INTRODUÇÃOO ventrículo da laringe (ventrículo de Morgagni; cavidade ventricular) é uma cavidade de forma elíptica com o maior eixo no sentido horizontal, situada entre a prega vestibular (banda ventricular; falsa corda vocal; prega ventricular) superiormente, e a prega vocal (corda vocal; corda vocal verdadeira) inferiormente. O ventrículo se assemelha a uma canoa colocada de lado, mais profundo na parte anterior do que na posterior. Na parte anterior do ventrículo, existe um divertículo de mucosa, grandemente variável em tamanho, que se estende em direção superior, e se localiza verticalmente entre a prega vestibular, a base da cartilagem epiglótica e a superfície interna da cartilagem tireóide, chamado Báculo (apêndice do ventrículo). A mucosa que reveste o ventrículo e o sáculo é constituída por epitélio do tipo respiratório (ciliado colunar pseudo-estratificado), onde se abrem de 60 a 70 glândulas mucosas.
A laringocele e o cisto sacular (laringomucocele; mucocele sacular; cisto congênito da laringe) são duas patologias raras da laringe, similares no que diz respeito a ambas representarem uma dilatação anormal do sáculo laríngeo, e distintas no que se refere ao fato de o interior do cisto sacular não conter ar, e não comunicar-se com o lume laríngeo, como ocorre na Laringocele.
A revisão da literatura mostra que, muitos dos autores não se preocupam em discutir o limite entre sáculo normal de grandes proporções e Laringocele; não diferenciam Laringocele de cisto sacular; ou limitam-se á apresentação de casos isolados. Além disso, grande parte dos casos publicados são de laringocele associada ao câncer da laringe.
Este trabalho visa apresentar a experiência acumulada com 9 pacientes portadores de laringocele e cisto sacular primário (não associado a outras patologias da laringe, especialmente tumores), atendidos no período de 1973 a 1994, procurando discutir a patogenia, o diagnóstico e o tratamento dessas afecções.
PATOGENIAÉ muito interessante assinalar que a primeira referência a laringocele encontrada na literatura é a de LARREY1, em 1829, cirurgião-chefe do exército de Napoleão que, no relatório militar englobando o período de 1782-1829, assinalou que, quando em campanha no Egito, observou tumores que continham ar no pescoço de pessoas cegas, empregadas por autoridades religiosas para recitar os versos do Alcorão no alto das torres da mesquita. Estes tumores se desenvolviam, principalmente, naqueles que anunciavam, gritando, a hora das preces durante anos (de hora em hora, dia e noite). A fim de continuarem a ter voz para recitar os versos, eles eram obrigados a enfaixar o pescoço com ataduras. Quando o abaulamento do pescoço tornava-se tão grande quanto um punho, essas pessoas eram afastadas ou transferidas para cuidar do poço do templo. LARREY observou também estes tumores aéreos nos instrutores do exército, geralmente sargentos que exercitavam os recrutas, e mencionou 2 casos em seu artigo.
VIRCHOW2, em 1867, introduziu o termo laringocele. Este autor, durante autópsia, encontrou uma "dilatação do ventrículo de Morgagni", até aquela data desconhecida, a qual chamou de "Laringocele ventricular". Descreveu a laringocele como um saco alongado com paredes finas, que emerge da porção superior do ventrículo por um orifício estreitado, e por vezes alcança a borda superior da cartilagem tireóide, ou mesmo o osso hióide. Assinalou que a laringocele era preenchida por ar, e as suas paredes revestidas por epitélio ciliado.
A patogênese da laringocele permanece controversa. É clássico considerar a participação de dois fatores, concomitantes ou não, na formação da Laringocele: fator congênito e fator adquirido.
O grau de participação de cada um destes fatores deve ser avaliado individualmente. Nos recém-nascidos, o fator congênito deve ser considerado como a única causa do Laringocele. Nos adultos, uma anomalia ou variação anatômica do sáculo - sáculo de grandes proporções, hipotonia do plano muscular que circunda o sáculo, flacidez do tecido conjuntivo peri-ventricular - (fatores predisponentes), deve ser considerada ao lado de fatores adquiridos, como o aumento da pressão endolaríngea e o mecanismo valvular de retenção de ar (fatores desencadeantes).
