ISSN 1806-9312  
Terça, 16 de Abril de 2024
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2075 - Vol. 44 / Edição 1 / Período: Janeiro - Abril de 1978
Seção: Artigos Originais Páginas: 46 a 54
PERTURBAÇÕES VESTIBULO-COCLEARES APÓS CIRURGIA DO OUVIDO MÉDIO*
Autor(es):
Dr. Rudolf Lang **

Dispomos hoje de inúmeras técnicas cirúrgicas envolvendo o ouvido médio para as mais diversas patologias. Nosso comentário entretanto ficará restrito a duas patologias que são as mais freqüentes: otoesclerose e otite média crônica supurativa, especialmente o colesteatoma. Inicialmente vamos abordar os distúrbios vestibulares mais freqüentes nestes dois tipos de procedimentos cirúrgicos para logo após tecer considerações sobre os meios utilizados para preveni-los.

CIRURGIA DE OTOESCLEROSE

No tratamento cirúrgico de otoesclerose vamos encontrar as seguintes complicações vestibulares:
1. Labirintite serosa
2. Granuloma de reação
3. Cupulolitiase
4. Vertigem pós-operatória
5. Disacusia Neurosensorial
6. Fístula perilinfática
7. Labirintite supurativa

A labirintite serosa é freqüente e dificilmente comprovada, uma vez que a reação orgãnica conduz a reabsorção e normalização da sintomatologia. Um período muito longo de pouca discriminação, plenitude no lado operado e tipos diferentes de zumbidos podem ser os únicos sintomas desta reação.

O Granuloma de reação da maneira como foi descrito por Schucknecht (fig. 1), produz uma invasão no ouvido médio, enche o vestíbulo e conduz a uma degeneração vestíbulo coclear se não for feito um diagnóstico precoce, reabrindo a ouvido médio. Os sintomas são os mesmos da labirintite serosa, mas por um período mais prolongado.



Fig. 1



Cupulolitiase também foi descrita por Schucknecht como sendo uma futura complicação após a estapedectomia.

A vertigem pós-operatória pode ser de curta duração ou permanente. Decorre do manuseio Intempestivo do vestíbulo, seja por aspiração direta da perilinfa ou por penetração de sangue ou fragmentos da platina do estribo. Na figura n.° 2 do E.R.I. (EAR RESEARCH INSTITUTE) podemos ver um fragmento da platinado estribo no vestíbulo. E na fig. n.° 3 também do E.R.I., um fragmento da platinado estribo em contato como sáculo após estapedectomia.


Fig. 2



Fig. 3



Algumas vezes pode haver uma aderência entre o tecido conectivo que substitue a platina do estribo com o século e pode ser responsável por um longo período de episódios de vertigens. Na fig. n.° 4 podemos observar aderências em uma preparação histológica do E.R.I.



Fig. 4



Também uma prótese muito longa pode causar irritação e dano permanente ao vestíbulo.

A disacusia neurosensorial pode se traduzir por uma simples queda nos agudos até anacusia. Este é o problema do ouvido interno mais freqüente que encontramos em nossa experiência.

Nas figuras 5 e 6 podemos ver os audiogramas pré e pós operatórios de um paciente com otoesclerose. Em alguns casos encontramos uma queda auditiva plana e em casos raros, menos de 2%, temos perda total da audição. A degeneração coclear pós-operatória é um fenômeno de rara ocorrência para a qual até a presente data não temos uma explicação coerente. Em alguns casos a cirurgia transcorreu sem nenhum problema e encontramos uma degeneração coclear. Em outros casos, temos diversas dificuldades durante a cirurgia, como a penetração de sangue ou fragmento da platina do estribo no vestíbulo e, no entanto, a evolução pós-operatória mostra um perfeito fechamento da diferencial aereo-ósseo.



Fig.5



Fig. 6



A fístula perilinfática raramente se apresenta como complicação recente. Sua ocorrência é tardia mesmo 10 ou 15 anos após cirurgia sobre vestíbulo como demonstraram os casos n.° 1 e 2 a seguir.

Caso n.° 1 - Y.L.S. 56 anos. F. Consulta O.R.L. em 06.02.75 - Estapedectomia OE há 12 anos. Súbito episódio de vertigens há 2 meses e por uma semana zumbido no O.E. Reconsulta em 18.01.77, com vertigens, zumbido e surdez no O.E.

O audiograma da figura n.° 7 foi feito em 19.01.77 e apresenta uma disacusia neurosensorial, e somente 22% de discriminação.

Em 18.07.77 timpanotomia OE., achamos fistula perilinfática por um tubo de polietileno. O tubo foi removido e a janela oval obliterada com tecido conectivo amarrado a uma prótese deaço. Reconsulta após alguns meses apresentou perda total da audição e total alivio do zumbido e vertigens. O paciente no entanto preferiu a perda auditiva à ter vertigens e zumbido.



Fig. 7



Caso n.° 2. R. I. 57 anos. M. Otoesclerose AO. - Em 1982 estapedectomia OE. com bom resultado auditivo. Em 01.03.77 estapedectomia OD., também com bom resultado auditivo. Em 19.08.77. súbito episódio de vertigem e perda auditiva no OD, como pode ser visto no audiograma da figura n.° 8. Em 09.11.77 timpanotomia. Também achamos fistula perilinfática ao redor e por dentro de um tubo de polietileno que foi removido e substituído por uma prótese de aço de 4 mm com gelfoam.



