INTRODUÇÃOOs tumores malignos que se originam dos seios paranasais são muito raros, constituindo apenas 7% dos tumores que acometem o ser humano1. Os de origem primária no seio frontal são ainda mais raros e a sua ocorrência foi até desacreditada por alguns autores2, 3. O primeiro caso foi relatada em 1907'. Representa apenas 0,3% dos tumores dos seios paranasais4. Em um estudo de 66 anos de carcinoma de seios paranasais, apenas 1 era de seio frontal2. Uma revisão da literatura revelou 134 casos bem documentados até 19706, e até 1971, 139 casos. Os fatores etiológicos não são conhecidos, sendo postulados os genéticos, ambientais (componentes de petróleo, cromo e níquel, pó de madeira)7. Predominam no sexo masculino, na proporção de 5:1 em relação ao sexo feminino3, em caucasianos e na 5ª e 6ª décadas. Seu diagnóstico é tardio na maioria dos casos pela ausência de sintomas característicos ou achados radiológicos específicos.
Entre os sinais e sintomas mais freqüentemente relatados temos: edema localizado, dor, abaulamento progressivo em região fronto-orbitária, alterações oculares, rinorréia pio-sanguinolenta, epistaxe e obstrução nasal3, 6, 8, 9, 10, 11.
Figura 1. M. C. P., edema palpebral superior direito, abaulamento da raiz nasal, epífora e prejuízo da abertura ocular à direita.
Figura 2. M. Q. J., edema palpebral superior esquerdo, edema da região fronto-nasal esquerda.
O exame físico revela alterações como: abaulamento frontal e/ou supra-orbitário, alterações palpebrais, alterações locais da pele, alterações oculares entre outros3, 8.
O exame radiológico simples dos seios da face, na maioria das vezes se limita a demonstrar opacificação do seio frontal associada ou não a comprometimento ósseo local e extensão para as adjascencias8, 10, 12.
A incidência precisa dos diferentes tipos histológicos é desconhecida, mas existe predomínio dos carcinomas epidermóides5, 6, 11, 13, 14.
Pela raridade, achamos oportuno descrever nossa experiência com os 3 casos atendidos em nosso Serviço, relatando as dificuldades diagnósticas e a conduta adotada.
CASUÍSTICAOs três pacientes foram atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo no período de 1970 à 1994.
Caso 1: M. C. P., feminina, 64 anos, branca. Há OS meses edema palpebral superior direito, algia frontal, epífora, xerostomia, obstrução nasal e epistaxe. Há 03 meses progressão do abaulamento palpebral e da algia frontal com prejuízo da visão ipsilateral pelo edema: local (figura 1). O exame loco-regional revelou abaulamento da região frontal com invasão das regiões orbitária e glabelar à direita, endurecido c doloroso à palpação, sem sinais logísticos. Sem alteração à rinoscopia anterior e posterior-. Ausência de linfadenopatia cervical. Fundoscopia normal. Foi realizada punção do seio frontal sem saída de secreção. A planigrafia revelou erosão da órbita com presença de sequestro ósseo e à tomografia computadorizada evidência de comprometimento da parede posterior do seio frontal. Foi internada com hipótese diagnóstico de osteoimielite frontal recebendo antibioticoterapia de amplo espectro, sendo submetida à cirurgia por acesso bicoronal, visualizando-se processo tumoral em correspondência com o seio frontal direito com erosão de aproximadamente 90% da parede posterior, com exposição da difira-máter, sem comprometê-la. Havia acometimento do teto tia órbita direita e ampla comunicação com labirinto etmoidal direito. Foi realizada exérese parcial da massa tumoral, mucosa do seio e periósteo. O exame anátomo-patológico revelou carcinoma adenocístico invasivo. A paciente foi submetida a radioterapia pós-operatória, tendo abandonado o seguimento.
Caso 2: M. Q. .1., feminina, 61 anos, branca. Há 0,5 meses edema palpebral superior esquento. Há 02 meses flor e aumento do edema para região fronto-nasal esquerda e dificuldade para visão (figura 2). Nega queixa de obstrução nasal ou epistaxe. O exame físico revelou abaulamento da região fronto-nasal e edema palpebral superior esquerdo, indolor à apalpação, de consistência sólida e sem sinais flogísticos.
Figura 3. Tomografia computadorizada mostrando massa em região frontal corra extensão para região intracraniana.