O sáculo é relativamente grande durante a vida fetal e no nascimento; continua assim nos primeiros anos, mas regride com o decorrer do tempo, persistindo na vida adulta sob a forma de leve protuberância. Entretanto, cerca de 2 a 3% não apresentam esta atrofia (JENSEN e SAMUELSEN3), e 1 a 2% das laringes normais não têm sáculo (De SANTO4). As dimensões do sáculo são bastante variáveis, principalmente à custa de variação no comprimento. O sáculo tem, geralmente, 10 mm de comprimento, 5 a 8 mm de largura, e 1/2 a 1 mm de diâmetro no orifício que o comunica com o ventrículo. A porcentagem de Báculos normais de grandes proporções, que ultrapassam a borda superior da cartilagem tireóide, é variável de autor para autor: BROYLES5, 6%; FREDRICKSON e WARD6, 25% (estudaram 22 peças de laringe de fetos e recém-nascidos); IVERSEN7, 8%; NEUMANN e WILLIAM8, 6%; e SCOTT9, 7,6%.
O sáculo, melhor demonstrado em macacos, representaria vestígio atávico. O atavismo é sempre mencionado na discussão da etiologia da laringocele - a relação com sacos aéreos laterais de algumas espécies de macacos é a base da teoria atávica.
Na persistência do sáculo, que é a cavidade preexistente, os fatores de hiperpressão intralaríngea ventricular e o mecanismo valvular de retenção de ar passam a ter grande responsabilidade no desenvolvimento da Laringocele. O aumento da pressão intralaríngea ventricular pode ocorrer por motivos profissionais, por "hobby" ou por patologia laringotraqueobrônquica que provoca tosse crônica. O aumento depressão intralaríngea ocorre, fundamentalmente, na manobra de Valsalva, que compreende expiração forçada, com o diafragma fixo, contra a laringe fechada (pregas vestibulares em adução). As pregas vestibulares contém o músculo de Simanowsky, localizado antero-posteriormente, e que ao contrair-se acarreta alargamento crânio-caudal c encurtamento ântero-posterior do ventrículo.
O fechamento das pregas vestibulares prende o ar inferiormente e torna possível aumento de pressão, não só subglótico, como também ventricular. No esforço físico, o fechamento das pregas vestibulares parece ser mais fume do que o das pregas vocais. As pregas vestibulares têm capacidade para se manterem em adução e, com isto, prolongar o aumento, de pressão exercida ao nível ventricular.
Deve-se salientar que o aumento de pressão intralaríngea ventricular, pode ser também determinado por atividades físicas que compreendem manobra de Valsalva modificada: a pressão intratorácica, aumentada durante a expiração, é forçada contra os lábios e istmo nasofaríngeo fechados, como ocorre com os músicos que tocam instrumentos de sopro e vidreiros.
O mecanismo valvular funciona como válvula de retenção: permite ao ar, sob pressão, entrar no sáculo, mas bloqueia a passagem no sentido inverso, não permitindo sua saída. Este mecanismo pode instalar-se na presença de processos inflamatórios ou de tumores da laringe capazes de determinar compressão do orifício do sáculo.
O mecanismo valvular de retenção pode ser comprovado de maneira nítida pelo estudo radiológico, particularmente na planigrafia, onde se pode notar que o ar entra no sáculo dilatado, permanece ali contido por determinado tempo, demorando para sair do mesmo.
A primeira referência da coexistência de Laringocele e câncer da laringe data do início do século. Desde então, grande número de trabalhos (a maioria deles da Europa, principalmente Itália e França, e em menor número da América do Norte) tem se dedicado especificamente a esta associação.
A concomitância de Laringocele ou de cisto sacular e tumores da laringe é fato bem documentado, mas a porcentagem e o mecanismo desta relação ainda precisam ser melhor definidos. Em muitos casos, a Laringocele ocorre, provavelmente, devido ao tumor, e o mecanismo envolve, possivelmente, obstrução mecânica tipo válvula de retenção do orifício sacular pelo tumor, com subsequente dilatação sacular.
