ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
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2128 - Vol. 61 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 238 a 444
TUMORES DO ESPAÇO PARAFARÍNGEO: DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO E TRATAMENTO.
Autor(es):
José Victor Maniglia*,
João Armando Padovani Juníor**,
Valter Santos***,
Atílio Fernandes***.

Palavras-chave: Neoplasmas, faringe

Keywords: Neoplasms, pharynx

Resumo: Os tumores do espaço parafaríngeo são raros, sendo os quatro maiores tumores primários as massas do lóbulo profundo da parótida, lesões de glândulas salivares menores, neuromas e tumores glômicos. O espaço parafaríngeo é virtual, em forma de pirâmide invertida, com seu assoalho na base do crânio e seu ápice no corpo maior do osso hióide. Os exames complementares mais importantes são: punção aspirática, tomografia computadorizada, ressonância magnética e arteriografia. São apresentados 9 casos típicos.

Abstract: The lesions of the parapharyngeal Space are rare and the four most commonly found are lesions of the deep lobe of the parotid gland, lesion of the minor salivary glands, neuromas and glomic tumors. The parapharyngeal Space is a potetial Space, shaped like an inverted piramid with it's floor at the skull base and it's apex at the level of the greater core of the hyod bone. The most important complementary tests are: fine meadle aspiration biopsy, computed tomography, ressonance magnetic image and arteriography. Nine typical cases are discussed.

INTRODUÇÃO

Os tumores do espaço parafaríngeo são raros e podem pertencer a extensa variedade de tipos histológicos. O espaço parafaríngeo é região de difícil acesso ao exame clínico, sendo conhecido por diferentes nomes (espaço parafarígeo lateral, espaço faringomaxilar, espaço pterigofaríngeo e espaço ptérigo mandibular)1, 2, 3.

O espaço parafaríngeo é virtual, posicionado lateralmente à faringe superior e à região amigdaliana, apresentando a forma de pirâmide invertida, com seu assoalho na base do crânio e seu ápice no corpo maior do osso hióide. A base é formada pela asa maior do osso esfenoidal, com os forames oval e espinhoso. A parede lateral é formada, de anterior para posteriormente, pela lâmina pterigóide medial, ramo ascendente da mandíbula, lóbulo profundo da glândula parótida, parte do ventre posterior do músculo digástrico. A parede medial é formada pelo músculo constritor superior da faringe, músculo tensor do véu palatino e músculo levantador do véu palatino. Considera-se a parede posterior como sendo a fascia pré-vertebral. Essa fascia separa o compartimento parafaríngeo do retrofaríngeo.



Figura 1. Adenoma pleomórfico pré-operatório.



Figura 2. Adenoma pleomórfico pré-operatório.



Figura 3. Adenoma pleomórfico pré-operatório.



Figura 4. Adenoma pleomórfico avaliação pós-operatório.



O processo estilóide e seus músculos, que são direcionados inferior, anterior e medialmente, divide o espaço em dois compartimentos: o espaço pré-estilóide e o espaço retro-estilóide. O espaço pré-estilóide contém ramos do nervo mandibular e o espaço retro-estilóide contém a artéria carótida interna, nervos cranianos IX, X, XI e XII, o tronco simpático e os nódulos linfáticos faríngeos laterais2, 3.

O ligamento estilo-mandibular, que é a condensação da fascia estilo-hióidea, inserido no ângulo da mandíbula, é uma importante consideração anatômica, desde que com a base no crânio e o ramo ascendente da mandíbula, ele forma o "túnel estilo mandibular", através do qual os tumores do lóbulo profundo da parótida podem projetar-se4. O nervo facial é posicionado superficialmente ao espaço parafaríngeo, podendo ser deslocado lateralmente pelos tumores, devendo ser identificado durante as suas remoções.

Desde que a base das paredes posterior e lateral são ósseas, os tumores tendem a crescer medialmente, deslocando a fossa amigdaliana ou o pálato mole, ou inferiormente, produzindo abaulamento externo na região do ângulo da mandíbula. A invasão dos músculos pterigóideos pode produzir trismo5, 6. Envolvimento da divisão mandibular do nervo trigêmio pode resultar em deficiências motoras ou sensitivas e o envolvimento de nervos cranianos ou do tronco simpático pode produzir as devidas paralisias6.

O objetivo deste trabalho é apresentar os casos de tumores do espaço parafaríngeo, por nós tratados e discutir as possibilidades diagnósticas e os meios de tratamento atuais.

RELATO DOS CASOS

Caso n° 01 - Paciente de 29 anos deidade, sexo feminino, apresentou-se com história de massa na faringe, crescimento lento e progressivo e disfagia a alimentos sólidos. O exame físico revelou "massa" submucosa, deslocando a parede lateral da faringe e a fossa amigdaliana direita, estendendose além da linha média. Tomografia computadorizada revelou a presença de massa, 8x5 cm, no espaço parafaríngeo direito (Fig. 1). A remoção cirúrgica foi realizada, através de incisão cervical clássica, sem mandibulotomia, cujo diagnóstico histológico foi de adenoma pleomórfico. Seguimento pós-operatório de 4 anos.



