INTRODUÇÃOAlguns trabalhos sobre a anatomia do osso temporal da cobaia têm sido realizados, Cloué, 1908; Balara, 1937; Tonndorf, 1952; Asarch e col., 1975.
São numerosos os tipos de animais utilizados em laboratório para pesquisas relacionadas ao sistema labiríntico, e o estudo de cada um pode ter seu interesse particular. Foi escolhida a cobaia para descrição da anatomia do sistema auditivo e vestibular porque estes sistemas neste animal se assemelham sensivelmente aos do homem e também por ser um animal que se presta muito bem para experimentos relacionados a labirintologia. O objetivo deste trabalho descritivo foi o de facilitar as pesquisas dos investigadores que vão se iniciar nestes estudos utilizando a cobaia como animal de experimentação.
Fig. 1 - Vista inferior do crânio da cobaia, mostrando as bulas timpânicas abertas para visualização da cóclea (osso temporal).
MATERIAL E MÊTODOSAs cobaias foram sacrificadas por decapitação, seguindo-se a dissecção da cabeça até o isolamento e retirada do osso temporal. Foram utilizadas cobaias com peso de 300 a 500 g.
Os ossos temporais isolados foram dissecados com estiletes e fórceps delicados até a exposição da cóclea e vestíbulo, após retirada da bigorna e estribo. Na cóclea duas aberturas foram feitas,uma ao nível da janela redonda e outra próxima ao ápice da cóclea. No vestíbulo foi_ feita uma abertura ampla unindo-se as duas janelas, oval e redonda, expondo-se o labirinto membranoso, vendo-se o século e o utriculo. pelas aberturas descritas era injetado fixador formalìna 10"" em tampão fosfato 0,1 M pF1 7,0 (Oliveira, Marseillan, 1969). Esta fixação era feita para posterior estudo histológico em contraste de fase dos epitélios coclear e vestibular, pela técnica de preparações de superfície. Todas estas fases da dissecção e fotos foram feitas sob visão estercoscópica das peças anatómicas -com o otornicroscópio cirúrgico MC-5, D.F. Vasconcellos. As inicrofotografias dos cpitélios coclear e vestibular foram feitas com um fotoinicroscópio Leiss de contraste de fases. Descrição detalhada destas técnicas foram feitas por Engstrom, Ades e Hawkins, 1963; Lindeman. 1969: Oliveira e Marseillan, 1971, 1976 e Oliveira, 1979.
RESULTADOSO rochedo da cobaia adulta está localizado na parte póstero-inferior do crânio. A porção petrosa e o osso temporal são soldados. Acima cio rochedo, a porção escamosa continua para diante corri a crista zigonlátlca. Posteriormente a apófise paraoccipital acompanha com sua base a face posterior do rochedo (Fig. I).
Fig. 2 -Estruturas
l. Bula
2. Anel tímpânico
3. Saliência do seio anterior
4. Saliência do seio aéreo posterior ou mastoideo
5. Orifício do canal do nervo facial.
Após tricotomia cervical e cefálica e decapitação da cobaia, as partes moles eram retiradas, deixando-se exposta a calota craniana. Em seguida, com instrumentos fortes e movimentos manuais, eram retirados os ossos temporais. O osso temporal isolado foi analisado por três faces: a face lateral ou externa: a medial ou endocraniana e a face anterior. A face externa mostra no centro o anel timpânico abrindo-se em um conduto auditivo externo: a bula: a saliência que corresponde ao seio aéreo posterior ou masloideu, este é observado logo atrás do orifício do conduto auditivo externo (fig. 2). Na face anterior observa-se a bula, o orifício do conduto auditivo externo, a parte escamosa superiormente e a ponta do rochedo inferiormente (fig. 3).
Fig. 3- estruturas
1. Bula
2. Conduro auditivo e externo
3. Ponta do rochedo
4. Osso escamoso.
Na face endocraniana, pode-se observar a zona subarquata, limitada superior e anteriormente pela saliência do canal semicircular superior e anteriormente pelo vestíbulo. Observam-se também três orifícios, dois superiores e um inferior. Os dois superiores são o orifício facial e vestibular, o inferior é o orifício coclear (fig. 4).
Uma estrutura que é observada com detalhes na face lateral é a membrana timpânica, com o cabo do martelo em posição quase vertical. Na Fig. 5, vê-se a bula inferiormente, o conduto auditivo externo com a membrana timpâníca centralmente, a escama do temporal e apófise zigomótica superiormente, o mastóide e a parte do rochedo posteriormente.