O estudo de peças de laringectomia total tem mostrado que a presença de sáculo de grandes dimensões e de Laringocele é significativamente maior nas peças ressecadas de pacientes portadores de tumores da laringe, do que nas peças removidas de pacientes que apresentavam tumores de regiões vizinhas (hipofaringe, glândula tireóide), que não mostram invasão tumoral significante da laringe/ BIRT10, MICHEAU e COL11.
A Laringocele é classificada, classicamente, em interna, externa e mista (combinada); mas LEBORGNE12, em 1939, em sua discussão sobre a classificação das laringoceles, já chamava a atenção que a diferenciação entre Laringocele interna, externa e mista não é correta. Isto porque a interna é uma entidade clínica, mas a externa ou a mista é, na realidade, a interna que se exterioriza: começa sempre como interna e depois, aumentando, ultrapassa os limites da laringe exteriorizando-se através da membrana tíreo-hióidea. Deste modo, toda Laringocele externa tem, se não um saco, no mínimo um trajeto endolaríngeo.
A nosso ver, a melhor classificação da Laringocele é a de Laringocele interna e Laringocele exteriorizada. A Laringocele interna permanece confinada ao interior da laringe, contida na espessura da prega vestibular ou da prega ariepiglótica. A laringoscopia mostra abaulamento arredondado, de superfície lisa, que interessa a prega vestibular ou ariepiglótica, recoberto por mucosa normal que pode aumentar de volume durante afonação ou tosse. A Laringocele exteriorizada o faz através da membrana tíreo-hióidea, a partir do orifício por onde passa o ramo interno do nervo laríngico superior e os vasos laríngicos superiores, localizando-se lateralmente no pescoço. Ao exame físico, nota-se, na inspeção e palpação do pescoço, massa arredondada, de superfície lisa e consistência elástica, indolor, que aumenta de volume à fonação ou durante a manobra de Valsalva, e que diminui de volume à compressão (no curso do esvaziamento do saco aéreo, pode-se ouvir o sinal de BRYCE, que é o som ou sopro audível semelhante ao gorgolejo, provocado pelo ar no interior da laringe e hipofaringe). A Laringocele exteriorizada pode apresentar saco externo (lateral à membrana tíreo-hióidea), mas sem saco interno (medial a esta membrana) clinicamente evidente (representaria a Laringocele externa na classificação clássica), e pode apresentar saco externo e interno, portanto com componente tanto lateral quanto medial à membrana tíreo-hióidea (representaria a Laringocele mista ou combinada). A laringoscopia pode mostrar aumento do saco interno quando se comprime o saco externo.
Menos controvérsias envolvem a definição do cisto sacular. Este desenvolve-se quando o orifício do sáculo está obstruído (com consequente retenção de muco), é nitidamente submucoso e recoberto por mucosa normal. É classificado em lateral e anterior.
O cisto sacular lateral estende-se desde a sua origem, em direção póstero-superior, abaulando a prega vestibular ou ariepiglótica. O cisto sacular anterior estende-se em direção medial e posterior desde a sua origem e emerge no lume laríngeo entre as pregas vocal e vestibular. As dimensões do sáculo determinam o tipo de cisto sacular: cistos saculares anteriores formam-se a partir de séculos pequenos e os laterais originam-se de Báculos grandes.
Os cistos saculares podem ser congênitos ou adquiridos.
No congênito, o cisto sacular está presente no nascimento e pode ter sido formado como resultado da atresia do orifício sacular, anomalia congênita mais comumente encontrada. Os cistos saculares adquiridos podem ocorrer devido à obstrução do orifício sacular por trauma, processos inflamatórios e tumores.
Figura 1. Diagrama dos cortes coronal e sagital, mostrando a anatomia e a patologia do Báculo laríngeo. (A) o corte coronal secciona a laringe, ao nível do Báculo (S- sáculo; V- ventrículo; PV- prega vocal; PVe- prega vestibular; T- cartilagem tireóide; C- cartilagem cricóide; MTH- membrana tíreo-hióide; H- osso hióide; (B) cisto sacular anterior; (C) c1- cisto sacular lateral; c2- laringocele interno; c3- laringocele exteriorizada (mista): apresentam a mesma imagem na laríngoscopia/ abaulamento arredondado, de superfície lisa, recoberto por mucosa normal, localizado na prega vestibular ou ariepiglótica.
