ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2164 - Vol. 62 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1996
Seção: Relato de Casos Páginas: 77 a 78
Abscesso Retrofaríngeo: Relato de Caso
Autor(es):
Siomara Bambírra *
Sulene Pirana *
Eloisa Maria M. Santiago Gebrim **
Luís Ubirajara Sennes *

Palavras-chave: Retrofaringe, abscesso, SIDA

Keywords: Retropharynx, abscess, AIDS

Resumo: Aspectos clínicos, tomográficos, microbiológicos e citológicos de um paciente homossexual, com síndrome da imunodeficiêneia (AIDS), que desenvolveu um abscesso retrofaringeo são apresentados. O objetivo deste artigo é discutir alguns aspectos das infecções dos espaços profundos do pescoço, além da necessidade de abordagem multidiciplinar para reconhecimento precoce destas afecções e tratamento imediato, diminuindo assim as complicações e permitindo tratamento adequado.

Abstract: The clinical, tomografic, microbiologic and citologic features of a homosexual man with acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) who developed a retropharyngeal abscess are presented. The purpose of this article is to discuss some aspects of the deep spaces infections of the head and neck, the need for a team - approach for early recognition and prompt treatment in order to minimize complications and to best offer a successful outcome.

INTRODUÇÃO

As infecções dos tecidos moles da cabeça e pescoço representam até hoje entidade patológica cuja morbimortalidade não se deve subestimar (1). Possíveis complicações são: o choque séptico, a coagulação intravascular disseminada, a insuficiência renal aguda, a síndrome da angústia respiratória do adulto, a mediastinite e a pericardite (2). Assim, a anamnese detalhada, o exame físico minucioso e alguns exames complementares, como a ultrassonografia, estudos radiográflcos e tomografia computadorizada, permitem realizar diagnóstico precoce e instituir medidas terapêuticas essenciais na tentativa de anular natureza potencialmente agressiva destas infecções. A bordagem adequada destes pacientes exige conhecimento da flora orofaríngea e da anatomia local (1). As infecções dentárias e amigdalianas representam, em 30% dos casos, as fontes para as infecções de cabeça e pescoço, envolvendo áreas adjacentes por extensão direta do processo infeccioso (3). Outras possíveis fontes e infecção são aquelas provenientes das glândulas salivares, adenites cervicais, processos otológicos, dermatológicos e traumáticos, além dos cistos cervicais congênitos (3, 4).
Na era pré-antibiótica, as infecções faríngeas representavam, em 70% dos casos, causa principal destas infecções (3). O advento dos antibióticos não só reduziu a prevalência das infecções dos tecidos profundos do pescoço, como também alterou a proporção com que cada fator causal contribui para a sua instalação (5). Entre as possíveis vias de disseminação, temos a extensão direta, a disseminação linfática e hematogênica e os êmbolos sépticos (1).

A flora envolvida nestas infecções é geralmente polimicrobiana, sendo o Streptococcus pyogenes e o Staphylococcus aureus os agentes mais frequentemente encontrados (4). As bactérias anaeróbias também podem ser isoladas, predominando os Peptostreptococcus, Bacteróides melaninogenicus e as fusobactérias (2). Os fungos, por sua vez, podem ocasionalmente ser encontrados como agentes causadores (3). A proximidade com estruturas vitais responde por sua importância e exige diagnóstico e abordagem imediatos.

RELATO DO CASO



Figura 1. Coleção líquida de aspecto homogêneo no espaço retrofaríngeo.



Figura 2. Redução significativa da coleção do espaço retrofarígeo.



Paciente masculino, 29 anos, branco, HIV positivo há 07 anos, compareceu ao Serviço de Otorrinolaringologia em janeiro de 1995 com relato de ter iniciado quadro de "massa" em orofaringe há 4 meses, após processo amigdaliano bacteríano agudo, acompanhado de incômodo e disfagia, sem odinofagia. Estabeleceu-se o diagnóstico de tumor de amígdala, sendo realizada biópsia de amígdala que evidenciou exclusivamente edema, fibrose e reação inflamatória crônica
sem evidência de malignidade. O raio X simples de coluna cervical revelou alargamento do espaço pré-vertebral ao nível de C2-C3. Foi então encaminhado ao nosso serviço para avaliação da "hipertrofia amigdaliana". O exame físico não revelou hipertrofia, assimetria, processo inflamatório e/ou infeccioso de qualquer uma das amígdalas palatinas; demonstrou, porém, abaulamento da parede posterior da orofaringe, reduzindo em 2/3 a luz da mesma e com extensão vertical para rino e hipofaringe. Este abaulamento estava recoberto por mucosa de aspecto normal. Foi solicitada tomografia computadorizada da face e região cervical, que revelou coleção líquida de aspecto homogêneo da oro e hipofaringe, abaulando a parede posterior da faringe e reduzindo a sua luz. Tal lesão media 4,5x2,4x7,4 cm (Fig. 1). A punção da coleção revelou secreção de coloração amarelo-clara, citrina, volume aproximado de 5 ml; foi encaminhada para citologia, cultura com antibiograma, com os seguintes resultados:

