INTRODUÇÃOO seio esfenoidal situa-se na base do crânio, não exposto diretamente às correntes inspiratórias fisiológicas; isto contribui para tornar seu acometimento infrequente, pela menor exposição aos patógenos e seu epitélio conter poucas células secretoras de muco o que acarreta menor frequência de problemas de drenagem (1). Está localizado no entrecruzamento de várias estruturas anatômicas importantes, muitas das quais têm papel fundamental na apresentação dos pacientes com doenças esfenoidais. Seu óstio localiza-se na parede anterior e se abre no recesso esfeno-etmoidal (2).
Superiormente, relaciona-se com a fossa média, com a hipófise e com o nervo óptico. Lateralmente, com o seio cavernoso, III, IV, V1, V2 e VI pares cranianos. Posteriormente, temos a fossa craniana posterior e; anteriormente, a rinofaringe e o canal pterigóide (3,4).
A proximidade dessas estruturas explica a grande variedade de sintomas, nem sempre característicos, presentes no acometimento do seio esfenoidal, assim como a possível agressividade às estruturas vitais, com curso clínico fatal.
A cefaléia é o sintoma principal, podendo manifestar-se em região retrorbital, irradiando para as têmporas; no entanto, pode assumir várias outras localizações (1). Podem estar presentes congestão nasal e queixas oculares (5).
No envolvimento de estruturas adjacentes, podemos ter diplopia, ptose palpebral, embaçamento da visão e diminuição da resposta pupilar à luz (5).
O diagnóstico das alterações que acometem o seio sfenoidal é dificultado pela relativa inacessibilidade desse. A história clínica criteriosa e o exame físico são fundamentais; tretanto, não fecham o diagnóstico.
Na era pré tomografia computadorizada (TC), essa onfirmação dependia de exames planigráficos que deixavam muito a desejar. Atualmente, com o uso rotineiro da TC o diagnóstico está mais acessível. Na suspeita de acometimento de estruturas adjacentes, a ressonância nuclear magnética (RNM) tem seu valor, principalmente na trombose do seio cavernoso.
Com o uso rotineiro de TC e RNM de crânio, temos encontrado na prática clínica, casos de opacificação da cavidade esfenoidal como achado de exame. A correlação clínica destas imagens nem sempre nos parece clara devido à ausência de sinais clínicos.
Neste trabalho, relatamos 4 pacientes com afecção esfenoidal descrevendo e discutindo as dificuldades de diagnóstico e de conduta terapêutica adotada.
Figura 1- Tomografia Computadorizada: conteúdo líquido preenchendo o seio esfenoidal direito.
Figura 2 - Tomografia Computadorizada: espessamento mucoso em seio esfenoidal esquerdo.
RELATO DE CASOS1) G.S.G., feminino, branca, 17 anos, com história de sinusite frontal em tratamento com Cefaclor há 9 dias, mantendo febre, queda do estado geral, torpor, hemiparesia direita, afasia e crises convulsivas. A TC demonstrou coleções subdurais, cerebrite e desvio da linha média. Foi introduzido Vancomicina e Cefotriaxone e realizada drenagem das coleções subdurais. A paciente evoluiu com melhora clínica e tomográfica. Após 6 meses, apresentou novo quadro de rinorréia purulenta bilateral; repetindo-se a TC, evidenciou-se conteúdo líquido preenchendo o seio esfenoidal direito (Fig.l). Foi submetida a drenagem endoscópica de esfenóide pela via endonasal (transetmoidal), encontrando-se conteúdo cístico. No pós operatório a paciente evolui com melhora do quadro clínico, tendo alta após 4 dias.
2) C.U.L.B., feminino, branca, 79 anos, diabética, apresentou-se com cefaléia bilateral intensa, lancinante, com irradiação para região retrorbital há 3 dias. Há 1 dia da internação, apresentou ptose palpebral esquerda, oftalmoplegía ( III intrínseco e extrínseco, IV e VI pares) e sensação de choque em território de V1. Negava febre, rinorréia ou obstrução nasal. A TC de crânio evidenciou espessamento mucoso em seio esfenoidal esquerdo e suspeita de flebite ou trombose do seio cavernoso, confirmado pela RNM (Fig. 2). A paciente recebeu Ampicilina, Quemicetina, Decadron e Heparina, sem melhora do quadro. Introduziu-se, então, Cefotriaxone e Oxacilina, evoluindo com meningite, sepsis e óbito no quinto dia.
Figura 3 - Tornografia Computadorizada: velamento do seio esfenoidal esquerdo.
Figura 4 - Ressonância Nuclear Magnética : trombose do seio cavernoso.
3) C.J.B., masculino, branco, 12 anos, 45° dia de exérese de astrocitoma ponto-mesencefálico, evoluindo com febre, rebaixamento do nível de consciência e anisocoria. TC revelou velamento do seio esfenoidal esquerdo (Fig.3). Realizada drenagem endoscópica por via endonasal; encontrou-se apenas espessamento mucoso. O paciente evoluiu sem alteração do quadro clínico.