MATERIAL E MÉTODOO presente estudo é baseado em 9 pacientes portadores de laringocele e de cisto sacular primário, tratados entre 1973 e 1994. Destes, cinco (55,55%) eram portadores de laringocele, e quatro (44,44%) apresentavam cisto sacular. Dos cinco pacientes com laringocele, três eram exteriorizados (mistos) unilaterais, e dois internos bilaterais. Dos quatro cistos saculares, três eram laterais e um anterior, todos unilaterais.
Um (11,11%) paciente tinha sido submetido, 16 anos antes, a tratamento (ressecção endoscópica) sem resultado. Dois (22,22%) eram portadores de traqueostomia. Cinco (55,55%) pacientes eram do sexo feminino, e quatro (44,44%) do sexo masculino. Todos os pacientes eram adultos e a idade variou entre 18 e 69 anos.
O diagnóstico foi feito através dos dados da anamnese, da laringoscopia, do exame físico, ou seja, inspeção e palpação do pescoço e do estudo radiológico (radiografia sagital simples do pescoço com penetração para partes moles, tomografia frontal e, nos últimos anos, tomografia computadorizada).
Todos os pacientes receberam tratamento cirúrgico por via externa, abordando a lesão através da membrana tíreo-hióidea, com o propósito da completa exérese submucosa do saco aéreo ou mucoso (procurando não romper suas paredes), com trauma intralaríngeo mínimo.
Figura 2. Caso 1. Fotografa de cisto sacular lateral, obtida através de laringoscopia direta.
Após monitorização do paciente, a cirurgia foi realizada sob anestesia geral em sete (77,77%) pacientes, e sob sedação intravenosa e anestesia local em dois (22,22%).O paciente foi colocado em decúbito dorsal, com coxim transverso sob os ombros, a cabeça apoiada na posição de extensão e rodada para o lado oposto a ser operado. Com azul de metileno ou caneta apropriada para marcação de pele, foi feita a demarcação da incisão horizontal, ligeiramente côncava no sentido cranial, traçada ao nível da membrana tíreo-hióidea, indo da borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, até a linha mediana do pescoço. A incisão interessou pele, tecido celular subcutâneo e músculo platisma.
Após o levantamento dos retalhos superior e inferior sob o músculo platisma, procedeu-se à secção e reparo dos músculos tíreo-hióideo e omo-hióideo ao longo da borda inferior do osso hióide, que foram levantados e rebatidos inferiormente até expor a metade superior da lâmina da cartilagem tireóide. Em conformidade com a necessidade de cada caso em particular, seccionou-se ou não, o músculo esterno-hióideo junto à borda inferior do osso hióide, e a parte tircofaríngica do músculo constritor inferior ao longo da borda posterior da cartilagem tireóide. Isto feito, seccionou-se, no sentido horizontal, a membrana tíreo-hióidea a partir do saco, aéreo ou mucoso, na laringocele e no cisto sacular lateral exteriorizado. Na laringocele interna e no cisto sacular anterior, a membrana tíreo-hióidea foi seccionada ao longo da borda superior da cartilagem tireóide. A secção desta membrana foi realizada com os cuidados necessários para evitar lesão do ramo interno do nervo laríngico superior, e dos vasos laríngicos superiores.
Em prosseguimento, realizou-se o descolamento do saco (por dissecção romba), contornando-o até atingir a borda superior da cartilagem tireóide. A seguir, o pericôndrio externo foi seccionado ao longo desta borda e descolado da metade superior da lâmina. Ressecou-se um fragmento, em formato triangular, da parte lateral da lâmina, com a base na borda superior e com o ângulo oposto à base ao nível da prega vocal.