Figura 5. Arteriografia carotídea paraganglioma.



Figura 6. Linfoma pré-operatório difuso linfocítico.



Figura 7. Carcinoma mucoepidermóide pré-operatório,



Figura 8. Avaliação pós-operatório.



Caso n° 02- Paciente do sexo feminino, 22 anos de idade, apresentou-se com história de lesão na faringe, cuja biópsia, realizada em outro serviço, revelou o diagnóstico de adenoma pleomórfico. O exame físico mostrou a presença de abaulamento da região amigdaliana e pálato mole, no lado esquerdo. A tomografia computadorizada revelou a existência de uma lesão ovóide, de 5x3 cm, no espaço parafaríngeo esquerdo (Fig. 2), que foi removida cirurgicamente, através de acesso trans-oral, cujo diagnóstico histológico foi adenoma pleomórfico. Seguimento pós-operatório de 3 anos.

Caso n° 03 - Paciente do sexo feminino, de 56 anos de idade, com queixa de "massa" na faringe, lado direito e discreta disfagia a alimentos sólidos. O exame físico revelou presença de lesão submucosa, com moderado desvio da fossa amigdaliana medialmente. Tomografia computadorizada revelou a presença de lesão de contornos regulares, ocupando o espaço parafaríngeo e com provável envolvimento do lóbulo profundo da glândula parótida (Fig. 3). A remoção foi realizada através de acessos combinados, trans-oral e cervical sem mandibulotomia. Seguimento pós-operatório de 2 anos (Fig. 4).

Caso n° 04 - Paciente de 32 anos, sexo feminino, apresentou-se com história de lesão nodular na região cervical direita. Exame físico evidenciou presença de nódulo pulsátil, na região júgulo-digástrica. A arteriografia carotídea foi compatível com tumor de corpo carotídeo (Fig. 5), tendo a paciente sido submetida a tratamento cirúrgico que confirmou, através de exame histológico, o diagnóstico de paraganglioma.

Caso n° 05 - Paciente de 22 anos de idade, sexo masculino, refere massa cervical, de crescimento lento, na região júgulo-digástrica direita. Foi submetido a exploração cirúrgica, sendo o exame histológico compatível com tumor de origem neural (Schwanoma vagal). Não foi submetido à tomografia computadorizada na ocasião.

Caso n° 06 - Paciente de 37 anos de idade, do sexo feminino, apresentou-se com história de massa cervical direita, evolução de 9 meses, de crescimento lento. Tomografia computadorizada revelou presença de lesão expansiva do espaço parafaríngeo (Fig. 5). Foi submetida a tratamento cirúrgico, através de acesso cervical, cujo diagnóstico histológico foi compatível com linfoma difuso linfocítico, pouco diferenciado. Foi submetido à radioterapia complementar, apresentando-se no 6° mês pós-tratamento.

Caso n° 07 -Paciente de 66 anos de. idade, sexo feminino, apresentou-se com história de lesão, com evolução de 03 meses, na cavidade oral, lado esquerdo.



Figura 9. Carcinoma mucoepidermóide pré-operatório.



Figura 10. Carcinoma adenóide-cístico pré-operatório.



O exame físico, revelou presença de abaulamento do pólo superior da fossa amigdaliana e pálato mole, à esquerda. Tomografia computadorizada mostrou presença de massa ovóide, contornos regulares, no espaço parafaríngeo esquerdo (Fig. 7). A remoção foi realizada através de acesso trans-oral, cujo diagnóstico histológico foi de carcinoma mucoepidermóide, pouco diferenciado. A paciente recebeu tratamento complementar de radioterapia (5000 cGy). Seguimento pós-operatório de 3 anos (Fig. 8).

Caso n° 08 - Paciente com 36 anos de idade refere massa cervical direita, crescimento lento, evolução de mais ou menos 1 ano. Exame físico revelou massa endurecida, móvel 2x3 cm, dolorosa à palpação, na área júgulo-digástrica direita. Punção aspirativa foi inconclusiva. Tomografia computadorizada revelou presença de lesão de 2x2, no espaço parafaríngeo direito (Fig. 9). Foi submetida a exérese cirúrgica. O diagnóstico histológico foi compatível com carcinoma muco epidermóide, baixo grau de malignidade. Foi recomendada radioterapia complementar. Apresenta-se com evolução de 5 meses.

