INTRODUÇÃOO tumor de células gigantes é uma neoplasia benigna que ocorre nos ossos longos e raramente aparece nos ossos da face, raríssimo na maxila, originando-se de vestígios cartilaginosos em zonas de ossificação. (DÍAZ DE LEÖN, 1972). Há, na literatura menos de 200 casos relatados de tumores e granulomas de células gigantes nos maxilares, cerca de um terço no superior; WALDRON e SHAFER, (1966) encontraram apenas 13 casos em 22.000 espécimes cirúrgicos buco-faciais de duas universidades americanas. Na literatura nacional há dois casos relatados, juntamente com cinco na mandíbula, por SILVA (1974).
Sua natureza tem sido muito discutida, por ter aspectos histológico e radiológico muito semelhantes em distintas afecções clinicamente bem caracterizadas (SMITH e WARD, 1978), mas deixando uma certa polêmica: trata-se de um tumor verdadeiro (SEELA, 1973; SMALL, 1977; SMITH, 1968) ou oe um granuloma? (JAFFE, 1953; WALDRON e SHAFER, 1966).
Clinicamente manifesta-se por tumefação local progressiva, intra-óssea e invasiva, havendo dor conforme a localização; originando-se no processo aiveolar, pode provocar amolecimento e até mesmo exclusão de dentes contíguos, sem destruí-los (DÍAZ DE LEóN, 1972). Pode invadir cavidades vizinhas, como os seios paranasais, fossa nasal, órbita (SMITH). Os exames de laboratório não acusam alterações sangüíneas, mas contribuem para excluir afecções metabólicas e endócrinas, como o "tumor pardo" do hiperparatireoidismo, assim como outras afecções ósseas (GURALNICK e DONOFF, 1972). Radiologicamente o tumor apresenta-se como lesão osteolítica, com aspecto de bolhas - de - sabão ou de favos-de-mel, geralmente sem condensação cortical (SMITH).
O tumor tem consistência sólida e aspecto hemorrágico ao corte. Apresenta células gigantes, com núcleos mais ou menos numerosos e citoplasma com inclusões de hemosiderina; o estroma ora é mixomatoso e com fibroblastos predominantemente ovóides, ora é colagenoso e com fibroblastos mais fusi formes; com mitoses freqüentes, mas em quantidade não alarmente; com muitos vasos, hemácias e hemosiderina nos interstícios e presença de osso e osteóide em três quartos dos casos (WALDRON e SHAFER).
O tratamento acompanha a controvertida patologia: há os que apenas curetam, como um granuloma (JAFFE) e, por outro lado, os que ressecam radicalmente (GURALNICK e DONOFF; SEELA; SMALL), ou até mesmo irradiam, como um verdadeiro tumor (SMITH e WARD, 1978).
RELATO DO CASOIDENTIFICAÇÃO: E.C.L., 22 anos, sexo feminino, cor branca, brasileira, prendas domésticas, residente em Moji Guaçu (SP).
HISTÓRIA: Admitida aos 28/9/77 com obstrução nasal esquerda permanente há um mês e há 20 dias com dor de início súbito na hemiface esquerda, onde constatou a presença de um tumor duro e doloroso, que cresceu e depois diminuiu de tamanho. Otalgia bilateral. Por mau estado de conservação todos os dentes superiores já tinham sido extraídos e usava prótese completa superior há cerca de um ano.
EXAME FÍSICO: Tumor doloroso à palpação no sulco gêngivo-labial superior esquerdo, ao nível dos incisivos e canino. Maxila esquerda extremamente dolorosa à palpação. Cornetos nasais hipertróficos. Articulação têmporo-mandibular esquerda dolorosa à compressão e com movimentação limitada.