Figura 3.1. Fotografias da cirurgia de laringocele exteriorizada unilateral esquerda (caso 2). A) saco aéreo lateral à membrana tíreo-hióidea, visível logo após a secção dos músculos infra-hióideos; B) descolamento do saco aéreo até atingir a borda superior da cartilagem tireóide.
Figura 3.2. Fotografias da cirurgia de laringocele exteriorizada unilateral esquerda (caso 2). C) descolamento do saco aéreo no espaço paraglótico (a flecha indica a exérese de fragmento triangular da cartilagem tireóide)/ c-colo do laringocele; II) secção do colo da laringocele-ventrículo aberto.
Nos casos de laringocele e cisto sacular lateral exteriorizados, completou-se o descolamento do saco no espaço paraglótico até a comunicação com o ventrículo.
Nos casos de laringocele interna e cisto sacular anterior, o descolamento do saco iniciou-se no espaço paraglótico, após a ressecção do fragmento triangular da cartilagem tireóide.
Nos casos de laringocele, seccionou-se o colo da mesma, e suturou-se a mucosa do ventrículo em pontos separados e internos (com os nós voltados para a cavidade laríngea), com fio monofilamentar preto ou monocryl 5-0.
Nos casos de cisto sacular, completou-se a dissecção do saco evitando-se, ao máximo, abrir o ventrículo.
A seguir, procedeu-se à sutura dos músculos pré-laríngeos infra-hióideos ao osso hióide e ao fechamento das partes moles do pescoço, por meio de sutura em pontos separados, plano por plano, usando-se fio monofilamentar incolor 3-0 ou monocryl 3-0. Colocado dreno de Penrose fino, ou sistema de drenagem fechada com aspiração contínua, realizou-se sutura cutânea em pontos separados, ou sutura intradérmica com fio monofilamentar preto 5-0. Terminada a sutura, foi feito curativo compressivo com atadura de crepe.
Em dois (22,22%) pacientes (casos 1 e 6), realizou-se traqueostomia após o término da cirurgia, antes de desintubálos. A cânula traqueal foi retirada no 3° e 20° dia, respectivamente, do pós-operatório.
Nos dois pacientes (casos 4 e 5) com traqueostomia prévia, a cânula traqueal foi removida em um no 10° dia e. no outro, no 30° dia de pós-operatório.
Os objetivos da cirurgia foram conseguidos em todos os pacientes.
Não houve recidiva da laringocele ou cisto sacular com o decorrer do tempo. O paciente acompanhado por menor tempo foi operado há 2 anos. A prega vocal do lado operado mostrou motilidade diminuída nos primeiros dias de pós-operatório, mas voltou ao normal com o decorrer do tempo. Dois (22,22%) pacientes (casos 8 e 9) realizaram terapia vocal para recuperar, mais rapidamente, boa qualidade de voz.
Os dados relativos à identificação, patologia, provável etiologia, tratamento anterior, cirurgia, resultados e evolução, estão reunidos na Tabela 1.
Figura 4. caso 6 (laringocele interna bilateral). Radiograma e diagrama frontal da laringe: a fonação com a aproximação das pregas vestibulares provocava insuflação das laringoceles internas bilaterais (PV-prega vocal; Pve-prega vestibular; LI-laringocele interna).
DISCUSSÃOA distinção entre um Báculo normal de grandes proporções e laringocele não é, infelizmente, muito fácil de ser estabelecida e discutida. A nosso ver, sáculo normal é aquele que não ultrapassa a borda superior da cartilagem tireóide, limite de normalidade arbitrariamente definido por VIRCHOW2. De SANTO4 propõe que o termo laringocele deva ser utilizado somente quando um sáculo de grandes dimensões se torna sintomático e palpável.
Uma diversidade de lesões benignas correlacionadas entre si pode originar-se do sáculo e a lesão estabelecida num dado momento depende das dimensões do sáculo, do orifício sacular estar ou não permeável, e da presença ou não de processo inflamatório. Deste modo, o sáculo de pequenas dimensões com orifício sacular não permeável determina cisto sacular anterior; sáculo de grandes proporções origina cisto sacular lateral, que pode estender-se através da membrana tíreo-hióidea e aparecer como massa não compressível no pescoço. O sáculo pequeno com orifício permeável provoca laringocele interna, e o largo laringocele exteriorizada (externa ou mista), que pode propagar-se para o pescoço, onde se apresenta como massa compressível. A infecção do sáculo normal de grandes proporções ou de qualquer de suas dilatações anormais acarreta a laringopiocele, que contém secreção purulenta.