Caso n° 09 -Paciente de 58 anos de idade, sexo feminino, apresentou-se com história de lesão da cavidade oral, recorrente, com aumento progressivo. Refere que foi submetida a procedimento cirúrgico, seguido de radioterapia, no mesmo local, há 22 anos. O exame físico mostrou presença de lesão causando abaulamento do pálato mole, lado esquerdo. A tomografia computadorizada revelou presença de massa, de contornos irregulares, ocupando os espaços mastigatórios e parafaríngeo esquerdo (Fig. 10). Foram realizadas três biópsias cujos laudos foram inconclusivos. A paciente foi submetida à remoção cirúrgica da massa através de acesso trans-oral, cujo diagnóstico histológico definitivo foi compatível com carcinoma adenóide-cístico. Foi recomendada radioterapia complementar. Encontra-se no 6° mês pós-tratamento.

DISCUSSÃO

Os tumores do espaço parafaríngeo são raros e representam 0,5% de todos os tumores da cabeça e pescoço s. A maioria dos tumores são benignos1, 2.

Os quatro maiores tumores primários que ocupam o espaço parafarígeo são massas do lóbulo profundo da glândula parótida, lesões da glândulas salivares menores, neuromas e tumores glômicos (paraganglíomas), sendo que os tumores das glândulas salivares maiores e menores são responsáveis por 40 a 50% de todas as massas; tumores neurogênicos por 17 a 25%; tumores gl8micos por 10 a 15%. Os restantes 10 a 33% dos casos representam variado grupo de lesões que incluem nódulos linfáticos patológicos, cistos branquiais, lesões lipomatosas e outros raros tumores1, 7.

No diagnóstico diferencial pré-operatório utilizam-se tomografia computadorizada, ressonância magnética, arteriografia e punção aspirativa8.

Ocorre abulamento da parede lateral da faringe, quando as lesões atingem diâmetros superiores a 2,5 em, podendo ser detectadas clinicamente. Não existe achado condizente com exame físico que permita a diferenciação entre urna massa de lóbulo profundo da parótida de uma lesão extra-parotídea7. O melhor método para realizar esta distinção é a visualização de um plano de tecido adiposo entre o lóbulo profundo da parótida e o aspecto póstero-lateral da massa7.

O radiologista pode diferenciar os tumores do lóbulo profundo da glândula parótida das massas extraparotídeas em todas as lesões, de tamanho pequeno a moderado, porque. é somente nas grandes lesões que o plano de tecido gorduroso pode estar presente mas não visível, pelas imagens de tomografia ou ressonância.

A diferenciação entre as massas intra e extra-parotídeas é melhor realizada por meio de, ressonância magnética, devido as suas localizações no espaço pré-estilóideo ou compartimento anterior do espaço parafaríngeo, causando desvio posterior da artéria carótida interna. Quando consideradas as massas ovóides extra-parotídeas, se o tumor for primariamente uma lesão de baixa atenuação pela TC, o mais provável diagnóstico é o de neurofibroma. Se o tumor apresentar significante captação de contraste, provavelmente o diagnóstico será neuroma ou paraganglioma. Os neuromas, posicionados posteriormente, tendem a deslocar a artéria carótida interna anteriormente9. Desde que esta artéria é melhor identificada pela imagem de ressonância magnética, este deve ser o exame de escolha, para diferenciar os quatro principais tumores que ocorrem neste espaço cervical, o que permite ao cirurgião escolher o melhor acesso para a remoção destas lesões9, 10.

Com relação à escolha do acesso cirúrgico para a remoção destas tesões benignas, não vasculares, optamos pela utilização da via trans-oral nos casos de tumores pequenos extra-parotídeos, pois apesar do procedimento cirúrgico ser enucleação virtual do tumor, ocorre baixa incidência de recorrências, comparada ao uso do mesmo método, indicado para remover tumores intra-parotídeos (5 a 20% de recorrência)2.

Utilizamos os acessos combinados em uma oportunidade, quando não foi possível a remoção total do tumor por via trans-oral (caso n° 03).

Para os tumores maiores e com origem intra-parotídea, indicamos o acesso cervical, sem mandibulotomia, o que julgamos desnecessário para tumores benignos.

A radioterapia complementar deve ser indicada para os tumores malignos, cujas margens cirúrgicas de ressecção apresentarem comprometimento ou para os tumores com estadiamento avançado12, 13.

CONCLUSÃO

1 - Os tumores do espaço parafaríngeo são raros.

2 - O diagnóstico deve ser realizado por meio de tomografia computadorizada e imagem por ressonância magnética.

3 - A escolha do acesso cirúrgico depende do tamanho e da localização da lesão.

4 - Radioterapia complementar deve ser indicada para pacientes portadores de tumores malignos.

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* Professor Adjunto Responsável pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base -Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP.
** Médico contratado da Disciplina de Otorrinolaringologia e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP.
*** Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP.

Instituição: Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP - Hospital de Base - São José do Rio Preto/ SP.

Endereço para correspondência: José Victor Maniglia, Rua Ondina, 45, Bairro Redentora, CEP 15015-200, São José do Rio Preto/ SP.

Artigo recebido em 30 de junho de 1995.
Artigo aceito em 18 de julho de 1995.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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