Fig. 4 - Estruturas
1. Fossa subarquata
2. Orifício do nervo vestibular
3. Orifício do nervo coclear
4. Bula
5. Orifício do nervo facial.
Fig. 5 - Estruturas
1. Membrana timpânica
2. Martelo
3. Bula timpânica
4. Ponta do rochedo
5. Mastóide
6. Escama temporal
7. Apófise zigomática.
Fig. 6 - Estruturas
1. Articulação incudo-estapedial
2. Cóclea
3. Janela redonda
4. Apófise da bigorna
5. Janela oval
6. Seio aéreo posterior.
Fig. 7 -Estruturas
1. Corpo da bigorna
2. Apófise curta da bigorna
3. Apófise longa da bigorna.
Retirando-se a calota óssea da bula timpânica, expõe-se o ouvido médio, a cadeia ossicular e a face labiríntica do temporal (Fig. 6). Pode-se observar a cóclea, a articulação fincudo-estapedial, a janela redonda, a bigorna, janela oval, seio aéreo posterior.
A extirpação dos ossículos permite o estudo de seus detalhes anatômicos. Para retirada da bigorna e do estribo há necessidade de romper a ponte óssea que prende este último à janela oval. O martelo e a bigorna normalmente são intimamente soldados na cobaia adulta, enquanto no feto existe uma articulação. O martelo faz saliência por sua cabeça no seio aéreo anterior e epitímpano, onde está soldada a bigorna, e se insere na membrana timpânica, com um cabo, com a forma de espátula (Fig. 5). Na figura 7 vemos a bigorna isolada do martelo e estribo, observa-se o corpo do ossículo, a apófise curta que se liga ao martelo e a apófise longa em cuja extremidade aparece o osso lenticular que se articula com o estribo. Após a extirpação da bigorna pode-se retirar o estribo. Entre seus dois ramos existe uma columela óssea sobre a platina que se estende do aqueduto de Falópio ao promontório; deste modo, o estribo se encontra transfixado. Na figura 8, vemos as estruturas do estribo; a platina, os ramos anterior e posterior, tubérculo de inserção do músculo estapédio. Após a retirada dos ossículos chegamos ao ouvido interno; a face labiríntica da caixa timpânica é exposta (Fig. 6). Nesta face observam-se: as saliências das espiras cocleares, paralelamente sobre a cóclea e para dentro a trompa de Eustáquio. Próximo a volumosa espira basal da cóclea, temos a janela redonda bem visível, logo acima está a janela oval sob o maciço do facial e fechada pelo estribo.
Fig. 8 - Estruturas
1. Platina do estribo
2. Ramo anterior
3. Ramo posterior
4. Tubérculo de inserção do músculo do estribo.
Fig. 9 - Estruturas
l. Espiras cocleares
2. Bigorna
3. Estribo
Fig. 10 - Estrutura
l. Espiras cocleares.
Fig. 11 - Estruturas
1. Cóclea
2. Espira basal
3. Nervo facial.
Fig. 12 - Estruturas
1. Cóclea
2. Primeira espira da cóclea
3. Súculo
4. Utriculo.
Para fixação da cóclea eram feitas duas aberturas, uma superior e uma inferior, que uniam a janela oval e redonda. O fixador era injetado pela abertura superior e fluía por dentro da cóclea, pelas espiras cocleares, saindo pela abertura inferior. A cóclea depois de fixada por tempos variáveis era dissecada para exposição das 3 e 1/2 espiras cocleares e visibilidade da membrana basilar com o órgão de Corti; para isso, a cobertura óssea da cóclea era retirada totalmente (Fig. 9). A membrana basilar com o órgão de Corti era descolada da lâmina espiral óssea do modiolo e montada em lâminas para estudo no microscópio de fase. Na figura 10 observamos o modíolo e as espiras cocleares após a retirada da membrana basilar. Para a fixação do labirinto posterior (sáculo, utrículo, canais semicirculares) fez-se uma larga exposição do labirinto nienibranoso ampliando a abertura inferior da cóclea em direção posterior. Por esta abertura injetava-se o fixador. Para dissecção do labirinto membranoso posterior em primeiro lugar era feita ressecção do maciço facial expondo-se o canal de l alópio. que está assinalado na figura 11.
Fig. 13. Estruturas
1. Cóclea
2. Canal semicircular ósseo posterior
3. Canal semicircular ósseo lateral
4. Canal semicircular ósseo anterior.
Fig. 14. Estruturas
1. Cóclea
2. Canal semicircular posterior
3. Canal semicircular lateral
Fig. 15 - Fotomicrografia em contraste de fase do órgão de Corti da 2.ª espira, mostrando as células ciliadas externas e internas (640x).
1 - Células ciliadas internas.
