INTRODUÇÃOAs partículas virais de papilomavírus humano (HPV) foram demonstradas em lesão verrucosa cutânea em 1949 e em genital em 1969. O HPV é um DNA vírus pertencente à família papovavírus (1). Distinguem-se 54 subtipos através de técnicas de hibridização; sendo os tipos 6, 11, 16 e 18 encontrados em lesões sexualmente transmitidas (2, 3, 4).
As células epiteliais infectadas pelo HPV sofrem transformações e se proliferam, desenvolvendo lesões verrucosas. Partículas virais infectam novas célula perpetuando o ciclo.
A infecção por papilomavírus é provavelmente a doença sexualmente transmissível mais prevalente nos E.U.A.(5). Em adultos, é associada com condiloma acuminado e com alterações neoplásicas que variam de displasia à carcinoma (6). Em crianças é associado à papilomatose laríngea.
O período de incubação usual é de 1 a 3 meses, porém a infecção pode ocorrer após período de latência de muitos anos (6).
As lesões podem ser encontradas em genitais (vulva, vagina, cérvix uterino, ânus e pênis) e em sítios não genitais (5).
Durante a gestação, o condiloma acumina frequentemente prolifera e aumenta. Mães infectadas podem transmitir o HPV durante o período perinatal. O mecanismo de transmissão materno-fetal permanece desconhecido. Acredita-se que o vírus seja transmitido intraparto, no canal de parto, pois a transmissão ocorre tipicamente após parto vaginal, mas também é documentada após cesárea (7). Outros atribuem à transmissão intrauterina.
O diagnóstico da infecção é difícil, sendo o exame definitivo a hibridização do DNA que detecta a presença e o tipo de vírus; porém, este método é pouco difundido em nosso meio (6).
Na clínica ginecológica, o condíloma pode ser detectado por exame macroscópico, colposcópico ou microscópico (Papanicolau), onde nota-se coicilocitose.
Para adultos infectados, o tratamento inclui citotóxicos (podofilina, 5-fluouracil, ácido tricloroacético), cirurgia, criocirurgia, eletrocauterização, laser-CO2, interferon 26.
Figura 1 - Pré-operatório, lesão em palato.
Figura 2 - Palato, pós operatório imediato.
RELATO DO CASOC.S.B., 3 meses, feminino, branca, foi atendida no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com queixa de lesão verrucosa em palato mole há 40 dias, com aumento progressivo, dificultando o aleitamento materno, indolor e sem sangramentos.
A criança nasceu a termo, parto vaginal, sem intercorrências.
O exame da orofaringe revelou presença de massa de aspecto verrucoso, de coloração rubra, em palato mole e úvula, de aproximadamente 3 em por 5 cm de diâmetro (Fig.l), sem apresentar qualquer outra alteração ao exame físico geral e otorrinolaringológico. Quanto aos exames hematológicos (hemograma, imunoglobulinas e dosagem de linfócitos T), permaneciam dentro dos padrões de normalidade.
A mãe apresentava lesão em mamilo esquerdo, de aspecto verrucoso, de aproximadamente 0,5 cm de diâmetro, com diagnóstico clínico de condiloma acuminado. Realizou-se exérese da lesão, cujo anátomo-patológico revelou fibroepitelioma. O pai apresentava lesão condilomatosa em pênis.
A paciente foi submetida à exérese cirúrgica da lesão oral (Fig.2): o exame anátomo-patológico revelou papilomatose, com sinais histológicos próprios da ação do papilomavírus.
Houve recidiva da lesão após 2 meses, sendo realizada nova exérese cirúrgica.
No seguimento de 1 ano, não se evidenciaram sinais de recidiva.
As lesões genitais dos pais foram cauterizadas.
DISCUSSÃOA doença relacionada ao HPV não é limitada a adolescentes e adultos. Lesões genitais têm sido relatadas em crianças cujas mães tinham condiloma acuminado (8). Outra alteração, em crianças, relacionada ao HPV, é a papilomatose laríngea. Em análise retrospectiva, foi revelada a presença de condiloma acuminado em 55-65% das mães de crianças com esta afecção (8).
Acredita-se que a depressão imunológica natural, que ocorre durante a gestação seja responsável pela maior presença de lesões genitais aparentes. Associado ao fato das alterações hormonais propiciarem aumento da infecção ou da expressão viral (9).
Um estudo detectou a presença do DNA do HPV em 28% das gestantes, e em 12,5% das não gestantes (9).
A alta taxa de incidência da infecção pelo HPV indica a necessidade de "screening" nas gestantes, podendo ser útil o exame de Papanicolau.
Alguns autores sugerem que o HPV, assim como herpes simples vírus e o citomegalovírus, possam se transmitidos aos recém-nascidos no parto. Sendo mais frequente por aspiração de secreções vaginais do que através de transmissão transplacentárias (10, 11, 12)
O DNA do HPV foi detectado em amostras d nasofaringe e cavidade oral de recém-natos por parto vaginal e em alguns recém-natos por via alta. Entretanto, a presença do DNA viral não implica em infecção; e o mecanismo de transmissão durante o parto permanece inexplicado. Além disso, a detecção do DNA do HPV no líquido amniótico sugere transmissão intrauterina (13). A frequência de transmissão vertical é baixa (2,8%), segundo foi demonstrado em estudo prospectivo (12). Diante disto, indica-se parto cesariano apenas quando as lesões genitais são suficientemente grandes para produzir obstrução mecânica ao parto (8, 14).
