ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2098 - Vol. 44 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1978
Seção: Artigos Originais Páginas: 129 a 140
ASPECTOS QUALITATIVOS DO NISTAGMO A PROVA ROTATORIA PENDULAR EM INDIVIDUOS NORMAIS
Autor(es):
*Dr. Maurício Malavasi Ganança

1. INTRODUÇÃO

O advento e a utilização em larga escala da electronistagmografia constituiu preciosa contribuição à exploração semiológica do aparelho vestibular, propiciando a aquisição de novos e importantes conhecimentos sobre a função labiríntica.

Graças à electronistagmografia, um dos métodos de investigação otoneurológica, que mais tem se desenvolvido, é indiscutivelmente a prova rotatória pendular decrescente.

Nesta prova, os aspectos quantitativos da resposta nistágmica cem sido amplamente estudados e são atualmente considerados de grande valor clínico. Menor tem sido,'no entanto, a atenção dedicada à análise do ritmo e morfologia do nistagmo pós - rotatório à essa prova, como o demonstra a relativa escassez de informações pertinentes, especialmente em indivíduos normais.

Por esse motivo, interessamo-nos nesta pesquisa em avaliar o comportamento qualitativo da reação nistágmica à prova rotatória pendular decrescente em indivíduos aparentemente normais, e tentar comparar nossos achados com os descritos na literatura compulsada.

2. REVISÃO DA LITERATURA

GREINER et alii 8(1963) informaram que em alguns casos de surdez súbita a escritura nistágmica era ampla e acompanhada de recrutamento vestibular, manifestações gráficas que consideraram como tipicamente periféricas.Em outros casos de surdez súbita, no entanto, observaram pequena escritura, caracterizada por grande freqüência de batimentos nistágmicos, de reduzida amplitude, em salvas, o que julgaram como típico de comprometimento central.

Várias irregularidades nos traçados à PRPD, tais como salvas, ondas bífidas e até mesmo a desorganização total da inscrição nistágmica foram referidas por SACQUÉPÉE & MASSELOT 23(1968), em casos de intoxicação labiríntica, por piso de estreptomicina, kanamicina e isoniazida.

GUILLEN & SAVARY 12(1969), discorrendo sobre o interesse clínico da PRPD, destacaram a facilidade em identificar a regularidade de um traçado de tipo periférico, através do seu ritmo e da simetria das respostas direitas e esquerdas. No traçado de tipo central, os aspectos qualitativos são igualmente bem conhecidos, no entender desses autores: disritmia, anarquia, irregularidades de amplitude e da forma dos batimentos, ondas bífidas, salvas, inibições, etc.

A opinião de que a qualidade do traçado tem valor diagnóstico e topográfico, também foi emitida por VAN DE CALSEYDE et alii 24 (1969), que consideraram como "periféricos" os traçados em que a regularidade em freqüência e amplitude é predominante. Nos indivíduos com menos de 10 e mais de 50 anos de idade, notaram que essa regularidade não é tão marcada. Conceituaram como "centrais" os registros em que prevalece a irregularidade, com salvas, inibições, pequena escritura (MONTANDON 19(1967), disritmia (RIESCO Mac CLUBE & STROUD 22(1960), e "kipp-nystagmus" (JUNG & MITTERMAIER 14(1939). A pequena escritura se caracterizaria pela ocorrência de batimentos de pequena amplitude e grande freqüência; a disritmia, por batimentos de amplitude e freqüência muito variáveis, e o "kippnystagmus", por duas fases rápidas inversas, separadas por pequeno repouso e sobretudo visível na vizinhança do limiar, à PRPD.

GREINER et alii 9(1969) consideraram regulares as respostas à PRPD no indivíduo normal, fáceis de ler e medir. Definiram o ritmo nistágmicos como a imagem da combinação dos batimentos em função do tempo.

Tendo encontrado disritmia e salvas repetidas em 8, 6% de 150 indivíduos normais, VAN DE CALSEYDE et alii 25(1974) opinaram que as características qualitativas à PRPD deveriam merecer cuidadosa interpretação, pois somente quando registradas de forma consistente ao longo de todo o traçado, as disritmias e dismorfismos teriam importância clínica.