Citologia: esfregaços constituidos apenas por elementos figurados do sangue sobre fundo proteináceo.

Cultura geral: presença de Pseudomonas aeruginosa e Streptococcus viridans.

Cultura para anaeróbios: negativa.

Antibiograma: sensibilidade para ciprofloxacin, tendo o mesmo sido instituido por 21 dias.

O paciente evoluiu com remissão completa do abaulamento e dos sintomas. A tomografia controle não mostrou alterações (Fig. 2). Está em acompanhamento e persiste assintomático (agosto de 1995).

DISCUSSÃO

A grande variedade de antibióticos disponíveis diminuiu muito a prevalência dos abscessos dos tecidos moles do pescoço nos últimos 30 anos e mudou o curso clínico das infecções cervicais. Em alguns aspectos, seu diagnóstico e manuseio tornaram-se mais difíceis pelo mascaramento do curso natural da infecção. Assim, a diminuição das manifestações locais da infecção (flutuação, edema e hiperemia) e dos sinais sistêmicos (febre, calafrios, sinais de toxicidade) dão ao médico falsa segurança e podem provocar retardo na abordagem cirúrgica necessária, permitindo a ocorrência de complicações (4). Além do atraso no diagnóstico, o tratamento inadequado e a associação com outras doenças e a imunossupressão representam fatores importantes quanto a morbimortalidade (2).

Pacientes HIV positivos representam desafio particular no diagnóstico e tratamento por desenvolverem infecções com maior freqüência e por terem muitas vezes organismos oportunistas envolvidos na sua patogênese (6, 7).

O caso apresentado demonstra atraso no diagnóstico, porém com evolução e resultados favoráveis. Para que as complicações previamente citadas não ocorram, faz-se necessária abordagem uniforme dos pacientes com processo infeccioso em região de cabeça e pescoço, incluindo anamnese minuciosa, exame físico detalhado, hospitalização, restabelecimento do equilíbrio hidroeletrolítico, obtenção de material para cultura e antibiograma. O diagnóstico se faz geralmente sem auxílio de exames complementares sofisticados, como ultrasom e tomografia computadorizada, sendo estes importantes para avaliar a extensão, planejar o tratamento e orientar a conduta. Em 85% dos casos, a drenagem cirúrgica do abscesso se impõe, ao lado da antibioticoterapia obrigatória e precoce (3).


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. WILLS, P. I; VERNON, R. P. -Complications of space infections of the head and neck. The Laryngoscope, 91: 1129-36, 1981.
2. BECK, H. J.; SALASSA, J. R.; McCAFFREY, T. V.; HERMANS, P. E. - Life-threa tening soft-tinere infections of the neck. The Laryngoscope, 94: 354-62, 1984.
3. STIERNBERG, C. M. - Deep-neck space infections. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 112: 1274-9, 1986.
4. TOM, M. B.; RICE, D. H. -Presentation and management of neck abscess: a retrospective analysis. Laryngoscope, 98: 877-80, 1988.
5. LEVITT, M. G. - The surgical treatment of deep neck infections. The Laryngoscope, 81: 403-11, 1971.
6. LEE, K. C.; TAMI, T. A.; ECHAVEZ, M.; WILDES, T. O. - Deep neck infections in patients at risk for acquired immunodeficiency syndrome. Laryngoscope,100: 915-9,1990.
7. SPIRES, J. R.; OUVENS, J. J.; WOODSON, G. E.; MILLER, R. H. - Treatment of perito sillar abscess. A prospective study of aspiration vs incision and drainage. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 113: 984-6, 1987.




* Pós-Graduandos da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médica Assistente do Setor de Tomografia Computadorizada do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina e LIM-32.

Artigo recebido em 2 de agosto de 1995.
Artigo aceito em 2 de outubro de 1995.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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