RAIOS X: "Naso - mento-chapa: velamento do seio maxilar esquerdo, com rarefação óssea da sua parede Antero -medial. Fronto-naso-chapa: rarefação óssea e afinamento da parede medial do seio maxilar esquerdo. Oblíquas: .área de c 3eólise no aspecto anterior do processo alveolar da maxila esquerda, com grosseira trabeculação óssea" (Radiologista Dr. J. F. Godinho, Santa Casa de Moji Guaçu). (Fotos 1, 2 e 3).
Figura n.º 1 - Em naso-mento-chapa velamento do antro maxilar esquerdo com rarefação óssea de sua parede Antero medial (sega).
Figura n.º 2 - Em fronto - naso - chapa: rarefação óssea e afinamento da parede medial do antro maxilar esquerdo (seta).
Figura n.º 3 - Em obliquas: área de osteólise no aspecto anterior do processo alveolar da maxila esquerda (setas). Confronto com o lado direito
CIRURGIA: Em 30/9/77, sob anestesia geral e hipotensão controlada; incisão e descolamento superior da mucosa gengival superior esquerda, incluindo periósteo, dos incisivos até os molares, expondo-se a face anterior da maxila, que exibia uma cratera ocupada por tumor oval, sólido, superfície lisa e bem delimitada, que foi retirado inteiro por simples descolamento, deixando expostas várias cavidades invadidas: fossa nasal, células etmoidais e seio esfenoidal esquerdos. Drenagem do antro pela contra-abertura nasal encontrada; sutura. Pós-operatório sem complicações. Paciente assintomática até 12 meses depois.
EXAME ANATOMO - PATOLÓGICO: "Macroscopia - Formação nodular, de consistência firme, de textura óssea na periferia, homogêneo, hiperemiado. Mícroscopia - Nódulo tumoral bastante celular, constituído por elementos fusiformes, de limites imprecisos, núcleos ovóides, de cromatina granular e pequena variação de tamanho, como delicado estroma reticular; grande número de células gigantes de citoplasma acidófilo abundante e núcleos vesiculosos com o mesmo aspecto das células do estroma; numerosos vasos e sufusões hemorrágicas; na periferia, formação de carapaça de trabéculas de osso fibrilar com ativa osteogênese; em alguns pontos, presença de musculatura estriada" (Anatomopatologista Dr. J. R. Menezes Neto, Clínica Santo Antonio, Campinas, SP). (Fotos 4, 5 e 6).
Figura n.º 4 - Tumor de células gigantes da maxila esquerda. Formação nodular, de consistência firme, homogêneo e muito sangüíneo, o que lhe dá uma coloração parda.
Figura n.º 5 - Tumor de células gigantes (aspecto microscópico, aumento menor): numerosas células gigantes (setas) em meio a elementos fusiformes, numerosos vasos e sufusões hemorrágicas.
Figura n.º 6 - Tumor de células gigantes (aspecto microscópico, aumento maior): células gigantes em meio a elementos fusiformes; vasos e hemácias nos intersticios
EXAMES DE SANGUE: Dosagens de fósforo (28 mg/1), cálcio (8,5mg%) e fosfatase alcalina (10 U) dentro da normalidade.
COMENTÁRIOSVem de longa data a controvérsia sobre a natureza das lesões de células gigantes do maciço facial. JAFFE (1953) apresentou uma classificação com base histológica e emitiu conceitos que foram adotados por muito tempo: tais lesões nos maxilares seriam "granulomas reparadores", apenas mimificando os verdadeiros "tumores" que ocorriam nos ossos longos, com algumas diferenças clínicas e histológicas. Muitos casos foram. relacionados com traumatismo local, mas WALDRON e SHAFER (1966) não os consideram "reparadores", embora os classifiquem como granulomas, histologicamente idênticos aos tumores. Com o passar do tempo foram surgindo relatos de casos contrariando os conceitos vigentes (CURTIS et al, 1973), alguns muito bem caracterizados como "tumores": invasivos e recidivantes (GURALNICK e DONOFF, 1972; SMALL, 1977).\Publicações mais recentes tendem a admitir ambas as formas (SMITH e WARD, 1978), tal qual elas se apresentam clínica e histologicamente. BANOVETZ (1973) descreve quatro afecções com células gigan tes na área dos maxilares, entre tumores e granulomas: 1) granuloma de células gigantes, tipo central, intra-ósseo, mais uma ''condição fibro-óssea" do que um tumor; 2) granuloma de células gigantes, tipo periférico, mais inflamatório (épulis); 3) granuloma de células gigantes do hiperparatireoidismo ou "tumor pardo"; 4) tumor de células gigantes, verdadeiro, mais celular, mais recidivante e mais raro.
