ISSN 1806-9312  
Quinta, 18 de Abril de 2024
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2113 - Vol. 44 / Edição 3 / Período: Setembro - Dezembro de 1978
Seção: Artigos Originais Páginas: 222 a 231
OSTEOMAS NASO SINUSAIS*
Autor(es):
Ney Penteado de Castro Jr.**
Carlos Fernando dos Santos Ferreira Dias***
Lídio Granato ****
Otacílio Lopes Filho*****

Resumo: A referência de casos de osteomas craniofaciais na literatura ORL é freqüente. Os autores descrevem 2 casos clínico-cirúrgicos de osteoma que se originaram da sutura fronto-etmoidal possuindo comportamento evolutivo e sintomatologia muito diferentes entre si. A apresentação destes casos é justificada pelas proporções incomuns que ambos os osteomas atingiram em um curto período de evolução. Alguns aspectos clínico-cirúrgicos são analisados.

INTRODUÇÃO

O osteoma é uma neoplasia mesenquimal, resultante da metaplasia do tecido conjuntivo em tecido ósseo. O osteorna dos seios da face é originário da metaplasia do mucoperiósteo sinusal (1-2).

E a mais freqüente neoplasia benigna das regiões nasal e paranasal (3), êle é encontrado em cerca de 0,2590 dos exames radiológicos do crânio (4). A maioria dos osteomas é originária dos seios frontal e etmoidal, somente uma pequena parcela é originária dos demais seios paranasais (1-2-4-5-6-), entretanto HESHIKI e colaboradores (7), são de opinião que os osteomas do seio maxilar são os mais freqüentes. 0 osteoma é mais freqüente no sexo masculino e seu desenvolvimento geralmente inicia-se durante a puberdade (3-4-7-8). Várias teorias etiopatogenéticas foram propostas: alterações disgenéticas (cartilagem embrionária existente no tecido ósseo sinusal, com capacidade de se diferenciar de um tecido ósseo, com grande capacidade de neoformação); estímulos traumáticos e inflamatórios agindo sobre o mucoperiósteo, ossificação de polipos sinusais (1-2-9). Histopatologicamente o osteoma pode ser constituído por lamelas ósseas densas (osteoma ebúrneo) ou por lamelas ósseas difusas em tecido conjuntivo (osteoma espongioso) (10).

Os osteomas dos seios paranasais são assintomáticos ou oligossintomáticos, desde que não ocorra o comprometimento de estruturas vitais de vizinhança, a sintomatologia é determinada pela direção do crescimento e pelo envolvimento das estruturas vizinhas, pela neoplasia (11). As algias crânio-faciais e nevralgias frontais são desencadeadas pela modificação rápida da pressão intrasinusal ou por compressão de filetes nervosos sensoriais, obstrução nasal e rinorréia, pela invasão da neopiasia na fossa nasal, diplopia, protoptose e infecções oculares intercorrentes, pela expansão do tumor na cavidade orbitária (4). 0 crescimento do osteoma para a fossa craniana anterior, via placa cribiforme, pode desencadear sintomas neurológicos: cefaléia, náuseas, vômitos, sonolência, obnubilação, convulsões e hemiplegias (2).

O diagnóstico de um osteoma é feito principalmente por suas características radiológicas: lesões bem delimitadas, radiopacas e geralmente de localização intrasinusal. Os grandes osteomas, com expansão extrasinusal e com limites; imprecisos podem oferecer dificuldades ao diagnóstico diferencial com outras neoplasias osteogênicas agrupadas sob a denominação de lesões fibro-ósseas: osteoma fibroso, displasia fibrosa e o osteoma osteogênico primário (10).

Desde que causem sintomatologia, o tratamento dos osteomas é sempre cirúrgico, propiciando a extirpação total da neopiasia e é o único meio de se obter uma cura definitiva (3-7). Entretanto, quando assintomáticamente, a evolução dos osteomas pode ser observada através de controles radiológicos ocorrendo sintomatologia, a cirurgia deve ser imediatamente proposta (7-12).

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

1,° CASO

J.F.S. branca com 13 anos de idade e procedente da Bahia. Há 2 anos refere tumoração de crescimento lento e progressivo na fossa nasal esquerda sem outras sintomas. Há 1 mês o crescimento da tumoração tornou-se muito rápido deformando a parede lateral da narina esquerda e exteriorizando-se pela narina esquerda e parcial à direita (fig. 1). 0 exame ORL evidenciou uma pirâmide nasal óssea alargada e abaulada à esquerda, a rinoscopia anterior demonstrou fossa nasal esquerda totalmente ocupada por tumoração lisa, revestida por mucosa, fixa e de consistência óssea deslocando o septo nasal para a direita. A rinoscopia posterior revelou a extensão da mesma tumoração até a coana esquerda.

