ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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2120 - Vol. 61 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 366 a 372
UMA VIA PARA TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÃO AO OUVIDO.
Autor(es):
Ricardo Ferreira Bento*,
Aroldo Miniti**,
Tanit Ganz Sanchez***,
Adolfo Leiner****,
Carlos Augusto Nunes*****.

Palavras-chave: Surdez

Keywords: Hearing-loss

Resumo: O uso da implantes cocleares como auxiliar na disacusia neurossensorial está se tornando procedimento bem estabelecido. A transmissão de um sinal de fala, após processamento digital, pode ser feita por via transcutânea através de rádio frequência (sensível à interferência eletromagnética) ou por via percutânea por conexão com acoplador (maior risco de infecção). Paia superar essas desvantagens, um sistema de transmissão de luz infravermelha foi desenvolvido e testado. O transmissor usado foi um diodo de emissão de luz infravermelha (LED; 9920nm) e o receptor uma célula fotovoltáica. O LED foi colocado dentro do conduto auditivo externo de quatro cães e a célula fotovoltáica, no ouvido médio em cima do promontório. Um sinal modular senoidal foi aplicado ao LED. O sinal emitido foi detectado sena distorção após atravessar a membrana timpânica, com absorbância média de 20%. Os autores concluem que a membrana timpânica pode ser considerada uma interface translúcida para transmitir dados sonoros aos ouvidos médio e interno com pequena perda de potência, boa freqüência de respostas e imunidade à interferência.

Abstract: The use of cochlear implants as an aid to neurosensory deafness is becoming an established procedure. The transmission of a processed speech signal is accomplished either transcutaneously via radiofrequency (sensitive to eletomagnetic interference) or percutaneously by connector coupling (major risk of infection). To oveacome these disadvantages, an infrared (IR) system for transmission through the tympanic membrane was devised and tested. The transmitter/ receiver consisted ofan IR light emitting diode (LED; 920nm) and a photovoltaic cell. The LED was placed inside the auditory canal of four dogs and the photovoltaic cell in the tympanic cavity over the cochlear promontory. A sinusoidal signal modulation was applied to the LED. The emitted signal was detected undistorted after crossing the tympanic membrane, with an average absorbance of 20%. The authors conclude that the tympanic membrane may be used as a translucent sealed interface to transmit data in the audio range to the middle and inner ears, with small power loss, good frequency response, and immunity lo interference.

INTRODUÇÃO

A disacusia neurossensorial profunda e severa tem grande importância social, privando vasto número de pessoas da integração psicossocial normal com a sociedade (HOUSE, 1985).

Em muitos casos, essa disacusia provém de condições patológicas do ouvido médio, que podem ser reparadas com tratamento clínico, cirúrgico, ou o uso de próteses auditivas (FRASER, 1985 e SIMMONS, 1985). Quando a disacusia provém de alterações no ouvido interno, a amplificação sonora só terá efeito se houver número adequado de células do órgão sensorial auditivo com função preservada. Em muitos casos, a surdez ainda ocorre por acometimento das fibras do nervo auditivo, responsáveis pela transmissão dos sinais da cóclea ao cérebro.

Com a intenção de superar essa deficiência neurossensorial, foi criado o implante coclear, o qual tem sido usado rotineiramente em vários países. Basicamente, esse implante transforma a onda sonora em sinais elétricos que estimulam a cóclea através de eletrodos. A partir daí, a informação segue naturalmente sua via pelo nervo auditivo até chegar ao cérebro (SHANNONN, 1989). O aparelho consiste de microfone que alimenta processador da fala, no qual é realizada análise espectral das ondas. As bandas escolhidas, já na forma de sinais elétricos, devem ser conduzidas ao eletrodo coclear, sendo que a passagem do processador da fala até. o eletrodo precisa atravessar a pele e a tecidos adjacentes.