2 - Células ciliadas externas.
Após a abertura do canal facial, podia-se expor o sàculo e utriculo (Fig. 12). A retirada das máculas sacular e utricular era feita após a abertura do Báculo e utriculo. Em seguida eram dissecados os canais semicirculares e suas ampolas; para retirada das cristas ampolares, que eram colocadas entre lâmina e laminula como as máculas, para estudos com microscópio de contraste de fases. Na figura 1 3 observam-se os 3 canais seim-circulares dissecados. Na figura 14 os canais lateral e posterior estão assinalados.
Fig. 16 - Fotomicrografia em contraste de fase do órgão de Corti (1400x) Células ciliadas externas.
1 - 1.ª fileira C. C. E.
2 - 2.ª fileira C. C. E.
3 - 3.ª fileira C. C. E.
Fig. 17 - Fotomicrografia em contraste de fase do epitélio vestibular da crista ampolar do canal semicircular horizontal (1400x).
Com o microscópio de contraste de fases (fotomicroscópio Zeiss), pode-se fotografar o órgão de Corti para observação. Na figura 1 5 tem-se urna visão panorâmica do órgão de Corti com sua fileira de células ciliadas internas, os pilares e as três fileiras de células ciliadas externas (640 X). Na figura 16 em maior aumento (1.400X) observam-se as três fileiras de células ciliadas externas e entre elas as células suportes. O epitélio sensorial vestibular da mácula reticular é visto na figura 17 e a membrana otolitica na figura 18.
Fig. 18 - Fotomicrografia em contraste de fase. Membrana ototitica do utriculo (1.400 X).
COMENTÁRIOSEsta visão descritiva do osso temporal da cobaia não é um estudo minucioso e completo de sua anatomia, mas uma base anatômica prática e indispensável para se trabalhar em pesquisa no campo da labirintologia neste animal de experimentação. Estes conhecimentos têm sido essenciais principalmente no estudo das alterações estruturais provocadas por drogas labirintóxicas e trauma acústico, utilizando a
técnica de preparação de superfície dos epitélios coclear e vestibular. Oliveira e Marseillan, 1971; Oliveira e Marseillan,- 1976; Oliveira e col., 1977, 1979.
SUMMARYThe technique for dissection of the temporal borre of the guinea pig for anatomical study is described. A series of photographs made with a surgical otomicroscope show the sucessive stages of the dissection and the exposed structures of the inner ear: cochlea, sacculus, utriculus and semicircular canais. The use of this technique for microscópica! study by surface preparations is discussed.
REFERENCIAS1. ASARCH, R.; ABRAMSON, M.; LITTON, W. - Surgical anatomy of the guinea pig ear. Ann. Otol. 84:250-255, 1975.
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3. CLOUÉ, C. - Oreille interne. Êtude Anatomo-pathologique et clinique. Editions Medicales Maloine. 1938:1-225.
ENGSTROM, H., ADES, H.W., HAWKINS, J.E. Jr. - Cytoarquitecture of the organ of Corti. Acta Otolaryng. 1963. Suppl. 188:92-99.
4. LINDEMAN, H.H. - Regional differences in sensitivity of the vestibular sensory epithelia to ototoxic antibiotics - 1969, 67:111-189.
5. OLIVEIRA, J.A.A. - A técnica de preparações de superfície do epitélio vestibular. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia - 1979, 63-70.
7. OLIVEIRA, J.A.A., MARSEILLAN, R.F. - Estudo das lesões cocleares pela técnica de preparações de superfície na cobaia. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia - 1971, 37:1.
8. OLIVEIRA, J.A.A., MARSEILLAN, R.F. - Toxicité du salicylate de soude sur le labyrinte du cobáie. Revue de Laryngologie, Otologie, Rhinologie - 1976, 97:17.
9. OLIVEIRA, J.A.A., CICILINI, G.A.; SOUZA, M.L. - Efeitos do ácido etacrínico oral no sistema coclear da cobaia. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia - 1977, 43:183-199.
10. OLIVEIRA, J.A.A., CICILINI, G.A.; SOUZA, M.L.; ANDRADE, M.H. - Efeitos do ácido etacrínico sobre o sistema vestibular. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia - 1979, 45:8-16.
11. TONNDORF, J. - Surgical approach to the bulia tympanica in the guinea pig, rabbit, cat and dog. Project No. 21-27-001, USAF School of Aviation Med, Randolph, Field, Texas, 1952.
Trabalho realizado com o auxilio da FAPESP e CNPq.
1 Professor Adjunto do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Professor Adjunto contratado no Departamento de Ojialino-otorrinolaringologia. Hospital das Clinicas - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.