Quanto ao tratamento, existem vários métodos, sendo todos eficientes para eliminar as lesões cutâneo-mucosas, porém, o papovavírus é dificilmente erradicado, podendo permanecer latente em pele e mucosas propiciando elevada taxa de recidiva das lesões.
Cabe ressaltar que o tratamento do HPV materno, antes do parto, não previne a exposição do feto (12). Não há padrão consistente entre história materna de lesões relacionadas ao HPV e infecção neonatal pelo HPV.
Os recém-natos parecem ter maior risco de infecção no trato orofaríngeo do que na área genital; papilomatose do trato respiratório resulta da transmissão materno-fetal (12). Isto é possível pelo grande período de latência entre a infecção e o desenvolvimento da doença. Sendo que 75% das papilomatoses laríngeas são diagnosticadas antes dos 5 anos (15).
No caso em questão, a mãe não relatava presença de lesões genitais aparentes durante a gestação: fato que demonstra a importância em se fazer o diagnóstico, afim de que se evite a exposição fetal e consequentes complicações. O seguimento das crianças acometidas pelo HPV é fundamental, dada a probabilidade de desenvolver papilomatose laríngea e pelo grande potencial carcinogênico do HPV.
No caso relatado, a exérese da lesão oral foi o tratamento de escolha, devido ao grande tamanho da lesão, que estava dificultando a alimentação da criança.
A prevenção da infecção ainda é o melhor meio se evitar as lesões e complicações, já que os métodos diagnósticos e os tratamentos não são totalmente eficazes.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA1. ORIEL,J.D. - Genital warts. In: Holmes, K.K., ed.Sexually transmitted diseases. New York. McGraw-Hill, 1984, 496-507.
2. PFISTER,H.; HETTICH I.; RUNNE,U.; GISSMANN, L.; CHIERG.N. -Characterization of human papillomavirus 13 from focal epithelial hyperplasia heck lesions. J.Virol, 47: 363-6, 1983.
3. NAGHASHFAR,Z.; SAWADA,E., KUTCHER,M.J. et al. - Identification of genital tract papillomaviruses HPV-6 and HPV-16 in warts of the oral cavity. J.Med.Virol., 17: 313-24, 1985.
4. KAHN,T.; SCHWARZ,E.; ZUR HAUSEN,H. -Molecular cloning and characterization of the DNA of a new human papillomavirus (HPV-30) from a laryngeal carcinoma. Int.J.Cancer, 37: 61-5, 1986.
5. FLETCHER JR,J.L. - Perinatal transmission of human papillomavirus. American Family Physician, 43 (1): 143-8, Jan.1991.
6. In: KUNDSIN,R.B., FALK,S.S., eds. - Impact on the fetus of parental sexually transmitted disease. New York. NY Academy of Sciences, 118-28, 1988.
7. SHAH,K.; KASHIMA,H.; POLK,B.F.; SHOH,F.; ABBEY,H.; ABRAMSON,A. - A rarity of cesarean delivery in cases of juvenile on set respiratory papillomatosis. Obstet Gynecol,
68: 795-9, 1986.
8. SCHWARTZ,D.B.; GREENBERG,M.D.; DAUOD,Y.; REID,R. - The management of genital condylomas in pregnant women. Obstet Gynecol Glin North Am, 14: 589-99, 1987.
9. SCHNEIDER,A.; HOTZ,M.; GISSMANN,L. - Increased prevalence of human papillomaviruses in the lower genital tratt of pregnant women. Int.J.Cancer, 40:198-201, 1987.
10. ROMAN,A.; FILE,K. - Human papillomavirus DNA associated with foreskins of normal newborns. J.Infect Dis., 153: 855-8, 1986.
11. SEDLACEK,T.V.; SINDHEIM,S.; EDER,C. et al. - Mechanism of human papillomavirus transmission at birth. Am J. Obstet Gynecol, 161: 55-9, 1989.
12. SMITH,E.M.; JOHNSON,S.R.; PGNATARI,S.; CRUPE,T.P.; TWEK,L. - Perinatal vertical transmission of human papillomavirus and subsequent development of respiratory tratt papillomatosis. Ann Otol Rhinol Laryngol, 100: 479-83, 1991.
13. RONDO,R. - Mechanism for human papillomavirus transmission at birth. Am J Obstet
Gynecol, 161: 55-8, 1989.
14. Sexually transmitted diseases treatment guidelines. MMWR, 38(Suppl): 18-21, 1989.
15. KASHIMA,H.K.; SHAH,K. - Recurrent respiratory papillomatosis: clinical overview and management principies. In: Reid,R ed. Obstetics and Gynecology Clinics of North America, human papillomaviruses. Philadelphia: WB Saunders, 14: 581-3, 1987.
* Pós graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
** Residente de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital Santa Marcelina.
*** Médica assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
**** Assistente doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
***** Professor titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Trabalho realizado na Divisão de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e
LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, serviço do Professor Aroldo Miniti.
Trabalho apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Curitiba, PR, 1994.
Artigo recebido em 12 de junho de 1995.
Artigo aceito em 14 de julho de 1995.