0 estudo radiológico demonstrou tumor muito radiopaco, de limites muito precisos ocupando totalmente a fossa nasal esquerda e parcialmente os seios maxilar e etmoidal anterior esquerdos (figs. 2-3).

A cirurgia foi executada através de uma incisão de Moure modificada (13) (fig. 4) e sinusectomia etmoido-maxilar pela técnica de Denker, tendo o máximo cuidado de preservar o rebordo orbitário inferior integro. Após a exposição adequada constatou-se queoosteomaocupava totalmente afossa nasal esquerda, a porção medial de Fig. 2 seio maxilar, rechaçando lateralmente a parede sinusal da fossa nasal e as células etmoidais anteriores aonde encontrava seu pediculo. Foi praticada a excerese do tumor em bloco por luxação ao nível de seu pediculo etmoidal (fig. 5). O exame histopatológico confirmou o diagnóstico clinico de osteoma. Evolução pós-operatória sem anormalidades (figs. 6-7-8).



Figura 1 - Foto pré-operatória de J.F.S. É evidente o alargamento e deslocamento da pirâmide nasal (óssea e cartilaginosa) à esquerda.


 
Figuras 2-3-Estudo radiológico pré-operatório (axiai de Hirtz e planigrafia em posição de Caldwell).0 osteoma ocupa toda a fossa nasal e parte dos seios maxilar e etmoidal à esquerda.



Figura 4 - INCISÃO DE MOURE MODIFICADA- Incisão cutânea que se inicia no canto interno do olho, percorre a parede lateral do nariz e segue o sulco naso-alar; continua-se por uma incisão vertical no filtro labial que divide o lábio em duas metades e termina por uma incisão jugal da linha mediana ao 2.1 molar superior. Esta incisão permite ampla exposição da fossa nasal e da fossa canina, até o rebordo orbitário inferior.



Figura 5 - Peça operatória: osteoma naso-sinusal. P.: pediculo da neoplasia na região fronto-etmoidal - N E : região naso-etmoidal do osteoma - M região maxilar do osteoma.


 
Figuras 6-7 - Estudo radiológico pós-operatório (axial de Hirtz e posição de Waters). Observar na posição de Waters o rebordo infraorbitário fraturado e conservado (entre as 2 setas).



Figura 8 - Foto pós-operatória de J.F.S. - 14º dia de pós-operatório. Resultado cosmético muito satisfatório. A cicatriz sobre o pirâmide nasal é imperceptível, estando apenas no filtro e lábio superior.



2 ° CASO
O.R.F., branco com 25 anos, contador, natural de S. Paulo. Há 4 meses, de forma súbita, iniciou edema na região palpebral superior esquerda sem características inflamatórias que regrediu espontaneamente mas com cefaléia holo crânica esporádica. Há 2 meses a cefaléia tornou-se intensa, latejante, localizada nas regiões maxilar, frontal e ocular esquerda e nesta época foi medicado com antibióticoterapia, antinflamatórios e gotas nasais. Durante o tratamento apresentou quadro neurológico caracterizado por temperatura elevada, cefaléia, dificuldade para falar, seguidas de inconsciência. Foi hospitalizado e submetido à intervenção neurocirúrgica de emergência (craniotomia frontal esquerda) que revelou abscesso sub-durai.

No pós-operatório foi encaminhado pelo neurocirurgião para um exame ORL, apesar de assintomático do ponto de vista desta especialidade. 0 exame ORL foi essencialmente normal.
0 estudo radiológico dos seios paranasais revelou tumoração radiopaca delimitada, ocupando parcialmente o seio frontal esquerdo e as células etmoidais anteriores esquerdas. 0 diagnóstico radiológico foi de um osteoma fronto-etmoidal esquerdo (figs. 9-10).