Uma lesão pode transformar-se de um tipo para outro, dependendo da alteração da permeabilidade do orifício sacular. Assim, uma laringocele pode transformar-se em cisto sacular se o orifício sacular obstruir-se; um cisto sacular pode transformar-se em laringocele se o orifício sacular permeabilizar-se. Contudo, acreditamos que a transformação de uma laringocele em cisto sacular é mais fácil de ocorrer do que o inverso, porque todos os 4 casos de cisto sacular apresentavam tecido fibroso na região do orifício, e foi possível remover o saco sem abrir a mucosa da laringe.
Figura 5. peça cirúrgica. A) cisto sacular - saco com conteúdo mucoso (caso 1) B) laringocele - saco aéreo de paredes delgadas (caso 2)
A diferenciação entre laringocele c cisto sacular não é adotada pela maioria dos autores, baseada rio fato do tratamento ser o mesmo para estas duas afecções. Acreditamos que esta diferenciação é importante e necessária para determinar a prevalência de cada uma delas.
Os sintomas de uma laringocele ou cisto sacular dependem de suas dimensões, e podem ser intermitentes ou mesmo modificarem-se em determinadas ocasiões, dadas as variações de tamanho c a transformação de uma lesão em outra.
A laringocele e o cisto sacular congênito podem causar, em recém-nascidos, estridor e dificuldade respiratória, podendo representar verdadeiras urgências. Rouquidão, voz fraca e dificuldade respiratória são os sintomas mais frequentes. Massa no pescoço, com ou sem sintomas laríngicos, pode ser a única queixa do paciente. Se esta massa, compressível ou não, está localizada ao nível da membrana tíreo-hióidea, ou justa-lateralmente à cartilagem tireóide, a possibilidade de laringocele ou cisto sacular deve ser considerada.
A nosso ver, o diagnóstico de laringocele deve ser fortemente suspeitado quando as principais manifestações clínicas envolvem a rouquidão como sintoma predominante, a laringoscopia mostra abaulamento liso e redondo, recoberto por mucosa normal, localizado na prega vestibular ou ariepiglótica, a inspeção e palpação do pescoço evidencia a presença, na parte lateral do mesmo, de tumoração compressível, que aumenta de volume durante a fonação e à manobra de Valsalva, o estudo radiológico revela saco cheio de ar que se comunica com o ventrículo e ultrapassa a borda superior da cartilagem tireóíde, ocupando o espaço paraglótico e estendendo-se para o pescoço através da membrana tíreo-hióidea. Se a tumoração no pescoço não é compressível e o estudo radiológico mostra saco preenchido por material com densidade de partes moles, sem comunicação com o ventrículo, o diagnóstico é de cisto sacular. Muito embora não objeto de atenção neste estudo, a laringocele e o cisto sacular podem ser encontrados durante cirurgia de tumor maligno da laringe, ou durante autópsia.
É muito difícil, ou mesmo impossível, distinguir a laringocele que está temporariamente preenchida por secreção mucosa, e cisto sacular, porque a imagem de ambos é de massa lisa, macia, cheia de líquido, que distende a prega ariepiglótica ou vestibular. Os abaulamentos do sáculo preenchidos com muco, que aumentam ou diminuem de tamanho durante a tosse ou a fonação, devem ser considerados como laringoceles porque implicam em orifício sacular permeável.
A tomografia computadorizada é particularmente útil porque, além de permitir boa visão do sáculo dilatado e da natureza de seu conteúdo, mostra a relação com o ventrículo (elemento fundamental para o diagnóstico de laringocele), e com a membrana tíreo-hióidea, permitindo o diagnóstico diferencial com cisto látero-cervical.
O cisto sacular deve ser diferenciado do cisto ductal e do oncocitoma.