Para MEUNIER & FORESTIER 17(1974) as diferentes perturbações do ritmo nistagmico à PRPD, também encontradas na prova calórica, seriam testemunhas de um comprometimento central ao nível das áreas da nistagmogênese, mas deveriam ser sempre distinguidas dos traçados desorganizados dos indivíduos ansiosos ou diatônicos. Nestes pacientes o traçado costuma se regularizar à segunda PRPD. Quanto à presença de irregularidades em traçados de indivíduos normais, GANANÇA et alii 4(1974) concordaram com MO RGON et alii 20(1970), embora discordassem da alarmante expressividade dos achados destes autores, que classificaram os traçados obtidos em 50 indivíduos normais em 4 categorias: normal (20%), perturbado (52%), difícil de ler (18%) e ilegível (2%).

LEDOUX 15(1974) afirmou que praticamente todas as variações de forma e ritmo do nistagmo, descritas por JONGKEES 13(1973), podem ser registradas em cada indivíduo normal submetido à prova calórica. Acrescentou LEDOUX que, para CLEMENT 2(1970), o padrão nistágmicos, com as suas pequenas irregularidades, caracterizaria um indivíduo, como o fazem as suas impressões digitais.

Por sua vez, PADOVAN et alii 21(1975) relacionaram 26 diferentes irregularidades qualitativas do nistagmo, entre 60 sinais de comprometimento do sistema nervoso central, à electronistagmografia.

GANANÇA & MANGABEIRA ALBERNAZ 5(1976) consideraram ritmo e morfologia do nistagmo à PRPD como dados de menor importância clínica, do que os elementos quantitativos que podem ser analisados nessa prova (preponderância direcional em termos de freqüência, ou velocidade angular da componente lenta, e limiar do nistagmo), pois são muito variáveis mesmo em indivíduos normais. GANANÇA et alii 7(1976) averiguaram que as alterações morfológicas foram comuns do que as de ritmo, á electronistagmografia da PRPD, não apenas em indivíduos normais, como também nas síndromes vestibulares periféricas e centrais. Estes autores encontraram dismorfismos em 18% dos indivíduos normais, 25% dos casos de síndromes periféricas e 38% dos doentes com síndromes centrais. Por outro lado, depararam-se com a disritmia em 11% dos normais, 18% dos pacientes com síndromes periféricas e 29% dos casos de síndromes centrais. Esses dados foram extraídos do exame de um total de 300 indivíduos.

3 CASUÍSTICA E MÉTODOS

Quarenta soldados do II Exército, foram considerados normais sob o ponto de vista otorrinolaringológico e audiológico (audiometria tonal liminar, discriminação vocal e impedanciometria), e se submeteram a exame da função vestibular, em duas etapas. A primeira etapa, que procedemos ao estudo do equilíbrio estático e dinâmico, coordenação dos movimentos e à electro-oculografia-para a pesquisa de nistagmo espontâneo, direcional, de posição, optocínético, rastreio pendular e nistagmo pós-calórico à prova com ar, da forma descrita por GANANÇA & MANGABEIRA ALBERNAZ 5(1976) e interpretadas de acordo com os conceitos admitidos por MANGABEIRA ALBERNAZ & GANANÇA 16(1976).Usamos um nistagmógrafo Beckman, de dois canais de registro, um deles destinado à curva nistágmica convencional ou à captação de outros movimentos oculares e o outro, à derivada automática de velocidade da componente lenta do nistagmo. Em todos os exames empregou-se corrente alternada com constante de tempo igual a 3 segundos e a velocidade do papel de registro foi de 25 mm/s. A segunda etapa consistiu na parte fundamental deste trabalho, ou seja, a PRPD.

O ambiente do exame foi conservado silencioso e semi-obscuro, nele permanecendo apenas o paciente, uma tecnóloga e o examinador.

Como conjunto estimulador, fizemos uso do equipamento Ototest (Alvar Eletronic), minuciosamente descrito por FORMIGONI 3(1972), em sua tese sobre a componente rápida do nistagmo.

Dois equipamentos registradores foram empregados: o polígrafo Otographor IV-2-TR (Alvar Eletronic) e um modelo Beckman Dinograph RS.