0 paciente foi submetido à uma sinusectomia fronto-etmoidal esquerda pela técnica osteoplástica não obliterativa. Após, a exposição adequada constatou-se a presença de osteoma fronto-etmoidal que ocupava totalmente o seio frontal, estando inclusive aderente às tábuas externa e interna deste seio. Havia uma pequena cavidade que apresentava mucosa Ligeiramente espessada, com trajeto fistuloso que sugeria ter sido a via de propagação da secreção para a formação do abscesso. No grupo etmoidal o osteoma ocupava apenas algumas células anteriores. 0 osteoma foi integralmente removido por fresamento. O ducto naso-frontal foi reconstruído e mantido permeável com uma sonda de polietileno de 5 mm de diâmetro, mantida desde o infundibulo frontal até o vestíbulo nasal, por um período de 40 dias, quando foi removida. Evolução pós-operatória sem anormalidades.

COMENTÁRIOS

Na literatura ORL existem inúmeras publicações sobre os osteomas crâniofaciais e seu tratamento. A apresentação dos presentes casos é justificada pelas proporções incomuns atingidas pelo osteoma e por suas sintomatologias atípicas.

No 1.° caso a instalação do osteoma ocorreu no início da puberdade, tornando-se extremamente ativo no último mês de evolução, quando determinou o aparecimento da sintomatologia. 0 exame radiológico confirmou o diagnóstico de osteoma, por suas características radiológicas muito típicas. Nos osteoma gigantes, a exposição cirúrgica ampla é fundamental para a remoção em bloco e integral da neoplasia, para evitar os riscos de uma rescidiva. No presente caso a abordagem pela incisão de Moure modificada, e sinusectomia etmoido-maxilar de Denker com a conservação. do rebordo orbitário inferior, permitiram a retirada do osteoma após luxação de seu ped iculo etmoidal. A conservação do rebordo orbitário inferior garantiu um ótimo resultado do ponto de vista estético, apesar da ampla osteotomia realizada na fossacanina e na apófise montante da maxila.

No 2.° caso, o paciente apresentou osteoma frontal-originário da sutura frontoetmoidal, que atingiu grandes proporções, ocluindo o ducto naso frontal e aderindo às tábuas externa e interna do seio frontal. Em sua evolução apresentou sintomatologia clínica de sinusopatia frontal aguda, que evoluiu com osteíte da tábua interna e a instalação de abscesso sub durai na região frontal. A sintomatologia foi mascarada no início, pelo tratamento clínico instituído e proporcionou a formação do abscesso


 
Figuras 9-10-Estudo radilógico do 2.1 caso (na posição de Ca ldwell e perfil de seio frontal). Osteoma ocupando totalmente o seio frontal esquerdo.. As setas indicam a craniotomia frontal prévia.
sub durai desencadeando o quadro neurológico de hipertensão endocraniana aguda. O achado cirúrgico da sinusopatia frontal e a presença do trajeto fistutoso na tábua interna, até o espaço sub durai confirmou a patogenia do obscesso frontal.



O osteoma frontal raramente adere à tábua externa a não ser quando adquire grandes dimensões. Neste caso a cirurgia osteoplástica, com conservação da tábua externa é problemática, tendo em vista c aspecto cosmético. Em nossa opinião, nos osteomas crânio -faciais a decisão de se optar pelo tratamento cirúrgico deve ser baseada em 3 aspectos:

Idade Nos pacientes jovens, na 2.' década de vida, os osteomas tendem a assumir grandes proporções muito rapidamente; osteomas encontrados neste grupo etário, mesmos assintomáticos devem ser removidos. Nos pacientes acima de 40 anos, os osteomas possuem crescimento muito lento,pode nao ser controlados pelo exame radiológico periódico, quando assintomáticos.

Sintomatologia Quando assintomáticos somente a observação radiológico periódica é o suficiente, quando tornam-se sintomáticos a conduta deve ser a remoção cirúrgica.
Localização. Os osteomas frontais, quando de localização infundibular ou ao nível do ducto naso frontal, devem sempre ser removidos pela sinusectomia frontal osteoplástica. Osteomas nestas localizações podem determinar a obstrução mecânica do ducto naso frontal e o aparecimento de complicações: Mucocele, mucopiocele e sinusopatias frontais agudas e posteriormente complicações intracranianas.

SUMMARY

Crânio facial osteomas are oftenly refered in ORL líterature. The autores describe two cases in vvhich the osteoma emerged from the fronto ethmoidal suture, having had di?erent signs, symptoms and evolution for each patient. These cases are presented because of theirunusuai development in short time. Some clinicai and surgical aspects are considered.

BIBLIOGRAFIA

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Endereço dos Autores:
Disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Rua Dr. Cesário Motta, Jr., 112 - São Paulo - SP - CEP 01221

* Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia, disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Assistente da ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Médico Residente (R-2) da ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Professor Assistente da ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Professor Pleno da ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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