Atualmente, a transmissão pode ser feita de modo transcutâneo (CLARK, 1987) ou percutâneo (FRANCHET, 1989). O primeiro pode ser realizado pela modulação do sinal em ondas de rádio-freqüência (RF) que atravessam a pele e os tecidos, alcançando um receptor implantado no subcutâneo. Esse receptor detecta e extrai o sinal, usando a energia de rádio-frequência para acionar os circuitos implantados. Essa via tem o incoveniente de ser susceptível à interferência gerada por campos eletromagnéticos de grande potência. A via percutânea, geralmente, usa um "plug" ancorado ao crânio do paciente, atravessando pele e subcutâneo para alcançar o lado externo e ser ligado ao conector do processador da fala. Entretanto, essa solução de continuidade tem o inconveniente de poder provocar infecções.

O presente estudo apresenta e avalia a possibilidade de conduzir informação e energia ao ouvido médio e interno por meio de transmissão de energia luminosa (na faixa de infravermelho), através da membrana timpânica. Esta via realiza a mesma tarefa sem sofrer interferência de fontes de rádio-freqüência, nem promover aumento da probabilidade de infecção.



Figura 1. Disposição dos componentes dentro do sistema auditivo.



Figura 2. Voltagem de saída da célula fotovoltáica em função da corrente de entrada do LED.



MATERIAL E MÉTODOS

Para este experimento, foi usado um diodo de emissão de luz (light emitting diode, LED) TIL 32; Texas Instruments Dallas, TX, com pico de emissão no comprimento de onda de 920 rim, como fonte de luz infravermelha. O detector é uma célula fotovoltáica especialmente feita de silício (Helio-dinâmica S. A., São Paulo), medindo 5x5 mm2, com pico de sensibilidade entre 8850 e 1000 rim. Posteriormente, a célula foi encapsulada com três camadas de borracha de silicone grau médico.

Os experimentos foram realizados em 4 cachorros com peso maior do que 15 Kg. Os animais foram anestesiados com tionembutal, intubados e permaneceram com ventilação assistida. Foi realizada tricotomia retroauricular direita e incisão de 8 cm de extensão, interessando a pele e subcutâneo, logo atrás cio sulco retroauricular. Após deslocamento da musculatura retroauricular, expôs-se o periósteo do osso temporal, o qual foi incisado anteriormente junto a transpiração ósteo-cartilaginosa do conduto auditivo externo.



Figura 3. Resistência interna da célula fotovoltáica em função da corrente de entrada do LED.



Figura 4. Máxima força de saída da célula fotovoltáica em função da corrente de entrada do LED.



Assim que a porção óssea do conduto e a cortical do osso temporal foram expostos, iniciou-se a mastoidectomia com microbrocas de alta velocidade. A cavidade do ouvido médio foi exposta por timpanotomia posterior.

A fotocélula foi introduzida no ouvido médio pela timpanotomia posterior e colocada bastante próxima à membrana timpânica, enquanto o LED foi colocado no conduto auditivo externo, também bem próximo ao tímpano. A distância entre a fotocélula e o LED foi aproximadamente 2 mm, intercalado apenas pela membrana timpânica (Figura 1).

O objetivo do experimento foi determinar as características da transmissão, freqüência de respostas e poder de capacitação do sistema.

Todos os experimentos foram realizados de acordo com as orientações NIH para uso de animais de laboratório.

Características de Transmissão

Para determinar as características de entrada e saída do sistema e a absorção de luz pela membrana timpânica, foi medida a voltagem de saída da célula fotovoltáica contra impedância de carga infinita para várias correntes de entrada do LED. Este procedimento foi realizado antes e após a remoção da membrana timpânica; deixando-se a célula e o LED na mestria posição. Para essas medidas foram utilizadas fonte de corrente, amperímetro padrão e voltímetro digital.

Resistência Interna

A resistência interna da célula foi obtida através da conecção de potenciômetro de precisão à saída da célula, mantendo-se corrente de entrada fixa no LEI). Utilizou-se o potenciômetro como carga de saída de fotocélula, variando-o da máxima impedância até valor no qual a voltagem cai para a metade da alcançado com a saída em aberto.

Freqüência de Respostas

A freqüência de resposta da célula fotovoltáica foi obtida por limiar de corrente contínua no LED, adicionando-se corrente senoidal gerada por oscilador padrão e aumentando-se sua freqüência a partir de 20HZ. Foi também medida a corrente de saída da célula até as freqüências de corte superior. Este procedimento foi realizado para vários valores de carga.