Os equipamentos estimulador e registradores são mostrados na figura 1. Utilizamos 2 canais de cada equipamento registrador. No Otographor, um dos canais foi reservado à inscrição nistágmica, em corrente alternada, com constante de tempo de 0,3 segundos e o outro, para a gravação da curva sinusoidal do movimento da cadeira pendular, em corrente contínua. No Beckman, destinou-se um canal para o registro nistágmico e o outro, para a derivada de velocidade, ambos em corrente contínua.

Os electródíos foram juntados com pasta electrolítica e fixados à pele do canto externo das cavidades orbitárias e da linha média frontal, da maneira convencional. As duas derivações utilizadas, uma para cada registrador, foram destinadas às inscrições no plano horizontal, exclusivamente. Apele, nos locais em que os electródios foram fixados por meio de fitas adesivas, foi previamente desengordurada, através de limpeza com gaze molhada com éter.

Em seguida, procedemos à calibração dos movimentos oculares, de modo convencional (inscrição de 10 mm de altura correspondendo a 10° de desvio angular do olhar).

Colocamos a cabeça do paciente em flexão anterior de 3Ò° em relação ao plano horizontal e nessa posição ela foi mantida pelo cabeçote do conjunto estimulador, durante toda a PRPD. Portanto, a PRPD foi realizada com o objetivo de estimular seletivamente os canais semicirculares laterais, dispostos no plano de rotação da cadeira pendular.

Todos os examinandos foram submetidos a atividade mental constante durante a PRPD, através da realização de cálculos baseados em subtrações progressivas, a partir de um número suficientemente elevado para que as operações aritméticas perdurassem por todo o exame.

A cadeira foi liberada de sua posição de repouso à aceleração angular máxima de 18°1s2,, progressivamente decrescente de semi-período para semiperíodo, até a parada final do movimento pendular. A duração de cada período foi sempre igual a 20 segundos.

Nesta investigação, interessamo-nos, exclusivamente, em analisar o ritmo e a morfologia do nistagmo é PRPD, adotando-se, como termo de referência básica, as uras gráficas e as designações de JONGKEES 13(1973) e de PADOVAN et ali i 2(1975), sobre a diversas disritmias e dismorfismos.

Nos 40 indivíduos, considerados normais pelos critérios anteriormente expostos, procuramos determinar os seguintes dados:

1.º) Número de semi-períodos da PRPD com alterações qualitativas do nistagmo;

2.º) Freqüência das alterações qualitativas do nistagmo à PRPD;

3.°) Número total, valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%) da ocorrência das alterações qualitativas do nistagmo à PRPD;

4.º) Valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%).da ocorrência de cada alteração qualitativa do nistagmo à PRPD;

5.º) Número e percentagem de ocorrência de cada alteração qualitativa do nistagmo à PRPD, e

6.º) Número de percentagem de indivíduos em que ocorreu cada alteração qualitativa do nistagmo à PRPD.

Considerando a PRPD, de acordo com GANANÇA& MANGABEIRA ALBERNAZ 6(1976), como um exame sumamente adstrito à interferência de inúmeras variáveis, em conotação com o indivíduo, o ambiente e o próprio método, torna-se intricada a interpretação correta de seus resultados por meio de testes estatísticos mais elaborados, do que o simples cálculo da média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%) dos quais nos servimos para os dados desta investigação.

4. RESULTADOS

Em relação aos aspectos qualitativos do nistagmo à PRPD, em 40 indivíduos considerados normais, nossos
achados foram os seguintes:

4.1 Número de semi-períodos com alterações de ritmo e morfologia do nistagmo

As disritmias e dismorfismos ocorreram em número variável de semi-períodos, entre 10 e 34 (média aritmética de 23,1).

Num total de 1398 semi-período com resposta nistágmica, 926 (66,2%) revelaram a presença de uma ou mais alterações qualitativas do nistagmo.

No que respeita à qualidade dos traçados obtidos, 39 foram perfeitamente legíveis (97,5%) e apenas 1 (2,5%) foi difícil de ler.

4.2 Freqüência das alterações qualitativas

Foram identificadas 24 alterações do ritmo elou morfologia do nistagmo. As figuras 2 e 3 mostram vários exemplos dessas alterações, em traçados obtidos com corrente alternada ou contínua, em nossa casuística considerada normal.



Figura 1.


1. Equipamento estimulador da PRPD, modelo Ototest (Alvar Eletronic).
2. Electronistagmógrafo Dinograph RS (Beckman).
3. Electronistagmógrafo Otographor IV-2-TR (Alvar Eletronic).