Fig. 8



A evolução pós-operatória que vemos na fig. n.° 9 mostra muito bom resultado e alívio total de vertigens e zumbidos.

Os sintomas de fistula perilinfática são geralmente agudos e repentinos. Perda de discriminação com acentuada disacusia neurosensorial associados a vertigens pela mínima mudança de posição da cabeça ou por limpeza do canal em um paciente que teve uma boa recuperação auditiva pós-operatória, são sinais sugestivos de fístula perilinfática. É importante a realização de um diagnóstico precoce uma vez que a demora na solução pode significar perda irreversível da audição, Intensos zumbidos e vertigens.



Fig. 9



Na figura n.º 10 vemos parte de uma fístula perilinfática da janela oval após estapedectomia.

Quanto à labirintite supurativa, felizmente sua ocorrência é rara devido ao uso profilático de antibioticoterapia. Quando chega a ser ocorrência conduz invariavelmente à degeneração cócieo-vestibular.



Fig. 10



CIRURGIA DE OTITE MÉDIA CRÔNICA SUPURATIVA

Como decorrência do manuseio do ouvido médio no ouvido Ironicamente infectado, nos deparamos com poucas complicações vestibulares. A perda neurosensorial de audição, principalmente com a queda nos agudos é a ocorrência mais freqüente em relação ao ouvido interno.

No entanto se o paciente é portador de colesteatoma que determina erosão no canal semicircular, ou da procria coclea que pode ocorrer com rara freqüência, podemos ter complicações se houver abertura por inadvertência destas porções do ouvido interno.

O estudo histológico das coleções de Schucknecht são de um paciente com mastoidectomia (Fig. 11). Após a operação o canal foi aberto e uma labirintite secundária e fibrose com hidropsia do labirinto foram encontradas. As vezes um deslocamento da platina do estribo para o vestíbulo durante e após cirurgia de ouvido crônico como vemos na figura 12, pode produzir danos ao ouvido interno. Igualmente uma infecção bacterial aguda da cóclea, como podemos ver na fig. n.° 13 pode ser resultado de manuseio do ouvido médio durante a cirurgia.



Fig. 11



Fig. 12



Fig. 13



Após infecção bacterial ou trauma cirúrgico das 2 porções do ouvido interno podemos encontrar fibrose e ossificação secundária como podemos ver na Fig. n.º 14.



Fig. 14




No capitulo seguinte abordaremos quais os cuidados que devemos ter para evitar complicações cóclea vestibulares na cirurgia do ouvido médio.

COMO PREVINIR COMPLICAÇÕES VESTIBULARESNA CIRURGIA DO OUVIDO MÉDIO

Cuidados gerais como, seleção adequada de pacientes para a cirurgia, assepsia rigorosa no pré-operatório, instrumental e iluminação corretas além de anestesia geral ou local bem conduzidas deixam de ser comentadas em particular, mas são de grande importância na prevenção de problemas pósoperatório. Nos limitamos a comentar detalhes específicos em cada uma das cirurgias.

NA OTOESCLEROSE

Os seguintes Itens devem ser observados por ordem cronológica:
1. Boa exposição do campo operatório.
2. Antes de fraturar o estribo, sempre que possível puncionar o centro da platina para evitar descompressão brusca do vestíbulo.
3. Evitar penetração de instrumentos no vestíbulo.
4. Evitar penetração de fragmentos de platina e sangue no vestíbulo. 5. Evitar aspiração do vestíbulo.
6. Evitar deixar o vestíbulo aberto por longo tempo.
7. Obliterar o vestíbulo com cuidado e com tecido vivo. 8. Usar prótese nas dimensões corretas.
9. Se houver penetração de fragmento de platina ou sangue no vestíbulo, evitar tentativa de remoção.
10. Na otoesclarose obliterativa evitar o uso de frezas elétricas.

NA CIRURGIA DE OTITE MÉDIA CRÔNICA

1. Usar sempre aspiração-irrigação a fim de manter o campo operatório limpo e evitar o aquecimento das estruturas ósseas.
2. Evitar succionar próximo às janelas.
3. Na presença de fistula de canal semi-circular lateral, tomar as seguintes precauções:
a) Isolar a matriz que recobre a fistula e proceder todo o restante da cirurgia antes de voltar ao local;
b) Se o paciente for portador de fístula em um único ouvido funcionante, procedera mastoidectomia radical modificada;
c) Se o outro ouvido for normal, realizar tentativa de remover o epitélio escamoso sem abrir o canal, (em 16 segmentos)
d) Se for impraticável a remoção total da matriz na técnica fechada reabrir a mastoide após período de 3 a 6 meses.
4. Não abrir o vestíbulo concomitante a procedimentos miringoplàsticos. Mesmo em se tratando de ouvido seco há vários meses, se houver fixação de platina do estribo por oto ou timpanoesclerose, dar preferência a procedimentos de 2 tempos.

Na cirurgia do ouvido médio devemos sempre ter em mente que qualquer agressão ao ouvido interno pode conduzir a danos que geralmente são irreversíveis, enquanto que os erros cometidos na fenda auditiva na grande maioria das vezes são reparáveis.




Endereço do autor: Instituto de Otologia Andradas, 1711 - 3.° andar 90.000 - Porto Alegre/RS

* Conferência proferida na 5.ª Reunião Cientifica da Soc. de Neuro-otologia e Equilibriometria, em Bad-Kissingen, Alemanha, de 3 a 5 de março de 1978.
** Prof. Titular da Disciplina de O.R.L. da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Brasil.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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