lembrar que; aos obstetras e pediatras, assiste indicar tais recursos cirúrgicos nas crianças de tenra idade, recém-nascidos, lactentes, etc., que entram em desnutrição aguda muitas vezes, ou são vítimas de pneumonia de aspiração, não só pela dificuldade de amamentação decorrente das hipertrofias adenoidianas como também pelo desproporcionado volume de certas amígdalas palatinas. A cirurgia, em tais casos, é o único recurso capaz de resolver situações graves; geralmente fatais, que são irredutíveis por outros meios.

Temos, largamente, usado o trinômio proteína + bismuto + cálcio, nas infeções crônicas do anel de Waldeyer nas crianças de tenra idade, o que fornece resultados muito mais favoráveis que os antibióticos, sempre de acção espetacular porém transitória, sendo por isso preferíveis êstes nos processos agudos. Com tal recurso, evitando crises sempre perigosas, temos conseguido, na infância, protelar o ato cirúrgico em muitos casos até aquele período que reputamos ideal (3 a 5 anos), agindo precocemente, sempre que tal recurso clínico não nos proporciona os resultados desejados. É de salientar aqui a ação redutora da hipertrofia linfática, notadamente dos elementos componentes do anel de Waldeyer, por aquele trinômio, quando é utilizada uma proteína iodada.

Para terminar estas considerações em torno do fator idade na indicação, das amigdalectomias, pretendemos frisar que, de acôrdo com os mais modernos estudos, sendo atribuída função real das palatinas só no estado de vida intra-uterina; e, mais, sabendo-se que as amígdalas doentes prejudicam o organismo direta e indiretamente por ação focal ou não, em qualquer idade; e, mais, assegurando-se que a .amigdalectomia intra-capsular, técnicamente bem executada, produz choque operatório absolutamente diminuto; e ainda mais que, tanto quanto a adenoidectomia, a amigdalectomia palatina pode ser executada na criança, por menor que seja sua idade; e ainda que, muitas vezes, os mais adequados tratamentos médicos são incapazes de sustar certos processos do anel linfático de Waldeyer, no sentido de aguardar-se um período ideal de operação em seus elementos;
chegamos à conclusão final de que, quando há indicação, a amigdalectomia palatina pode ser praticada com segurança e com êxito, tanto na criança de tenra idade, como no adulto e no velho.

RESUMO

O A., após fazer várias considerações em torno do problema da idade na indicação das amigdalectomias, chega a várias conclusões que podem ser assim enumeradas:

1) - o fator idade, na indicação das amigdalectomias palatinas, está em plano absolutamente- secundário;

2) - uma vez que haja indicação formal de ordem clínica, a ablação das palatinas tanto é executada na criança de tenra idade, como no adulto e, também, no velho;

3) - o êxito das amigdalectomias depende mais da técnica utilizada e dos cuidados pré e pós operatórios, que da idade do operado;

4) - quando o estado de saúde do doente permite protelação, parece ser a idade entre 3 a 5 anos a ideal para a amigdalectomia, sob o ponto de vista clínico;

5) - sob o aspecto técnico-cirúrgico, não coincide sua indicação com a do ideal clínico da idade, razão de certas protelações operatórias, em virtude das dificuldades técnicas apresentadas;

6) - até aos 4-5 anos, a criança se desenvolve fisicamente bem, se não há outros elementos em causa, não obstante ter amigdalite crônica e surtos frequentes, sendo isto fato de observação clínica indiscutível;

7) - coincide o fato de observação clínica acima enumerado com o conhecimento científico de que a curva do desenvolvimento físico ontogenético sofre neste período de 4-5 anos sua única alteração de vulto;

8) - a estatística apresentada pelo A. revelou terem sido operados por êle doentes em todas as idades, entre 12 meses e 75 anos;

9) - utilizando os antibióticos nas crises de amigdalite e o trinômio proteína +-bismuto + cálcio na fase de cronicidade, a amigdalectomia na infância pode ser, em muitos casos, protelada até aos 3-5 anos, idade que o A. considera ideal para a prática da cirurgia das palatinas;

10) - a amigdalectomia palatina intra-capsular por dissecção, tècnicamente bem executada, produz traumatismo semelhante à adenoidectomia e, como tal, pode ser executada em qualquer oportunidade e qualquer idade.

SUMMARY

The A., after making various considerations around the problem of the age in the indication of the tonsillectomy, considers the following conclusions:

1) - the age is of secundary importance as an indicative factor in tonsillectomy ;

2) - when the clinical indications for surgery are imperative, tonsillectomy must be performed in the infant as well as in adult and in old age;

3) - sucess in tonsillectomy depends more of the employed technique and of the cares before and after the operation than of the patient's age;

4) - when the patient's general health permits the ideal clinical period for tonsillectomy seems to be between 3 and 5 ,years of age;

5) - surgery when postponed is only based in technical difficulties presented;

6) - general growth develops very well until the child reaches the age of 4 or 5 years when there are no other interposing conditions despite chronic tonsillitis and frequent crisis, this being a fact of clinical observation;

7) - the fact above mentionned coincides with the scientific knowledge that the normal curve of physical ontogenic growth undergoes its unique important change at 4 or 5 years;

8) - the A. presents his statistic of tonsillectomy performed in patients between 12 months and 75 years old;

9) - the usage of antibyotics in the acute phase and the triad protein-bismuth-calcium in the chronic stage permitted to postpone tonsillectomy in many patients until 3-5 years, age considered by him as ideal;

10) - intracapsular dissection technical performed is considered by the A. to produce similar traumatism to adenoidectomy and as such can be executed at any time and at any age.




(1) Trabalho apresentado ao Primeiro Congresso Médico do Brasil Central e Terceiro do Triângulo Mineiro.
(2) Usamos a expressão intra-capsular para significar que a amígdala é retirada dentro de sua própria cápsula.

DR. PEDRO FALCÃO
Rua Visconde de Inhauma, 1050
Ribeirão Preto - Estado de S. Paulo
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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