4) E.B.V., feminino, branca, 12 anos, diagnóstico de sarcoma de Ewing submetida ao 3° ciclo de quimioterapia há 30 dias; em uso de sulfametoxazol-trimetropin profilático. Há 1 semana, febre, e cefaléia holocraniana. Com diagnóstico de amigdalite, recebeu penicilina benzatina; piora do estado geral e abaulamento de região maxilar esquerda, sendo internada com diagnóstico de sinusite maxilar esquerda, celulite facial esquerda introduzindo-se oxacilina e cloranfenicol. No 10° dia novo pico febril, cefaléia, rebaixamento do nível de consciência, evoluindo com broncopneumonia e derrame pleural bilateral; trocada antibioticoterapia para Vancomicina e Cefotaxime e realizada punção pleural bilateral. Isolado estafilococos aureus no sangue e no líquor. TC de crânio revelou pansinusite, inclusive velamento esfenoidal. Após 10 dias de antibioticoterapia, houve remissão da pansinusite, mantendo velamento esfenoidal e apresentando paresia de VI par esquerdo; TC revelou trombose de seio cavernoso esquerdo (Fig. 4), confirmado pela ressonância nuclear magnética e abscesso de base de crânio. Realizada drenagem endoscópica de seios esfenoidal e etmoidal esquerdos, saída de material seroso, pequena quantidade de coágulos e mucosa de aspecto normal. A paciente recebeu antibioticoterapia por 8 semanas para tratamento do abscesso de base de crânio, evoluindo com resolução do quadro clínico e tendo como sequela paresia do VI par esquerdo.
TC pós tratamento revelou aneurisma micótico de carótida interna esquerda e a carotidoangiografia revelou ausência de fluxo nessa artéria. Paciente em acompanhamento ambulatorial pela neurocirurgia.
DISCUSSÃONão existem sinais ou sintomas patognomônicos entre pacientes com doença do seio esfenoidal. As alterações do esfenóide, geralmente, manifestam-se pelo envolvimento dos nervos e vasos adjacentes as suas paredes e, dependendo da espessura destas, precoce ou tardiamente. Os sintomas de apresentação são resultado da extensão para as estruturas que circundam o seio esfenóide, pois este está no entrecruzamento de várias estruturas anatómicas importantes, como podemos perceber no caso 2, onde havia comprometimento de pares oculomotores e VI. A doença esfenoidal também pode envolver células etmoidais posteriores (1). A duramáter, a hipófise e a carótida interna são porta de entrada de processos patológicos (4).
Por sua localização na base do crânio, é frequentemente negligenciado no diagnóstico, pois os sintomas precoces sã sutis e evanescentes. Só se pensa no esfenóide, quando os sintomas são severos e debilitantes e o diagnóstico se torn óbvio.
Deparamo-nos, então, com a necessidade de localizar lesão no esfenóide com base na história e exame físico, para permitir a suspeita precoce.
A opacificação do esfenóide pode dever-se à infecção displasia fibrosa, neoplasias, hiperplasia mucosa, alterações vasculares e mucocele, entre outros (1, 3, 4).
Com os avanços nas técnicas de imagem, o diagnóstico das doenças e alterações que acometem o seio esfenoidal tem mudado radicalmente. O uso rotineiro da tomografia computadorizada tem permitido o encontro frequente de casos de alteração do seio esfenoidal, mesmo quando isto não era suspeitado, como nos casos 1 e 3 deste relato.
O desafio nesses casos é decidir se a lesão é ou não primária do esfenóide (no caso 3 suspeitou-se de metastáse), a natureza da lesão (p.ex.neoplásica ou inflamatória) e a conduta (deve-se ou não abordar cirurgicamente o esfenóide?). A decisão em nosso serviço é pela abordagem do seio, pois entendemos que este é o único meio de diagnosticarmos a natureza exata da lesão e tratá-la.
A demora na abordagem da infecção esfenoidal, p.ex., pode comprometer a vida do paciente, pois os microorganismos que causam sinusite esfenoidal são, em geral, mais virulentos que os que acometem os outros seios (1). Em cultura de 15 sinusites esfenoidais, 11 resultaram positivas; em 6, houve crescimento de 1 microorganismo e em 5, de 2 ou mais, e em 7, o agente isolado foi o estafilococos (1).
Geralmente, a doença esfenoidal se dá em pacientes com comprometimento do sistema imunológico, como nos casos 2,3 e 4 (respectivamente), mas pode ocorrer em paciente previamente higida (como no caso 1).
Mesmos processos benignos no seio esfenóide podem ter efeitos devastadores com substancial morbidade e mortalidade. Porisso a nossa opção pela drenagem sempre que nos deparamos com velamento esfenoidal. Apenas no caso 2 a drenagem não foi realizada pelo mau estado geral da paciente, que não permitia a realização de procedimento cirúrgico. A localização do seio esfenóide permite a disseminação para o seio cavernoso (6). Os critérios para o diagnóstico de trombose do seio cavernoso são: quemose bilateral, engurgitamento da retina, perda da visão e dor retroorbital (1, 7). Na era pré-antibiótico, a mortalidade era 100%; atualmente, segundo a literatura é de 25% (1, 7).
O seio esfenóide é o seio paranasal mais inacessível cirurgicamente. Schaffer a foi o primeiro que o explorou cirurgicamente. A via utilizada em nosso serviço é a microendonasal (transnasal transetmoidal), que permite máxima visualização e segurança com mínima morbidade, sendo efetiva para diagnóstico e drenagem da maioria das alterações do esfenóide.
CONCLUSÕESO diagnóstico das alterações esfenoidais vem se tornando frequente com o uso rotineiro da tomografia computadorizada, o que permite diagnóstico e tratamento adequados. A via de acesso cirúrgico-endonasal permite resultados satisfatórios no controle da afecção com mínima morbidade.
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* Pós-graduando da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médico assistente da Disciplina de Clínica Otorinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Ex-residente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Professor Assistente Doutor da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
****** Professor Titular da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e
LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Serviço do Professor Aroldo Miniti.
Trabalho apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Curitiba, 1994.
Artigo recebido em 02 de junho de 1995.
Artigo aceito em 14 de julho de 1995.