O cisto ductal (cisto de retenção; cisto mucoso), é muito mais frequente do que o cisto sacular; pode ser encontrado em qualquer das regiões da laringe, e é determinado pela retenção de muco nos duetos coletores das glândulas submucosas. Estes cistos ductais são revestidos com células do tipo ductal (epitélio escamoso estratificado), têm frequentemente diâmetro menor do que 1 cm, e são superficiais.
Contudo, como os cistos ductais se formam a partir dos duetos das glândulas mucosas que povoam o sáculo, não é improvável que estes cistos possam aumentar de tamanho, e confundir-se com cisto sacular anterior.
O oncocitoma (cisto oncocítico; cistos de células granulares oxifílicas; adenoma oxifílico; cistoadenoma da laringe) representa metaplasia das glândulas mucosas ocorrendo, geralmente, em pacientes idosos. É frequentemente comparado ao tumor de Warthin, que compromete as glândulas salivares, diferenciando-se por não apresentar componente linfóide. Manifesta-se como massa lisa, nitidamente submucosa, recoberta por mucosa normal, que à laringoscopia mostra imagem polipiforme (na côr rosa pálido), saindo do ventrículo em direção à prega vocal.
A ocorrência de laringocele ou cisto sacular em adultos implica em exame detalhado da laringe, pela possibilidade da existência concomitante de tumor. A laringocele ou cisto sacular, descobertos durante o estudo radiológico de tumor maligno da laringe, pode indicar invasão do ventrículo e, deste modo, a laringocele ou cisto sacular seria dado de importância na determinação da localização e extensão do tumor. Outro ponto a considerar é a diferenciação entre lesão, que na laringoscopia parece ser cisto sacular lateral, e tumor maligno que se origina no Báculo, e está confinado ao espaço paraglótico. Este tipo de tumor tem, no início, a aparência de massa arredondada, lisa, recoberta por mucosa íntegra, que abaula as pregas vestibular e ariepiglótica, com aparência típica de cisto sacular lateral. Este tumor pode atingir dimensões maiores, antes de ulcerar o ventrículo ou a prega vestibular. A tomografia computadorizada é muito útil neste caso, mas por vezes tornam-se necessárias biópsias profundas da área suspeita do ventrículo e do Báculo.
O estudo de fatores julgados importantes na gênese da laringocele ou cisto sacular permite reconhecer que eles podem ser puramente congênitos (verificados principalmente em recém-nascidos). Ao lado da forte evidência na relação entre sáculo normal de grandes proporções, fatores adquiridos apropriados e laringocele ou cisto sacular, devem existir, certamente, muitos casos de Báculos de dimensões normais que aumentaram de tamanho para formar uma dessas duas patologias, após muitos anos de aumento prolongado na pressão intralaríngea, ou de um mecanismo valvular de retenção.
A aparente correlação entre laringocele e cisto sacular em pessoas cuja ocupação ou "hobby" envolve períodos longos de pressão endolaríngea aumentada, pôde ser aventada em um de nossos pacientes (caso 1). Ele tocava instrumento de sopro antes de servir o exército, e durante este período foi o corneteiro do batalhão.
Dois pacientes (casos 3 e 4) eram grandes fumantes e apresentavam tosse crônica decorrente de bronquite tabágica. A tosse é uma manobra de Valsalva modificada, de curta duração, que se inicia com uma respiração profunda, seguida pelo fechamento glótico, relaxamento do diafragma, e contração dos músculos expiratórios. A pressão positiva intratorácica é subitamente liberada quando as pregas vocais se abrem. Os intensos ataques de tosse, com aumento da pressão intralaríngea, durante anos, provavelmente contribuíram para acarretar dilatação do sáculo.
Um paciente (caso 6) apresentou sinéquia glótica posterior (fixação, por tecido fibroso, das cartilagens aritenóides na posição mediana) decorrente de intubação laringotraqueal prolongada. Após a cirurgia de Rethi modificada, com a abertura da fenda glótica, a fonação passou a ser realizada com as pregas vestibulares (a inervação motora da laringe estava íntegra), o que certamente contribuiu para o aparecimento da laringocele interna bilateral.
