ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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209 - Vol. 32 / Edição 1 / Período: Julho - Dezembro de 1964
Seção: - Páginas: 97 a 102
ANTONIO PRUDENTE CORRÊA (1915 -1964)
Autor(es):
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Com grande pezar, o Conselho de Redação consigna nêste número, a homenagem póstuma, àquêle que foi um dos incansáveis trabalhadores da Revista, Professor Antônio Prudente Corrêa.

O saudoso colega, era filho do Sr. Prudente Corrêa e de Dna. Ester Pereira Corrêa, neto do Barão e da Baronesa do Rio Pardo. Casado com Dna. Célia Lima Horta Corrêa, deixou 3 filhas.

Em 27 de fevereiro de 1964, realizou-se uma sessão, em Homenagem Póstuma ao Dr. Antônio Prudente Corrêa, no Departamento de ORL da Associação Paulista de Medicina, ocasião em que o Professor Raphael da Nova, evidenciando a sensível perda sofrida pela Otorrinolaringologia Brasileira proferiu a seguinte oração:

O Presidente do Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina confiou-me a missão de proferir, em nome do Departamento, uma palavra de Saudade ao nosso companheiro, Antônio Prudente Corrêa, digno e respeitado, mercê dos dotes invulgares de coração e carácter e de especialista emérito, que praticou a Medicina sem um minuto sequer se afastar dos princípios rígidos, exigidos no juramento de Hipócrates.

Quando do seu sepultamento, ao interpretar o adeus dos companheiros da Clínica Otorrinolaringológica, tive ocasião de afirmar, tomado de emoção, que aquela ausência abria um grande vazio no seio dos especialistas brasileiros.

Hoje renovo a afirmativa, e quiçá com maior ênfase, pois sinto que está a merecer a aprovação de todos os que participam desta solenidade.

Volvendo as fôlhas do seu curriculum, verifica-se que no ano de 1933 elegia êle a sua novel profissão ao matricular-se no curso médico de nossa Faculdade, recebendo grau no ano de 1939.

Desde logo mostrou pendor pela otorrinolaringologia, ingressando na Clínica do Prof. Paula Santos, onde aperfeiçoou os seus conhecimentos sôbre a especialidade.

Iniciou a carreira universitária, com a sua nomeação para Assistente extra-numerário da Clínica.

Estagiou longamente no setor de endoscopia e no de cancerologia relacionada com a especialidade, vindo a tornar-se um destacado cancerologista.

Em 1947 passou a Assistente oficial, cargo que exerceu até a data de sua morte.

Em 1959 obteve o título de Docente-livre, após um memorável concurso.

Participou ininterruptamente das atividades da Cátedra de O.R.L., durante o tempo em que estêve investido no cargo de Assistente. Publicou para mais de cinquenta trabalhos que o credenciaram a uma posição de destaque entre os especialistas brasileiros.

Dentre as publicações sobressaem os seus estudos sôbre o Fibroma nasofaríngeo juvenil e a Leishmaniose americana; a terapêutica da Estomatite ulcerosa e gangrenosa pelo ácido nicotínico, e a monografia sôbre a Otite média crônica colesteatomatosa, sua tese de Docência.

Em 1962, obteve, por concurso, o cargo de Chefe do Serviço de O.R.L. do Hospital do Servidor Público Estadual.

Entre os seus títulos honoríficos figuram:
Sócio titular da Academia de Medicina de São Paulo;
Membro do Collége International des Cirurgiões;
Membro do KAtnerican College of Surgeotts ;
Membro correspondente da Societé Française d'Oto-RhinoLaringologie e
Membro títular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

São estes alguns dos feitos que aqui vim recordar, dêste verdadeiro Cavalheiro da dedicação e da renúncia.

Em tôda a sua vida escreveu uma ode ao Trabalho, que foi o motivo das suas vigílias, por fim recompensadas pelas láureas que conseguiu amealhar.

"Gratia labor tibi solatio praebes": Bendito sejas ó Trabalho, que trazes a consolação.

Quiz a fatalidade que bem cedo tocasse ao térmo de promissora e brilhante carreira. Mas o seu exemplo ficará, tal qual o vaticínio de Abou'lkasim Firdousi no "Livro dos Reis".

"Eu fiz uma obra, ó Rei, que ficará como lembrança minha no mundo. Os palácio que se constróem cáem em ruivas sob as chuvas e o ardor do sol. Eu criei com os meus versos um palácio magnífico, que jamais será destruído pela tempestade e a chuva. Os anos passarão sôbre êle, mas todos os homens de sentimento o recordarão".