À rinoscopia anterior e posterior não foi observada nenhuma alteração. Ausência de linfadenopatia cervical. Radiografia simples revelou opacificação de todo seio frontal esquerdo com apagamento do contorno orbitário súpero-interno esquerdo, dados confirmados pela planigrafia. Foi submetida à cirurgia por via coronal, sendo encontrada massa tumoral ocupando seio frontal direito, com exposição da dura-máter. Foi realizada exérese do tumor na sua quase totalidade. O exame anátomo-patológico revelou carcinoma indiferenciado. Foi feita complementação terapêutica com radioterapia. Paciente não retornou para seguimento.
Caso 3: J. B., masculino, 58 anos, branco, referia abaulamento progressivo, doloroso em região frontal mediana com piora há 18 dias. Negava febre, obstrução nasal ou alterações oculares. O exame loco-regional mostrou abaulamento frontal fibroelástico e indolor à palpação. A rinoscopia, notou-se presença de pólipo cm fossa nasal esquerda. O exame radiológico dos seios da face revelou velamento bilateral de ambos os seios frontais e extensa lesão lítica em região frontal com extensão para região etmoidal. À tomografia computadorizada, observou-se massa em região frontal coro expansão para região intracraniana (figura 3). O paciente foi submetido à cirurgia por acesso bicoronal, revelando massa em região frontal mediana com erosão de paredes internas e externas dos seios frontais com aderência à dura-máter e tecido celular subcutâneo. A massa foi ressecada em sua totalidade. O exame anátomo-patológico revelou carcinoma epidermóide moderadamente diferenciado e invasivo. O paciente foi encaminhado para radioterapia, abandonando o tratamento.
DISCUSSÃOA neoplasia maligna dos seios frontais é rara e poucos citada nos livros e revistas apesar de causar dor, abaulamento frontal e edema palpebral com grandes dificuldades diagnósticos. Seu diagnóstico é difícil e tardio, urna vez que os seios frontais não exercem nenhuma função vital; o processo é lento e insidioso pela falta de. características clínicas e radiológicas bem definidas.
O período médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico é de aproximadamente 3 meses, quando a doença já se encontra, na maioria dos casos, erra estado avançado15. Erra nossos casos, este também foi o tempo médio de diagnóstico.
Em nosso serviço, num período de 24 anos tivemos apenas estes 3 casos, o que confirma a raridade desta afecção.
Os exames clínico c radiológico não são específicos o que nos levou a considerar outros diagnósticos mucocele, piocele, osteoma, tumores císticos, osteomielite, mestástases, invasão de tumores das adjascências), ficando o tumor maligno primário do seio frontal corno diagnóstico de exclusão. Na nossa casuística, 2 casos2, 3 tiveram diagnóstico inicial de mucocele frontal e o outro1 de osteomielite frontal.
O estudo anátomo-patológico é o único meio para o diagnóstico definitivo e preciso16. A abordagem terapêutica permanece um desafio e a pequena casuística dos autores não permite estudo comparativo entre as modalidades de tratamento para verificar-se sua eficácia, não sendo possível estabelecer-se linha terapêutica definitiva. A opinião geral porém, fala a favor da associação cirurgia-radioterapia. A radioterapia também pode ser exclusiva como tratamento paliativo nos casos de irressecabilidade18. A conduta adotada nos 3 casos apresentados foi esta; infelizmente, não pudemos obter o seguimento, uma vez que os pacientes o abandonaram.
O desenvolvimento da cirurgia crânio-facial vem se apresentando como alternativa que permite ressecção ampla em tumores avançados que junto com a radioterapia pós-operatória seria usada como tentativa de melhorar o prognóstico, que na literatura em geral se apresenta sombrio. Brownson et al6 descreveram em sua revisão da literatura apenas um paciente com sobrevivência acima de 5 anos.
A disseminação metastática é infrequente, sendo a extensão intracraniana e as alterações visuais as complicações mais importantes6, 17.
Os fatos expostos demonstram a importância de se documentar todos os casos de neoplasia do seio frotal para que possamos compreender melhor a história natural e a evolução desta patologia. A descrição destes 3 casos tem também o intuito de chamar a atenção dos especialistas para o diagnóstico dessa doença que, apesar de rara, traz muita dor e sofrimento ao paciente e seus familiares; alertando para a sua ocorrência, poderemos fazer diagnósticos mais precoces tentando melhorar o prognóstico.
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* Pós-Graduandas da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Professor Associado da Clínica de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica e LIM 32 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Serviço do Professor Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Av. Prof. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6° andar, sala 6001 - São Paulo - SP - Brasil - CEP 0.5403-000.
Artigo recebido em 22 de março de 1995.
Artigo aceito em 10 de maio de 1995.