Fig. 2

Trechos de traçados à prova toratória pendular de indivíduos normais, em corrente contínua, mostrando vários tipos de dismorfismos e disritmias:

1. Ritmo e normais;
2. Arritmia;
3. Dismetria;
4. Formação em escada;
5. Movimentos sinusoidais;
6. Formação grupal I;
7. Formação grupal II;
8. Componente lenta bífida;
9. Componente lenta trífida;
10. Salva;
11. Componente lenta trífida;
12. Ondas quadradas;
13. Contra-sacudidela;
14. Lentidão da componente lenta;
15. Arredondamento;
16. Dismetria;
17. Pequena escritura.
morfologia



Averiguou-se um total de 1760 alterações em 926 semi-períodos da PRPD, o que representa, portanto, a média aritmética de 1,9 por semi-período. Em maior ou menor número, todos os 40 indivíduos apresentaram alterações qualitativas (no mínimo 6 e no máximo 16 delas,com média aritmética de 11,3).



Fig. 3 - Trechos de traçados à prova rotatória pendular em indivíduos normais, em corrente alternada, mostrando vários tipos de dismorfismos e disritmias:



1. Componente lenta bífida; 2. Disritmia de amplitude da componente lenta; 3. Formação grupal I; 4. Componente lenta trífida; 5. Componente lenta trífida; 6. Formação grupal II; 7. Formação grupal I; 8. Tremor; 9. Dismetria e salva; 10. Movimentos basculantes; 11. Salvas; 12. Componente lenta bífida e dismetria; 13. Componente lenta bífida; 14. Salva; 15. Dismetria;16. Formação grupal 111;17. Salva, componente lenta bífida e trífida; 18. Componente lenta bífida, trífida e disritmia de amplitude da componente lenta e rápida; 19. Formação grupal 11; 20. Componente rápida intermitente; 21. Componente rápida intermitente, componente lenta bífida e formação grupal I; 22. Componente rápida intermitente, componente lenta bífida e decapitação; 23. Dismetria e disritmia de amplitude da componente tenta.

4.3. Número total, valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%) da ocorrência das alterações qualitativas

As 1760 alterações surgiram em número variável entre 14 e 91 vezes com média aritmética de 44, desvio-padrão igual a 14,4 e limites de confiança (95%) inferior de 15,8 e superior de 72,2 vezes.

4.4. Valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%), da ocorrência de cada alteração qualitativa

A ocorrência foi variável entre 0 e 21 vezes, das diversas alterações. A média aritmética da ocorrência de cada alteração variou entre 0,08 e 6,5 vezes, com desviopadrão variável entre 0,2 e 5,3 e limites de confiança (95%) inferior sempre igual a 0 e superior variando entre 0,5 e 15,6 vezes.

Muito embora todos os casos apresentassem alterações qualitativas, nenhuma alteração apareceu em todos os 40 indivíduos.

4.5. Número e percentagem de ocorrência de cada alteração qualitativa.

O número de vezes em que ocorreu cada alteração foi variável entre 2 e 259. A respectiva percentagem de ocorrência, em relação ao total de alterações identificadas foi variável entre 0,1 e 14,8%.

A ocorrência de componente lenta bífida, arredondamento, sacudidela, dismetria, pausa, tremor, disritmia de amplitude da componente rápida, disritmia de amplitude da componente lenta e da rápida e distirmia de amplitude da componente lenta, foi muito grande. Menos freqüentes foram ondas quadradas, salva, pequena escritura, decapitação, contra-sacudidela, arritmia, movimentos sinusoidais, componente rápida intermitente e formação em escada. Mais raras foram formações grupais I, II e III, lentidão da componente lenta, componente lenta trífida e movimentos basculantes.

4.6. Número e percentagem de indivíduos em que ocorreu cada alteração qualitativa.

A freqüência de cada alteração qualitativa foi variável entre 2 e 37 indivíduos, e a respectiva percentagem de ocorrência (variável entre 5,0 e 92,5% dos indivíduos).