No dia 6 de junho de 1964, realizou-se no Hospital dos Servidores Públicos do Estado, na Clínica ORL, Homenagem Póstuma, àquêle que foi o primeiro chefe dêsse serviço. Na ocasião, inauguraram o retrato do Dr. Corrêa na sala de Chefia do serviço. O Dr. Reynaldo Neves de Figueiredo, Diretor Superintendente do Hospital, pronunciou a seguinte oração:

"Nós aqui estamos reunidos para, de uma maneira simples, homenagear a memória de Antônio Prudente Corrêa, tão precocemente tirado por Deus do nosso convívio. Ele foi o primeiro chefe do Serviço de Otorrinolaringologia dêste Hospital. Como éramos muito bons amigos e trabalhamos muitas vêzes juntos na Clínica de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de São Paulo, no Hospital das Clínicas, tive o privilégio de o conhecer bem. Dotado de inteligência poderosa, movida por uma vontade de aço, Antônio Prudente Corrêa conseguiu somar conhecimentos extraordinários. Possuia ambição como convém ao médico que deseja projetar-se nos meios médico-científicos e na sociedade. Era livre-docente da Cátedra de Otorrino. Tinha experiência de cirurgia geral, de modo que se podia fàcilmente notar a delicadeza e segurança de seus gestos, sobretudo a segurança de seus conhecimentos anatômicos e fisio-patológicos, excepcionalmente naqueles casos de cirurgia de tumores do rosto, coutas vêzes de carácter invasivo, ou nas delicadas timpanoplastias.

Não basta, porém, recordar o especialista, o cirurgião, o médico. É preciso ir-se além. Antes de sermos médicos, somos homens. O Dr. Corrêa possuía tôdas aquelas qualidades que possibilitam ao médico tornar-se excelente homem; e, ao homem, excelente médico. Pai amoroso e espôso exemplar, êsses sentimentos profundos de família quase não se alteravam no trato com os amigos, com os doentes, até com pessoas extraultas. Corrêa fêz, em tôda sua generosa vida, o mais belo proselitismo do "amai-vos uns aos outros".

Essas virtudes das quais são tão carentes, nos dias que correm, as criaturas, deveriam ser reavaliadas, aferidas e investidas na grande obra de solidariedade humana de que o indivíduo, o grupo, a sociedade e mundo andam tão necessitados. Entendo necessário desenvolver harmoniosa e equilibradamente as três faculdades superiores do Homem: a inteligência, a vontade e a afetividade. Parece-me que a maioria das criaturas despende todo o esfôrço possível da vontade, desenvolvendo a inteligência com o fim de adquirir o máximo cie conhecimentos científicos, em todos os setores da atividade humana. Esquecem-se essas criaturas, todavia, da observação, pela razão, que estão apenas produzindo um amor excessivo dentro de si mesmas, para si mesmas. Esse egoísmo levará fatalmente a uma formação desiquilibrada da personalidade.

Melhor seria investir igual esfôrço também da afetividade, pela qual se chega à caridade. Ora, sòmente desta maneira de vontade no desenvolvimento ao amor do próximo, à renúncia, poder-se-á reduzir o amor de si mesmo ao nível de normalidade e portanto combater o egoísmo, restabelecendo o equilíbrio da personalidade e tornando possível a aquisição de sabedoria ao lado da ciência.

Estas finalidades devem ser procuradas invariàvelmente. São indispensáveis a todos que trabalham em um hospital - lugar onde praticamos a verdadeira caridade. Os doentes em sua maioria, por causa mesmo da doença que os acomete, não estão em condições de pensar, de raciocinar e de agir normalmente. Então é preciso que os que trabalham no hospital estejam em condições de pensar, de raciocinar, de agir dentro da normalidade e de sacrificar-se para que os doentes recebam o tratamento desejado.

A obtenção dêsse equilíbrio, entretanto, não é fácil. Pelo contrário, exige grande esfôrço de vontade, transforma-se em uma luta continuada e contínua contra si mesmo, uma verdadeira guerra íntima.

Pois bem, se é imperdoável, a um médico não possuir ao menos a tendência ao equilíbrio dessas faculdades, posso afirmar-lhes que o Dr. Corrêa possuía êsse equilíbrio e assim mesmo podia-se observar aquela luta contínua a que me referi, no sentido de seu aperfeiçoamento pessoal. Êle foi permanentemente, durante tôda sua vida, um espírito ávido, ambicioso, à procura da perfeição. Mas não desejava atingir metas tão altas e invejáveis para usufruí-las, mas sim, para convertê-las a serviço e benefício de todos aquêles - poderosos ou humildes - que viveram sob o raio da ação da sua inteligência, da sua vontade e da sua grande afetividade.

Que Deus, Onipotente e Justo, receba na sua divina casa o bom amigo Antônio Prudente Corrêa.