Em uma paciente (caso 8), o fator congênito provavelmente deve ser considerado como único responsável pelo cisto sacular porque foi operada aos 3 anos de idade, via endoscópica, de "cisto" da laringe. Esta paciente tornou-se professora, e a disfonia que ela apresentava foi sempre atribuída a esta cirurgia. Quando nos procurou, aos 22 anos de idade, a laringoscopia direta com nasolaringoscópio óptico flexível, mostrou abaulamento da prega vestibular direita com suspeita de cisto da laringe.
O mecanismo de compensar o deficiente fechamento glótico, com medialização das pregas vestibulares durante a fonação, também ocorreu em outro paciente (caso 9) com estenose cicatricial da laringe corrigida cirurgicamente em 1978.
TABELA 1 - DADOS RELATIVOS Á IDENTIFICAÇÃO, PATOLOGIA, PROVÁVEL ETIOLOGIA, TRATAMENTO ANTERIOR, CIRURGIA, RESULTADOS E EVOLUÇÃO.A prega vocal direita foi reconstruída à custa de retalho músculo-cutâneo do pescoço (perda de substância e arrancamento da cartilagem aritenóide direita).
Em três pacientes (casos 2, 5 e 7), não encontramos prováveis fatores que pudessem levar à dilatação do Báculo, e nem eles desenvolveram, com o passar do tempo, patologia (em especial, tumor) que pudesse ter passado desapercebida quando da cirurgia.
O tratamento da laringocele ou do cisto sacular deve ser o mais radical possível, com a finalidade de reduzir ao mínimo o risco de recidiva.
Para a laringocele interna ou cisto sacular anterior de pequenas dimensões, tem sido preconizada a remoção por via endoscópica, com técnica de microcirurgia convencional (HOLINGER E COL13), ou com o uso de Raio Laser (KOMISAR14; PIQUET E COL14). Na infância, tem sido proposta a aspiração do cisto sacular como tratamento, associado à remoção de suas paredes junto com a mucosa exuberante, com pinça sacabocados (HOLINGER E COL13).
A nosso ver, o método de escolha para o tratamento da laringocele ou do cisto sacular, independente das suas dimensões e da idade do paciente, é a cirurgia externa abordando o saco através da porção lateral da membrana tíreo-hióidea. A remoção de um fragmento triangular da borda superior da lâmina da cartilagem tireóide facilitam e tornam mais seguras as manobras de descolamento do saco no espaço paraglótico, a secção do colo do laringocele e a sutura do ventrículo.
Um detalhe importante da técnica, e que facilita a dissecção da laringocele ou do cisto sacular, é relativo a conservá-lo intacto, sem lesar suas paredes. Este cuidado evita que a laringocele ou o cisto sacular percam a sua forma e consistência, permitindo maior segurança na remoção de suas paredes.
A aspiração do conteúdo de um cisto sacular volumoso, que causa obstrução respiratória através da laringoscopia direta, é recurso de grande valor, porque permite melhorar a respiração até que o paciente possa ser operado.
O emprego da laringofissura mediana, associada ou não à abordagem lateral (De VICENTIIS E BISERNI16; PALUDETTI E COL17), para remover o saco medial à membrana tíreo-hióidea, não traz vantagens sobre a abordagem pela porção lateral desta membrana, além do inconveniente de seccionar a comissura anterior.
Pela análise dos bons resultados obtidos, parece-nos válido concluir que a técnica cirúrgica empregada atendeu às propostas básicas (ressecção completa da afecção com trauma intralaríngeo mínimo), não implicou em complicações, sequelas ou recidiva e não deve ser considerada muito agressiva para os casos de laringocele e cisto sacular de pequenas dimensões.
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* Assistente Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Consultor Científico da Disciplina de Endoscopia Peroral da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Acadêmica de 6° ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral realizado em Brasília em 1994 (2 a 7 de setembro).
Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral realizado em Brasília em 1994 ( 2 a 7 de setembro).
Artigo recebido em 07 de julho de 1995.
Artigo aceito em 20 de julho de 1995.