RESULTADOS

As características típicas de entrada e saída estão na Figura 2. Houve alguma variabilidade nessas características de um animal para outro. Entretanto, a forma da curva e padrões de magnitude foram mantidos.

A média de absorbância do tímpano, como já descrito acima, foi de aproximadamente 20%. A resistência interna em função da corrente de entrada está mostrada na Figura 3.

A Figura 4 mostra a máxima transferência de potência em função da corrente de entrada e a Figura 5, a resposta de freqüência do sistema para várias resistências de carga na saída de fotocélula.

DISCUSSÃO

Esse estudo representa o primeiro esforço para comprovar a possibilidade de transmitir informação por energia luminosa através da membrana timpânica para o ouvido médio e interno.



Figura 5. Frequência de respostas do sistema para várias resistências de saída da célula fotovoltáica.



Figura 6. Saída do processador da fala para um sons de 2000 Hz (acima) e sinal captado na saída da célula fotovoltáica (abaixo).



Os resultados obtidos mostram que esse acesso é possível. A absorbância timpânica é de magnitude tal que não impede a transmissão. A freqüência de resposta é claramente adequada para transmitir, sem distorção crítica, sinais analógicos ou digitais encontrados atualmente nos implantes cocleares. Ajustes na impedância podem ser necessários, dependendo das circunstâncias. A Figura 6 mostra as ondas de entrada e saída para freqüência de entrada de 2000 Hz, processada por codificação de pulsos.

A estimulação coclear direta da célula fotovoltáica não parece viável com os componentes testados, a impedância dos tecidos e potência requerida, para alimentar sistema implantado, muito embora seja adequada para transmissão do sinal de estimulação. A questão de potência para alimentar o circuito implantado pode ser conseguida através da transmissão por rádio-freqüência e a interferência não seria inconveniente sério, desde que nenhuma informação é adicionanada à onda. Ainda, unia bateria de lírio implantável poderia alimentar o receptor devido à mínima potência envolvida.

CONCLUSÃO

Os experimentos evidenciaram pontos a favor da viabilidade do sistema de transmitir informação, por energia luminosa, aos ouvidos médio e interno através da membrana timpânica, pela sua característica de translucidez.

AGRADECIMENTOS

Helena T. Oyama, Chem. E., Priscila Bogar e Roberta Ribeiro de Almeida pela ajuda e Heliodinâmica S. A. pela manufatura da célula fotovoltáica com tamanho especial para permitir o experimento.

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICAS

1. HOUSE, W. F. - A Personal Perspective on Cochlear Implants. In: Cochlear Implants, New York, Raven Press, 1985, 13-16.
2. FRASER, J. G. - Selection of Patients for Implants. In Cochlear Implants, New York, Raven Press, 1985, 379-381.
3. SIMMONS, F. B.; LUSTED, H. S. and MYERS, T. - Selection Criteria for Implants Candidates. In: Cochlear Implants, New York, Raven Press, 1985, 383-385.
4. SHANNONN, R. V. - A Model of Temporal Integration and Forward Masking for Electrical Simulation of the Auditory Nerve. In: Cochlear Implants: Models of the Electrical Stimulated Ear, New York, Springer-Verlag, 1989, 187-200.
5. FRANCHET, B.; VERSCHIJUR, H. P.; VORMES, E. and TISON, P. - Extra-Cochlear Single-Channel Implant with Oval Window Cupule-Electrode and Percutaneous Earing-Connector. In Cochlear Implants: Acquisitions and Controversies, Paris, Masson, 1989, 123-131.
6. CLARK, E. M.; BLAMEY, P. J. and BROWN, A. M. - The University of Melbourne-Nucleus Multi-Electrode Cochlear Implants In: Advances in Oto-Rhino-Laryngology, Basel, Karger, 1987, 63-65.




* Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Pauto.
** Professor Titular da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médica Assistente e Doutoranda do Curso de Pós-Graduação do Departamento ele Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
**** Médico e Engenheiro Responsável pela Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
***** Engenheiro da Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência: R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar. 255 - 6° andar - sala 6002 - CEP 054133-000.

Apresentado no 97° Congresso Anual da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em Minneapolis, EUA, 1993.
Artigo recebido em 30 de maio de 1995.
Artigo aceito em 15 de junho de 1995.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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