Oferecemos esta pequena e obscura homenagem a Antônio Prudente Corrêa. Damos menos do que levamos. As grandes existências - como anotou o padre Antônio Vieira - mesmo depois de extintas continuam multiplicando bens. Basta lembrá-las, basta citá-las, basta imitá-las.

Diante do companheiro invisível, nesta manhã de saudades e emoção, outra coisa não fizemos senão tomar-lhes o exemplo".

Aos 18 de julho de 1964, realizou-se na Clínica ORL da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a Homenagem Póstuma dos colegas da Clínica, os quais, desejando perpetuar a
memória de Antônio Prudente Corrêa, inauguraram uma placa de bronze, no Ambulatório da Clínica, a qual foi descerrada pela Sra. Célia Lima Horta Corrêa. Constam da placa os seguintes dizeres:

AO COMPANHEIRO ANTÔNIO PRUDENTE CORRÊA TRIBUTO DE ADMIRAÇÃO E SAUDADE DOS COLEGAS DA CLINICA ORL. 1947-1964.

Na ocasião, em nome dos colegas da clínica, usou da palavra o Dr. Décio Mion, proferindo a seguinte oração:

Aqui estamos, para perpetuar no bronze, a memória daquêle que foi o cidadão, o médico, o pesquizador, o chefe, o colega e o amigo: Dr. Antônio Prudente Corrêa.

Queríamos muito a oportunidade de nos dirigir ao pranteado colega em reunião que se nos afigurava próxima, quando, atingindo o cargo de Professor Associado, teria coroado mais um gráu de sua brilhante carreira universitária, para então podermos ressaltar suas destacadas qualidades morais de chefe, colega e amigo.

Deus assim não o quis! E aqui estamos, coração angustiado, com a difícil tarefa de recordar a vida de tão ilustre colega. Custoso nos é evocar as lutas e os eventos em que estivemos juntos, em busca de um mesmo ideal, quando o coração e os sentimentos falam mais que o cérebro.

Nascido às margens do Rio Pardo, naquela São José, cidade de tradlição de cultura e inteligência, que viu Euclides da Cunha escrever as páginas imortais dos Sertões, foi, com o calor da sua mocidade, fazer os estudos secundário no famoso "Culto à Ciência" na "acidade das andorinhas", indo depois para a Paulicéia, trazendo dentro d'alma um ideal, enfrentar a luta ingente de cidade grande, tentando vestibular na Casa de Arnaldo.

Trazia como armas a inteligência, a persistência, o método de estudo e de trabalho e a certeza de vencer.

Homem de princípios rígidos, hauridos na casa paterna, não tinha meias medidas: o certo era o certo e o errado era o errado.

Como assistente da Clínica ORL da Faculdade, assimilou com facilidade os ensinamentos de seus mestres, Professores Paula Santos e Raphael da Nova, progredindo na especialidade e culminado na carreira universitária no seu brilhante concurso de Docência.

Como Chefe de clínica, na convivência diária com os colegas, na rotina de trabalho, foi sempre um verdadeiro chefe, sincero e amigo, rude certas vêzes, para poder fazer prevalecer a justiça, a verdade.

Era disciplinado e disciplinador, sua personalidade marcante fazia-o chefe respeitado e respeitador.

Conseguia com inigualável equilíbrio, manter harmônica a escala hierárquica, atendendo sempre o amigo, solícito, porém, conhecia bem e fazia sentir de maneira decisiva, até onde ia a amizade e onde se iniciava a obrigação. Podia exigir muito dos seus amigos e colaboradores, porque exigia o máximo de si mesmo.

Todos os colegas, subordinados e clientes, sabiam que podiam contar com sua lealdade, a palavra certa, o conselho exato.

Naquela estrutura monolítica, seus filhos, sua esposa e seus amigos, sabiam existir um coração bondoso.

Sua ascenção brilhante na carreira que abraçou é um exemplo às gerações presente e futuras, de que a inteligência, a persistência, a honradez e a cultura, quando unidas, vencem nesta terra.

Ao transpor o último obstáculo, para atingir o pináculo da carreira, fôste ceifado em pleno viço, e tombaste como um carvalho fulminado pelo raio, na crista da montanha. Deus assim quis! Altos juizos os seus.

Deste colega, deste amigo, podemos repetir as palavras escritas nos evangelhos: Curta foi sua existência, porém longos foram seus dias, pois a vida do homem não se mede pelos dias transcorridos e, sim, pelo que fez de útil, pela bondade, pela amizade, pelo amor que semeou ao longo do caminho.

Ao descerrarmos esta placa, neste preito de justiça, de amizade e de carinho, estou certo de que, mais durável do que o bronze, você Corrêa, viverá através das gerações que por aqui passarem, no exemplo, nos ensinamentos aqui deixados e no coração e na saudade dos seus colegas e amigos.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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