Mais da metade dos casos apresentaram sempre pelo menos uma dessas alterações: componente lenta bífida, arredondamento, sacudidela, tremor, pausa, disritmia de amplitude da componente lenta e rápida, dismetria, salva, disritmia de amplitude da componente lenta, disritmia de amplitude da componente rápida, ondas quadradas e contra-sacudidelas. Destaque-se que apenas 3 indivíduos não apresentaram componente lenta bífida ou arredondamento do nistagmo. Metade, ou menos, dos casos apresentaram pequena escritura, arritmia, movimentos sinusoidais, decapitação, e, mais raramente, formação em escada, componente rápida intermitente, formações grupais I, III e li, lentidão da componente lenta, componente lenta trífida e movimentos basculantes.

5. DISCUSSÃO

Diante dos resultados à PRPD dos 40 indivíduos aparentemente normais, permitimo-nos tecer as seguintes considerações:

5.1 Número de semi-penodos com alterações de ritmo e morfologia do nistagmo.

Quase dois terços (66,2%) dos semi-períodos da PRPD dos 40 casos mostraram alterações qualitativas. Estas ocorreram, na casuística estudada, no mínimo em 10 semi-períodos e, em alguns indivíduos, em praticamente quase todos os semiperíodos da PRPD.

Não encontramos referências bibliográficas quanto à pesquisa destes dados, para comparação.

No que concebe à regularidade dos traçados, nossos achados concordam com os de GREINER et alii 9(1969), que consideram que os traçados em normais são regulares, fáceis de ler e medir. A regularidade ocorreu em 97,5% dos nossos registros. Enquanto encontra os apenas 2,5% de traçados com dificuldades de leitura, para MORGON et alii2 (1970) essa cifra atingiu a 18%. Estes autores, ao contrário dos nossos achados, verificaram em normais apenas 20% de traçados regulares, sendo os restantes 80% perturbados, difíceis de ler, ou mesmo ilegíveis.

5.2. Freqüência das alterações qualitativas.

As 24 alterações identificadas surgiram num total de 1760 vezes, em 926 semi-períodos da PRPD. Por semi-período, encontramos a média aritmética de 1,9 alterações.

Por outro lado, todos os 40 casos apresentaram de 6 a 16 alterações de ritmo e morfologia, com média aritmética de 11,3 alterações por indivíduo, o que nos parece constituir-se em cifra extremamente elevada.

Não obtivemos informações pertinentes a esses dados, na Literatura.

O encontro de alterações qualitativas em, nossa casuística, considerada normal, se coaduna com as citações de VAN DE CALSEYDE et alii 25(1974), GANANÇA et alii 4(1974), LEDOUX 15(1974), GANANÇA & MANGABEIRA ALBERNAZ 5(1976) e.GANANÇA et alii 7(1976).

Depreende-se, de nossas observações, a predominância das alterações morfologias sobre as de ritmo, fato que já havia sido assinalado por GANANÇA et alii 7(1976), em muito menor proporção, talvez explicável por diferenças na metodologia empregada. Cabe comentar, no entanto, que, em algumas das alterações (disritmias de amplitude da componente lenta elou rápida, salva, ondas quadradas, pequena escritura, movimentos sinusoidais, formação em escada, formação grupais I, II e III, lentidão da componente lenta, movimentos basculantes, componente lenta bífida e trífida) nem sempre ocorre somente a perturbação morfológica ou somente a rítmica; na realidade, freqüentemente surge a modificação simultânea da forma e do ritmo, com ou sem predomínio de uma dessas características.

5.3. Número total, valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%) da ocorrência das alterações qualitativas.

Nos 40 traçados, 1760 perturbações do ritmo elou morfologia do nistagmo foram localizadas, correspondendo às 24 alterações qualitativas identificadas. O menor número de perturbações num traçado foi igual a 14 e o maior, 91. A média aritmética foi de 44 perturbações por traçado, com desvio-padrão de 14,4 e limites de confiança (95%) inferior de 15,8 e superior de 72,2.

Esses resultados indicaram a grande freqüência com que as alterações qualitativas do nistagmo podem ocorrer em indivíduos considerados normais. Nossos achados não puderam, no entanto, ser confrontados com achados de outros autores, por não encontrarmos referências pertinentes na Literatura.