O presente caso foi caracterizado como tumor, não só do ponto de vista anátomo - patológico, mas também clínico, por seu crescimento rápido e francamente evasivo; excluiu-se o hiperparatireoidismo com os exames de sangue; o uso de prótese dentária completa superior, com implicações têmporo-mandibulares, ficou como a única possibilitade traumática.
Quanto ao tratamento, devem ser completamente ressecados, desde que caracterizados como tumores (GURALNICK e DONOFF). Reserva-se a irradiação para pacientes idosos ou debilitados e para tumores situados em locais de difícil acesso (SMITH e WARD), com riscos de possível degeneração sarcomatosa, já referida-na literatura (SEELA, 1973). No caso ora apresentado foi possível uma total enucleação, sem qualquer sinal de recidiva até 12 meses depois da cirurgia.
SUMMARYA rare case of giant cell tumor in the maxilla is presented and considerations are made about its discussed pathology, mainly because it is frequehtly confused with giant cell reparative granuloma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BANOVETZ, J.D. - "Cysts and Tumors of the Mandible and Maxilla in PARARELLA, M.M. & SHUMRICK, D.A. - "Otolaryngology" Vol 3 - Saunders - Philadelphia - 1973 - pp. 454.
2. CURTIS, M.L., HATFIELD, C.G. & PIERCE, J.M. - A destructive giant cell lesion of the mandible - J. Oral Surg. 31: 705-9, 1973.
3. DÍAZ DE LEóN, M.C.E. - Granuloma central de células gigantes Assoc. Dent. Mex. 29: 444-56, 1972.
4. GURALNICK, W.C. & DONOFF, R. B. - Central giant cell granuloma; several interesting cases - Brit. J. Oral Surg. 9: 200-7, 1972
5. JAFFE, H.L. - Giant cell reparative granuloma, traumatic bone cyst and fibrous (fibro-osseus) dyspiasia of the jawbones - Oral Surg. Oral Med. Oral Pathol. 6: 159-75, 1953.
6. SEELA, W. - Zur klinischen Problematik von Riesencellgeschwulsten im Kieferknochen - Dtsch. Stomatol. 23: 213-6, 1973.
7. SILVA, C.A. - Tumor interno de células gigantes do máxilar - Rev. Assoc. Paul. Cir. Dent. 28: 332-41, 1974.
8. SMALL, G.S. - A "true giant cell tumor" in the mandible? - J. Oral Surg. 33: 296-301, 1977.
9. SMITH, H.W. - Cystic lesions of the maxilla; II. Diagnostic considerations and treatment - Arch. Otolaryngol. 88: 426-35, 1968.
10. SMITH, G.A. & WARD, P.H.-Giantcell lesions of the facial skeleton Arch. Otolaryngol. 104: 186-90, 1978.
11. WALDRON, C.A. & SHAFER, W.G. - The central giant cell reparative granuloma of the jaws; an analysis of 38 cases - Am. J. Clin. Path. 45: 437-47, 1966. ,
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Santa Casa de Misericórdia de Moji Guaçu
Rua Chico de Paula, 608 - MOJI GUAÇU (SP).
* Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia cia Santa Casa de Misericórdia de Moji Guaçu, Moji Guaçu (SP).
Apresentado no XXIV Congresso Bras. de O.R.L. Novembro de 1978 - Rio de JaneiroíRJ.