À guisa de apoio, lembremos que LEDOUX 18(1974) asseverou que quase todas as variações de forma e ritmo do nistagmo assinaladas por JONGKEES 13(1973) podem ser encontradas em cada indivíduo normal, à prova calórica. Considerando-se a assertiva de GANANÇA & MANGABEIRA'ALBERNAZ 5(1976) de que a PRPD talvez seja a prova labiríntica mais sujeita à influência de fatores extravestibulares, poderemos supor que estes tenham exercido papel preponderante na eclosão das alterações qualitativas, para explicar a sua apreciável presença numa casuística aparentemente normal. De qualquer forma, nos parece bastante lógico que, se essas alterações foram evidenciadas à prova calórica, mais razões deveria haver para que não faltassem à PRPD, por se constituir num teste de indiscutível maior susceptibilidade de se sensibilizar.

5.4. Valores extremos, média aritmética, desvio-padrão e limites de confiança (95%) da ocorrência de cada alteração qualitativa.

Nenhuma alteração ocorreu em todos os casos. A ocorrência oscilou entre 0 e 21 vezes, para as diversas disritmias e dismorfiás, com médias aritméticas, desviospadrão e limites de confiança muito variáveis. Estes dois últimos parâmetros estatísticos sempre foram muito elevados em relação às respectivas médias aritméticas, apontando a grande variação dos valores da ocorrência das alterações qualitativasNão encontramos relatos a respeito da forma com que ocorrem as alterações qualitativas em casuísticas normais, para comparar com a irregularidade de freqüência por nós constatada. Caracterizaria, essa irregularidade de ocorrência, um padrão individual à semelhança de significado das impressões digitais, como sugere CLEMENT 2(1970) para a prova calórica de seres humanos normais? Ou estaríamos diante de uma desorganização em qualquer sentido, muito a gosto das conclusões de MORGON et alii 0(1970) quando se referem à qualidade dos traçados obtidos em normais? Nossa pesquisa não forneceu subsídios que auxiliassem a solver essa questionabi1idade.

5.5. Número e percentagem de ocorrência de cada alteração qualitativa.

A elevada freqüência de algumas das alterações qualitativas em nossos casos considerados normais representa, a nosso ver, mais um argumento em favor do conceito de que as disritmias e dismorfisnos devem merecer cuidadosa interpretação e, forçosamente, devemos reputa-Ias como de importância clínica discutível, como o julgam VAN DE CALSEYDE et alii 25 (1974) e GANANÇA & MANGABEIRA ALBERNAZ 5(1976).
Particularizando mais, várias das alterações apontadas por GREINER et ali 8(1963), SACQUEPEE & MASSELOT 23(1968), GUILLEN & SAVARY 12(1969), VAN DE CALSEYDE et alii 24(1969), MONTANDON 19(1967). RIESCO Mac CLUBE & STROUD 22 (1960), MEUNIER & FORESTIER 17 (1974), PADOVAN et alii 21 (1975) como indicativas de lesão vestibular e até mesmo com valor localizador periférico ou central, para alguns, ocorreram profusamente em nossos indivíduos julgados normais. É o caso, por exemplo, da componente lenta bífida; dismetria, disritmias de amplitude das componentes lenta elou rápida, e também das salvas, pequena escritura, arritmia, formação em escada, formações grupais e componente lenta trífida, menos freqüentes, porém presentes, em maior ou menor proporção.

Resulta dos nossos achados a impressão, a nosso ver justificada, de que o risco na tentativa de estabelecer topodiagnóstico, !baseados na presença desta ou daquela alteração qualitativa, é demasiado e suficientemente apreciável para que não valorizemos, isoladamente, as disritmias e dismorfismos.

5.6. Número e percentagem de indivíduos em que ocorreu cada alteração qualitativa.

Doze alterações estiveram sempre presentes em mais da metade dos nossos casos considerados normais, e algumas (componente lenta bifida, arredondamento, sacudidela, tremor, e disritmia de amplitude da componente lenta e rápida), na maior parte dessa casuística.metade dos casos, o que não deixa de ser e a importância que a Literatura (baseaEYDE et alii 24(1969), MONTANDON

A pequena escritura apareceu extremamente significativo, considerada em GREINER et, alii 8(1963), VAN.DE CÁ 19(1967) e outros) lhe atribuem como dado localizador de lesão central.

Onze outras alterações surgiram em menor número de casos. Destaque-se a raridade com que ocorreram principalmente as formações grupais, a lentidão da componente lenta, a componente trífida e os movimentos basculantes.

De modo geral, nossos achados são bastante desalentadores no que se refere ao valor prático que as disritmias e dismorfismos possam representar no contexto do exame otoneurológico, graças à numerosa ocorrência e irregular variação, em indivíduos reputados como normais.

Os resultados de GANANÇA et alii 7(1976) indicam que as alterações qualitativas aparecem mais nas síndromes vestibulares, principalmente nas de origem central, do que em indivíduos normais. Mas este é, indubitavelmente, um dado de difícil manipulação clínica.

Ha nas duas das alterações relatadas em distúrbios vestibulares por JONGKEES (1973) e PADOVAN et alii 21(1975) não foram reconhecidas nos traçados de nossa casuística considerada normal: a inquietude ocular e o paroxismo ocular espontâneo, que talvez possam ter algum significado patológico. Todas as demais disritmias e dismorfismos mencionadas por aqueles autores puderam ser encontradas nos indivíduos aparentemente normais, estudados nesta pesquisa.

Para melhor-elucidação da importância dos aspectos qualitativos do nistagmo à PRPD, toma-se necessário que outras investigações sejam realizadas, corroborando ou não os nossos resultados e cotejando-se com os achados na patologia do aparelho vestibular.

6. CONCLUSÕES

Diante do que observamos quanto aos aspectos qualitativos do nistagmo à PRPD de 40 indivíduos considerados normais, julgamos poder concluir:

6.1. A ocorrência de disritmias elou dismorfismos foi numerosa, abrangendo grande parte dos semi-período da PRPD, em todos os casos.

6.2. A variação da ocorrência das disritmias e/ou dismorfismos foi irregular, sendo que nenhuma alteração qualitativa esteve presente em todos os 40 casos.

7. RESUMO

Em 40 indivíduos considerados normais, os aspectos qualitativos do nistagmo à prova rotatória pendular decrescente foram analisados.

Os 24 tipos de disritmia e/ou dismorfismos identificados ocorreram de modo copioso em grande parte dós semi-períodos, em todos os casos.

A componente lenta bífida foi a alteração qualitativa mais freqüente; ocorrendo no total de 259 vezes, em 37 indivíduos. A pequena escritura surgiu no total de 53 vezes, em 20 indivíduos.

Nenhuma alteração qualitativa ocorreu em todos os casos.

A variação da ocorrência das disritmias e/ou dismorfismos foi muito inconstante.

Diante da abundante e irregular freqüência desses fenômenos qualitativos, questionou-se o valor prático da sua apreciação no contexto do exame otoneurológico.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BASSÉRES, F. Le labyrinthogramme en méthode pendulaire. A. Oto-neuro-ophtal., 39: 463-79, 1967.
2. CLEMENT, P. (1970) apud VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - The damped torsion swing test. Quantitative and qualitative aspects of the ENG pattern in normal subjects. Arch Otolaryng., 100: 449-52, 1974.
3. FORMIGONI, L.G. - Electronistagmografia por estimulo rotatório pen dular decrescente. Contribuição ao estudo da componente rápida. Seu comportamento em afecções vestibulares periféricas sob ação do sulpiride.
São Paulo, 1972. 127 p. Tese de doutoramento apresentado ao Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4. GANANÇA, M.M.; MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L.; RIBEIRO DE ALMEIDA" C.I. & BALEEIRO, E.M. - Estimulação rotatória pendular nas síndromes vestibulares e centrais. Informação preliminar. SIMPóSIO IBERO-AMERICANO DE OTONEUROLOGIA, 6., São Paulo, 1974, p. 37-56.
5. GANANÇA, M.M. & MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. - 1. Semiologia vestibu(ar. ln: Labirintologia. Guia prático. São Paulo, Editamed, 1976, p. 1-64.
6. GANANÇA, M.M. & MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. - Da freqüência nistágmica à prova rotatória pendular decrescente. Estudo electronistagmográfico em indivíduos normais. SIMPÓSIO IBERO-AMERICANO DE OTONEUROLOGIA, 7., Cadiz, 1976, no prelo.
7. GANANÇA, M.M.; MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L.; RIBEIRO DE ALMEIDA, C.I.; BALEEIRO, E.M.; FUKUDA, Y. & WECKZ, L.M. - Achados electro-oculográficos em pessoas normais e pacientes com síndromes vestibulares periféricas e centrais
In: MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. & GANANÇA, M.M. - Vertigem. São Paulo, Ed. Moderna, 1976, p. 11316.
8. GREINER, G.F.; CONRAUX, C.; MENGUS, M. & PICART, P. - Les reactions vestibulaires à Ia stimulation pendulaire dans les surdites unilaterales brusques. R. Oto-neuroophtal, 35: 52-8, 1963.
9. GREINER, G.F.; CONRAUX, C. & COLLARD, M. - Vestíbulometrie clinique. Paris, Doin, 1969. p. 198-285.
10. GREINER, G.F.; ROHMER, F.; COLLARD, M. & CONRAUX, C. - Influence des facteurs corticaux et souscorticaux sur Ia réponse vestibulaire. Acta oto-rhino-laryng. belg. 17. 191,5, 1970.
11. GUILLEN, G. (1966) apud VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - Les données de I'electronystagmographie dans I'épreuve rotatoire sinusoidale amortie. Actaoto-rhino-laryng., 23: 196-336, 1969.
12. GUILLEN, G. & SAVARY, P. - Interet de Ia stimulation pendulaire avec électronystagmographie. Laval Medical, 40: 427-438, 1969.
13. JONGKEES, L.B.W.-Vestibular tests for the clinician. Arch. Otólaryng., 97: 77-80, 1973.
14. JUNG, R. & MITTERMAIER, R. (1939) apud VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - Les données de I'électronystagmographie dans I'épreuve rotatoire sinosoidale amortie. Acta oto-rhino-laryng. belg., 23: 196-336, 1969.
15. LEDOUX, A. - Quelques verités premières ou presumées telles. Acta oto-rhino-laryng, belg 28: 733-6, 1974.
16 MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. & GANANÇA, M.M. - Vertigem. São Paulo, Ed. Moderna, 1976.
17. MEUNIER, J.L. & FORESTIER, R. - Guide pratique d'électronystagmographie clinique. Paris, Doin, 1974. p. 74-5.
18. MONTANDON, A. (1963) apud VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DE PONDT, M. - Les données de I'électronystagmographie dans I'épreuve rotatoire sinusoidale amortie. Acta oto-rhino-laryng. belg., 23: 196-336, 1969.
19. MONTANDON, A. (1967) apud VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - Les données de I'électronystagmographie dans I'épreuve rotaroire sinusoidale amortie. Acta 24. oto-rhino-laryng. belg., 23. 196-336, 1969.
20.MORGON, A.; CHARACHON, D.; BERNARD, P. & ACHACHER, R. - Étude du seuil. Le seuil en ENG pendulaire. Chez les sujets nor- 25. maux. R. Laryng, 91, suppl. 864, 1970.
21.PADOVAN, I.; PANSINI, M.; LEDINSKI, G; RIBARIC, K. & NEGOVETIC, L. - Electronystagmography in the pathology of the central nervous system. Acta oto-laryng., 79: 319-324, 1975.
22.RIESCO Mac-CLUBE, J.S. & STROUD, M.H. - Dysrhytmia in the post caloric nystagmus. Its clinicai significance. Laryngoscope, 70: 697-721, 1960.
23.SACQUÉPÉE, R. & MASSELOT, Y. - Dépistage pré-clinique de l'atteinte toxique vestibulaire par I'électronystagmographie pendulaire. R. Otoneuro-ojoWal, 40: 49-60, 1968.
24.VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - Les données de I'électronystagmographie dans I'épreuve rotatoire sinusoidale amortie. Acta oto-rhino-laryng. belg. 23:196-336, 1969.
25.VAN DE CALSEYDE, P.; AMPE, W. & DEPONDT, M. - The damped torsion swing test. Quantitative and qualitative aspects of the ENG pattern in normal subjects. Arch. Otolaryng., 100: 449-53, 1974.




Endereço do autor:
Av. Brig. Faria Lima 830, 3' - 01452 São Paulo (SP)

* Professor Assistente-Doutor e Chefe da Divisão de Labirintologia da Disciplina de Otorrinolaringologia (Prof. Titular Dr. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz) da Escola Paulista de Medicina.

Resumo de Tese de Docência Livre apresentada à Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (SP), em outubro de 1977.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia