ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2060 - Vol. 61 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 179 a 186
CISTOS DE PREGAS VOCAIS - ANÁLISE DE 96 CASOS.
Autor(es):
Nédio Steffen*,
Maristela B. Moschetti**,
Rejane T. Zaffari**.

Palavras-chave: Cistos, pregas vocais, patologia benigna, laringites, mucosa, disfonia

Keywords: Cysts, vocal folds, benign lesions, laringitis, mucosa, horseness

Resumo: Revisando os prontuários e exames videoendoscópicos no período de janeiro de 1991 a abril de 1994, forma encontrados 96 rasos com diagnósticos final de "Cisto de Prega Vocal". Esta lesão benigna produz alteração funcional na voz, originando disfonia e fadiga vocal. Foi constatada nítida relação entre o uso profissional da voz e o aparecimento desta patologia. O estudo histopatológico e os achados clínicos levaram-nos a propor nova sistematização quanto à nomenclatura: cisto do tipo epidémico, do tipo anexial e pseudocisto, segundo seu conteúdo, revestimento epitelial e localização. A idade de prevalência foi entre 31 a 40 anos, acomentendo mais o sexo feminino. Considerada lesão de difícil diagnóstico na falta de recursos ópticos, muitos pacientes vieram à consulta com outros diagnósticos. O exame clínico mais acurado para o diagnóstico de lesão cística de prega vocal e a laringoscopia corri fibra óptica e magnificação de imagem. O tratamento mais efetivo é a microcirurgia ele laringe seguida de fonoterapia.

Abstract: The aurthors made a revision in their patients' forms and video endoscopy exams performed between january 1991 to april 1994, and found 96 cases of "cysts of vocal folds". This benign lesion causes voice disorders, horseness and vocal fatigue. A clear relationship was confirmed between the professional use of the voice and the appearance of this pathology. The histopathology study and clinical findings suggest a new proposal for a terminology: epidermic cyst, anexial and pseudocyst, according to its composition, covering epithelium and localization. The average age of the patients was between 31 and 40 years and the predilection was for the female sex. The diagnosis is considerad difficult without optic systems. Many patients came to the office with another diagnosis. The most accurate clinical exam for the diagnosis of the cyst lesion o f the vocal fold is the laringoscopy with optic fibers and magnification of image. The most effective treatment is the microsurgery of the larynx and after that we recommend voice therapy.

INTRODUÇÃO

O revestimento mucoso do músculo vocal é sede de inúmeras patologias, representando a principal causa de alteração na qualidade vocal. As reais freqüentes aí encontradas são representadas pelos nódulos, pólipos, edema de Reinke, lesões hiperplásicas, leucoplasias, papilomas e neoplasias malignas, as quais são na sua grande maioria de fácil diagnóstico. Algumas, por sua dificuldade diagnóstica podem ser agrupadas nas assim chamadas alterações estruturais mínimas. Entre outras situara-se os "cistos" de prega vocal1.

Na Harmonia histológica do revestimento da prega vocal reside boa dualidade vocal. Foi nos trabalhos de Minoru Hirano2 que ficaram assentados os princípios básicos da fonocirurgia. A correta interpretação das anomalias desta túnica mucosa é que conduzem aos diagnóstico e terapêutica adequados.

A prega vocal apresenta duas porções distintas: uma fonatória e outra respiratória. A primeira é representada pela porção anterior e uma linha situada entre as apófises vocais, porção membranosa.



Foto 1. Cisto anexial bilateral. Notar o conteúdo hialino, translúcido, ausência de hiperemia e vasos telangectásicos. Vê-se que as lesões não comprometem o ligamento vocal.



Foto 2. Cisto do tipo epidérmico. Vista por microlaringoscopia sob anestesia. Prega vocal direita de aspecto "gravídico", com abaulamento no seu interior no terço médio, neoformação vascular, vasos horizontalizados, hiperemia localizada e sinais de birrefringência.



Foto 3. Cisto aberto. Vista por videoendoscopia com telescópio de 70 graus e magnificação de imagem. Vê-se conteúdo do cisto sendo expulso. Lesão no terço anterior da prega vocal esquerda.



Foto 4. Foto tirada no transoperatório de cisto do tipo epidérmico. Ver conteúdo líquido e gasoso sendo expelido pelo bordo inferior, quando da compressão da face superior da prega vocal direita.



A que se situa posteriormente à apófise vocal é a porção cartilaginosa, e alterações no seu revestimento mucoso a este nível causam muito pouco impacto vocal. No adulto, a proporção normal entre estas duas é de 3:22. Muito embora sejam descritas alterações fonatórias por desproporção glótica1, a nosso ver não se constituem em causas marcantes e não serão objeto de discussão no presente trabalho por não apresentarem alterações histopatológicas da túnica mucosa, acrescidas do fato de não serem da região fonatória.

A prega vocal é um conjunto formado por mucosa e músculo. Por sua vez, a mucosa é constituída por epitélio de revestimento e pela lâmina própria. Na borda livre da prega vocal (área nobre da qualidade vocal), o epitélio é plano estratificado, escamoso, e a lâmina própria apresenta três níveis: superficial, médio e profundo. A camada superficial é chamada também de espaço de. Reinke, é frouxa, móvel, permitindo boa amplitude de ondulação, já a cantada média é rica em fibroblastos c a profunda em fibras colágenas. Estas duas últimas camadas, (média e profunda) formam o chamado "ligamento vocal", intimamente conectado com o músculo vocal (tiroaritenoídeo)2.

Pequenas ou diminutas alterações na cobertura do músculo vocalis podem, por sua natureza ou localização, provocar impacto na qualidade vocal do indivíduo e oferecerem grande dificuldade diagnóstica à tradicional laringoscopia indireta com espelho de Garcia. Neste grupo de difícil diagnóstico diferencial por este método, incluem-se os nódulos, edemas localizados, cistos, hiperplasias, sulcus vocalis, ponte mucosa, vasculodisgenesias e cisto aberto, entre outras1.

Em relação à patologia cística das pregas vocais, diferentes autores referem-se à mesma com nomenclatura variada, terminologia própria segundo seu aspecto clínico, cor, transparência e localização nas pregas vocais. Assim, encontramos: cisto epidermóide intracordal3, dividindo-se em verdadeiros e falsos.



Foto 5. Foto transoperatória de cisto do tipo epidérmico da prega vocal esquerda, na qual percebe-se a expulsão de material córneo, semelhante à pérola de colesteatoma.



Foto 6. Cisto do tipo epidérmico. Visão microscópica anatomopatológica. Células epiteliais sendo contidas por epitélio escamoso plano estratificado, vendo-se a área de invaginação.



Foto 7. Cisto do tipo epidérmico. Visão transoperatória. Aspecto nodular intracordal na prega vocal esquerda, de coloração perolada.



Foto 8. Cisto do tipo anexial. Foto por videoendoscopia com telescópio de 70 graus e magnificação de imagem. Lesão cística, de conteúdo hialino, destacando-se do ligamento vocal quando da formação inspiratória. Ausência de lesão contralateral.


Cisto de inclusão epidermóide, para os falsos3. Cistos mucosos de retenção, para os devido a obstrução de dueto glandular4. Cisto de retenção, cisto mucoso e cisto de câmara dupla5. Cisto aberto e cisto fechado1. Cisto hemorrágico multilobulado6. Laringopatias exsudativas do espaço de Reinke7, onde a patologia cística estaria situada em diferentes estágios das alterações histopatológicas relacionadas à fibrose, ectasia vascular com sufusão hemorrágica e edema, daí surgindo os nomes de "pseudocisto", pseudoangioma capilar, pólipo hialino, pseudomixorna etc.

Com o intuito de tentarmos uniformizar tais denominações com seu real sentido histopatológico, prol usemos-nos a revisar os casos dos pacientes diagnosticados como sendo portadores de "CISTOS", seus sintomas, evolução clínica, achados transoperatórios e histopatologia e, a partir daí, agrupá-los sob uma classificação clínico-histopatológica.

MATERIAL E MÉTODOS

A Videolaringoscopia na prática diária da clínica do autor senior, introduzida a partir de agosto de 1990, com magnificação das imagens laríngeas, permitiu informações para diagnóstico mais rápido e preciso. Revisamos os prontuários de 96 pacientes disfônicos cujo diagnóstico final foi de CISTO DE PREGA VOCAL. Optou-se pelo período de janeiro de 1991 a abril de 1994, devido à sistematização do exame, a partir daquela data.

Foram revisados as fichas clínicas e os correspondentes exames videoendoscópicos, os quais acham-se gravados em sistema VHS, NTSC. utilizou-se microcâmeras do tipo "solid state" Hitachi para os exames realizados com magnificação de imagem sob microlaringoscopia indireta, microcâmera Panasonic para os realizados com telescópio rígido de 70 graus Machida e 90 graus Storz; e uma Handy Câmera Sony provida com "shutter speed" e zoom de foco acoplados a telescópio de 70 graus Machida. A escolha de rima ou outra foi aleatória. Quando examinada a laringe com microscópio, utilizou-se 6, 10, 16 e 25 aumentos, com objetiva de 250 mm ou 350 mm para mulheres e homens, respectivamente. A fonte de luz alógena foi de 150 Watts.

Tabularam-se os seguintes dados: data cio exame, nome do paciente, registro, idade, sexo, profissão, sintomas c sua evolução, procedência (cliente, médico especialista, fonoaudiólogo, médico não especialista), tratamento prévio, uso de cigarro, abuso vocal, lesão unilateral, lesão bilateral, localização da lesão, lesões associadas, exames anatomopatológico e tempos de fonação quando existentes.

Dos 96 diagnósticos de cisto, 70 (73%) foram em mulheres e 26 (27%) eram de homens. A idade variou de 6 a 66 anos de idade, com prevalência na faixa dos 31 aos 40 anos.

Somente 38 (40%) pacientes foram submetidos à microcirurgia da laringe, sendo que os demais optaram por tratamento conservador ou operaram alhures.

As microcirurgias da laringe foram realizadas todas pelo mesmo cirurgião (autor N. S.) sob neuroleptoanalgesia, anestesia tópica e/ou bloqueio externo, e ventilação assistida com halotano através de uma sonda de Nélaton número 14 introduzida via nasotraqucal, permitindo ampla visualização da laringe. Utilizou-se magnificação de 25 aumentos cru microscópio Zeiss ou D. F. Vasconcellos, e em objetiva de 400 mm. A técnica cirúrgica utilizada foi cruenta sem uso de Laser. Por ser estudo retrospectivo e irão randomizado, algumas cirurgias foram filmadas e documentadas em video VI- IS, outras não. Os pacientes não receberam medicação antiinflamatória sistemática, tanto rio pré como no pós operatório, sendo prescrito algumas vezes, corticosteróides durante ou imediatamente após o procedimento cirúrgico quando se supunha que o trauma laríngeo exigia.

Muito embora fosse indicado tratamento fonoterápico pós operatório a todos, somente há registro em 22 dos 38 casos (58%). O tratamento fonoterápico foi realizado de acordo com a preferência de cada paciente, com diferentes profissionais, e o tempo variou de uma a oito semanas.

A análise do resultado de tratamento incluiu unia revisão pós operatória aos 15 dias e outra após 45 dias, em ambas sendo o exame gravado para reavaliação do aspecto da superfície mucosa da prega vocal c da qualidade perceptual auditiva. Os seguintes parâmetros foram verificados: configuração da prega vocal e da área glotal, e regularidade da vibração.

Na avaliação perceptual auditiva, julgou-se, conjuntamente com o paciente, a melhora da qualidade vocal, a ausência da soprosidade e o grau da diminuição da fadiga vocal. Foram verificados os tempos máximos de fonação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta revisão, no período de janeiro de 1991 a abril de 1994, os cistos corresponderam a 3% das queixas otorrinolaringológicas.

O sintoma clássico, que levou a grande maioria dos pacientes à consulta, foi a disfonia. A disfonia caracteriza-se por rouquidão com freqüência fundamental grave e voz diplofônica. Foi significativa a queixa de fadiga vocal associada à disfonia, sendo que alguns pacientes referiam que esta era a queixa principal, pois já estavam acostumados com sua voz rouca; porém o que lhes molestava era a fadiga vocal, adquirida mais recentemente.

Há registro de queixas de pigarro laríngeo, necessidade de limpar a garganta com freqüência, desconforto faríngeo, dor de garganta, secura ria garganta, tosse não produtiva. Alguns referiam necessidade de forçar para poder falar, com consequente cansaço.

As queixas foram mais significativas e enfatizadas pelos pacientes que faziam uso profissional da voz, ou que de uma forma ou outra praticavam abuso vocal (76%).

Há pacientes (16%) que retrospectivamente atribuíam piora da voz, que já era disfônica, após processo inflamatório agudo de vias aéreas superiores.

Em 3% havia exposição à inalação de produtos químicos considerados irritantes (agrotóxicos e químico-farmacêuticos).

Considerou-se tabagista, aquele que fuma em média 10 ou mais cigarros ao dia. Neste grupo, encontramos 24 pacientes. Curiosamente, todos eram portadores de cisto cio tipo epidérmico, intracordal, e nenhum de cisto anexial.

Quanto à evolução, a mesma variou de um mês a anos. Somente um paciente referiu disfonia corri aproximadamente um mês, e assim mesmo achava sua voz "não muito clara" anteriormente. ao episódio gripal ao qual atribuiu a piora da qualidade vocal. Em média as queixas tinham evolução não inferior a 3 meses. Nove pacientes (10%) referiam disfonia desde a infância, referindo-se a si próprios como "gasguitos" no período escolar.

Quanto à procedência dos mesmos, na tabela 1 verificamos que 37 já haviam consultado outros otorrinolaringologistas e destes 13 (36%) espontaneamente informaram diagnóstico diferente de. cisto. Da mesma forma, desta série cio 96 pacientes, 27 (28%) já eram clientes do autor senior previamente. a 1991 e cujos diagnósticos realizados por laringoscopia indireta também não coincidiam com o atual de cisto, constando no prontuário descrições do tipo: "edema localizado" ou "nódulo unilateral" (37%), "corda vocal hiperêmica unilateral" (37%) e, em 26%, o diagnóstico era de "monocordite". Estes pacientes há anos eram disfônicos, sem melhora. Agora retornavam a exame sob outras condições de avaliação.

A dificuldade diagnóstica para os cistos epidérmicos, de localização intracordal, é citada com freqüência na literatura1, 3, 4, 8, sendo o diagnóstico estabelecido por ocasião da microcirurgia da laringe.

Até o advento da videoendoscopia ria rotina do exame laringológico, o diagnóstico de cisto era realizado por laringoscopia indireta nos casos de cistos de retenção de muco translúcido e da borda livre da prega vocal. Os pseudocistos e os intracordais frequentemente eram confundidos com outras patologias.

Fica claro que a ausência de recursos de melhor visualização das pregas vocais, torna difícil o diagnóstico destas alterações. Hoje, a partir dos conhecimentos diagnósticos adquiridos com fibras ópticas, é possível levantar a hipótese clínica de alteração intracordal ao simples exame especular com olho desarmado, porém, para isto, é necessário treinamento prévio.

Os cistos geralmente localizam-se no terço médio da prega vocal, logo abaixo do cpitélio superficial, ou seja, na camada superficial da lâmina própria e também no ligamento vocal.



TABELA I - Procedência dos pacientes quando do diagnóstico de Cisto.



Raramente, no terço anterior ou posterior. Em nossa série também não encontramos nenhum dentro do músculo vocalis, como cita Bouchayer e Cornut3. Quanto à distribuição (tabela 2), verificamos: cisto do tipo epidérmico: 57, cisto do tipo anexial: 34, e pseudocisto: 5.

TABELA 2 - Distribuição dos tipos de cistos encontrados

Cisto do tipo epidérmico 57
Cisto anexial 34
Pseudocisto 5

Total 96

Encontramos 51 cistos unilaterais na prega vocal direita c 36 na prega vocal esquerda, totalizando 87 cistos unilaterais e 9 bilaterais. Todos os cistos bilaterais eram do tipo anexial (foto 1). Não tivemos nenhum caso de cisto do tipo epidérmico intracordal bilateral.

O tamanho e a forma foram variados. Os cistos do tipo epidérmico apresentaram-se de aspecto modular, vistos na face superior e na intimidade da prega vocal, de coloração por vezes ligeiramente amarela ou mais branca que o restante da prega vocal. A prega vocal apresentava-se de coloração hiperêmica, com aumento da vascularização c a distribuição dos vasos na túnica mucosa estava horizontalizada, com diâmetros maiores (foto 2). A prega vocal, pelo aumento de volume localizado, assumia aspecto que chamamos de "gravídico". É a "prega vocal grávida" sinal clínico que consideramos patognomônico de "cisto do tipo epidérmico", intracordal. A saliência na borda livre da prega vocal pode por vezes exibir expulsão do conteúdo. Trata-se de cisto aberto (foto 3). O cisto aberto pode também apresentar-se. de forma semelhante a um sulco vocal. Em um dos nossos casos, a videoendoscopia registrou um cisto do tipo epidérmico intracordal de grandes proporções no terço médio anterior da prega vocal direita, com coloração perolada característica, ausência de vibração da túnica mucosa a este nível (zona silente). A cirurgia foi marcada para oito dias após, quando na exposição laríngea não encontramos a lesão, senão urna retração semelhante. a um sulco. A exploração com eversão da prega vocal fazendo-se pressão na face superior, exibiu a expulsão de material córneo, caracterizando-se um cisto que se rompera. Temos também o registro de cisto do tipo epidérmico pré e transoperatório, no qual o aspecto perolado e de abaulamento da face superior da prega vocal persistia no transoperatório, havendo, porém, expulsão de conteúdo gasoso e líquido na face inferior da borda livre, quando era exercida leve compressão sobre o cisto (foto 4). Ambos os procedimentos cirúrgicos foram gravados em vídeo VHS, permitindo de forma didática a compreensão do que é "cisto aberto".

O cisto aberto é algumas vezes mencionado na literatura como "urna cavidade da lâmina própria, com parede de epitélio estratificado, com urna abertura para o exterior, de forma e localizações variáveis1. Trata-se, porém, para nós, do "estado" de um cisto que. se rompeu, como acima exposto, e não uma entidade anátomo-clínica. Um cisto roto faz com que a corda vocal tome aspecto de concavidade ("bowing"), observando-se uma pequena reentrância, como se fose um sulco vocal, e a fenda glótica torna o aspecto fusiforme.

O conteúdo do cisto do tipo epidérmico, quando do tratamento cirúrgico, variou de líquido, de aspecto mucoso, de coloração clara a leitosa e a espesso córneo-cascoso. Em um dos casos, a abertura da face superior da prega vocal expulsou uma esfera córnea semelhante a uma pérola de colesteatoma (foto 5). O mesmo relato é feito por Schechter9.

É possível encontrarem-se. associadas ao cisto outras patologias na prega vocal aposta. Em 6 casos, sendo duas crianças, havia sulcus vocalis na prega vocal oposta. Segundo Bouchayer8, o sulcus vocalis está freqüentemente associado a lesões congênitas como cisto, ou pode também ser considerado, algumas vezes, estágio de desenvolvimento de um cisto. Não encontramos nenhum caso de nódulo contralateral, muito embora seja relatado8. Na verdade, encontrarias 18% de lesão contralateral atribuída à hiperreatividade epitelial devida ao traumatismo constante. Esta lesão de contacto pode ser confundida com nódulo.

Em 15 casos, havia alterações difusas da laringe, espessamento da mucosa, hiperemia, presença de muco espesso, configurando laringite crônica.

Quanto ao tratamento prévio, dos 3 pacientes oriundos de fonoterapeutas, dois estavam em tratamento sem melhora significativa e 1 estava sendo admitido para avaliação fonoterápica sem consulta ORI, prévia.

Dois pacientes já haviam sido submetidos à microcirurgia da laringe e afirmavam que o resultado anátomo-patológico "dera bom", mas a voz continuara rouca.

Medicação antibiótica, antiinflarnatória, antigripais, "xaropes", gargarejos e pastilhas foram constantes nas histórias pregressas, alguns com alívio passageiro, sem a cura da disfonia.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Cisto é uma lesão benigna de origem epitelial, apresentando coleção. no seu interior e é revestido por epitélio estratificado. Ou, nas palavras de Blakinston10, "cisto é um espaço delimitado dentro de um tecido ou órgão, revestido por um epitélio e, geralmente, cheio de líquido ou de outra substância".

Inicialmente, ternos, portanto, duas situações distintas: urna com revestimento epitelial estratificado (epidermóide), e outra correspondendo a revestimento glandular (retenção).

Cistos tipo epidérmico

A origem dos cistos nas pregas vocais tem sido vista por especialistas como Cornut, Bouchayer et al8 considerando duas hipóteses: adquirido ou malformação congênita. A primeira hipótese foi descrita por Van Caneghen em 192811 e a segunda por Arnold em 195812.

A malformação ocorre na vida intra uterina no embrião de aproximadamente quatro semanas, durante a formação elo quarto e do sexto arcos branquiais, ou no decorrer tio desenvolvimento da laringe. Pode ser proveniente ele uma ectopia do epitélio: o folheto superficial de revestimento que vem do ectoderma mergulha na lâmina própria e depois prolifera como um cisto; ou por metaplasia do epitélio: a parte execretora ou secretora de uma glândula por metaplasia torna-se plano-escamoso-estratificado e queratinizado.

O cisto epidérmico adquirido ocorre por processo de cistificação. As pregas vocais são hiperreativas e qualquer agressão de ordem física como o abuso vocal continuado, química (inalação de produtos tóxicos) ou mecânica (aspiração de corpo estranho ou trauma) ocasiona edema, transudato por estravasamento de capilares, levando a inflamação. Esta_ reação inflamatória faz com que ocorra uma invaginação de epitélio de revestimento da superfície para a lâmina própria e forma-se uma fenda que depois se fecha e forma um cisto (foto 6).

Chamamos de cisto do tipo epidérmico, o mesmo cisto que Bouchayer e Cornuts classificam como "cisto epidermóide". Propomos essa nomenclatura para que não haja nenhum tipo de associação ao carcinoma epidermóide. Desta forma, o cisto do tipo epidérmico é aquele que apresenta retenção líquida, pastosa ou mesmo sólida revestida por epitélio plano estratificado escamoso queratinizado (foto 7).

O estudo histopatológico das lesões e os achados microscópicos transoperatórios levam-nos a afirmar que a localização se dá abaixo do epitélio, mais freqüentemente na camada média e profunda. Podem ser encontrados elementos do cisto no cório, como cristais de colesterol e descamações de queratina.

A espessura é variável e a massa cística expande-se centripetamente c descansa na membrana basilar4. Os vasos capilares apresentam-se dilatados, ajudando a provocar ausência de vibrações.

Clinicamente, a hipertensão que este cisto causa na prega provoca abaulamento, tornando a superfície lisa e com angiectasia de vizinhança. Sua forma pode ser arredondada ou achatada, de aparência perolada, sendo percebida na face superior da prega vocal (por isto também chamado de intracordal) em localização no terço médio e médio anterior (fotos 2 e 7).

Cisto do tipo anexial

Quando da obstrução de um dueto excretor glandular, estamos frente a cisto dito de retenção. Alguns4 o chamam de retenção mucosa. As glândulas pertencem ao sistema anexial. Como não sabemos se o cisto é de glândula mucosa ou serosa, preferimos chamá-lo de cisto anexial.



Foto 9. Cisto Anexial - Microscopia histológica. Ver dueto em fase inicial de obstrução.



Foto 10. Pseudocisto. Fotografia por videomicrolaringoscopia indireta com 25 aumentos. Lesão de conteúdo líquido (transudato), revestido por urna pseudomembrana caracterizada por um fino espessamento do epitélio da prega vocal esquerda, e mesmo aspecto na prega vocal oposta.



Foto 11. Pseudocisto visto por microscopia histológica. Afastamento das fibras abrindo espaço no interstício.



Cisto anexial é, portanto, aquele que retém líquido proveniente da obstrução do dueto de glândula serosa ou mucosa e revestido de epitélio glandular (fotos 8 e 9). Localiza-se também abaixo do epitélio, mais frequentemente na camada superficial e no terço anterior ao médio da prega vocal. Geralmente unilateral, podendo, entretanto, ser bilateral (foto 1). A aparência é de massa amarelada que contém muco (mais leitosa) ou serum (água de pedra). A tendência deste cisto é apresentar tamanho maior do que o do tipo epidérmico. Do ponto de vista histológico, não há tecido glandular na borda livre da prega vocal; porém, podem ocorrer migrações destas glândulas durante o fechamento das fendas cefálicas. Uma glândula serosa ou mucosa repentinamente fecha-se e cistifica. Gray, Hirano e Sato afirmam que as glândulas ocorrem acima e abaixo nas pregas vocais, longe da borda. Quando da fonação inspiratória, percebe-se que estes cistos se originam da porção mais inferior da borda livre da prega14.

Pseudocisto

O pseudocisto define-se como "espaço ou cavidade sacular, contendo material líquido, semi-líquido ou gasoso, porém seara membrana limitante nítida"10.

Cria-se uma cavidade preenchida pelos líquidos que saem dos vasos. Os líquidos podem ser transudatos puros ou com diapedese de elementos celulares. As formas são variáveis e o aspecto é translúcido (foto 10 ). Possui mecanismo de formação diferente do cisto, porém forma cavidade com líquido dentro, apenas não sendo revestido por epitélio (foto 11). O espaço é formado por pseudomembrana lia borda livre subepitelial da prega vocal e a lesão costuma ser unilateral.

Os sintomas reais clássicos são a disfonia e fadiga vocal. A vibração livre da mucosa é essencial para a qualidade vocal normal15. Embora de tamanho relativamente pequeno, podemos constatar que. os cistos do tipo epidérmico aumentara a massa da prega vocal, modificando o padrão vibratório e alterando a fonação, conforme já descrito1. Pequenos cistos do tipo anexial e, especialmente os pseudocistos, por seu conteúdo líquido, alteram de forma menos significativa o padrão vibratório, ocasionando disfonia menos acentuada, sendo por vezes quase imperceptível lia avaliação percentual auditiva. Isto porque não provoca aparecimento de fenda, coaptando perfeitamente bem quando da fonação. Quando encontramos o cisto rompido, o impacto vocal é menos severo pois as margens do cisto podem vibrar1.

O diagnóstico de cisto nas pregas vocais é dificilmente realizado através da laringoscopia indireta. O melhor exame para o diagnóstico em consultório foi a laringoscopia com fibra óptica, magnificação de imagem com fonação inspiratória e efeito estroboscópico, Monocordite pode indicar a presença de cisto, bem como a presença de fenda do tipo fusiforme. Outro sinal sugestivo de cisto é o efeito de birrefringência sobre. a superfície lia prega vocal.

De posse dos conhecimentos histopatológicos dos cistos e de acordo com sua aparência, podemos realizar diagnóstico prévio do tipo de cisto. A exploração cirúrgica confirma o diagnóstico, porém o definitivo é dado pelo exame histopatológico.

O melhor tratamento do cisto normal é conseguido iniciando-se por fonoterapia, seguido de tratamento cirúrgico e imediato retorno à fonoterapia. As recidivas são comuns, em torno de 20%, por ruptura do cisto intraoperatoriarnente.

A voz nem sempre volta perfeitamente ao normal, porém apresenta melhora considerável, em especial quanto à fadiga.

De acordo com seu aspecto clínico e sua correspondente constituição histológica, propomos que os cistos sejam classificados em:

Cisto do tipo epidérmico

Cisto do tipo anexial

Pseudocisto

AGRADECIMENTO

Agradecemos ao Prof. Carlos Huberto Wallau, Professor de Anatomia Patológica da Universidade. Federal do Rio Grande do Sul, por sua prestimosa colaboração no exame histopatológico das lesões, sua orientação, bem como pelas fotografias de histopatologia.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. PONTES, P.; BEHLAU, M.; GONCALVES, I. - Alterações Estruturais Míminas da Laringe (AEM) Considerações Básicas. Acta Awho, 8: 2-6, Jan/Abril, 1994.
2. HIRANO, M. - Phonosurgical Anatomy of the Laryx in: FORD, C. M.; BLESS, D. M. - Phonosurgery Assesment and Surgical Management of Voice Disorders. New York, Raven Pres, 1991, cap. 3, p. 25-40.
3. MONDAY, L. A.; BOUCHAYER, M.; CORNUT, G.; ROCH, J. B. - Epidermoid Cysts of Vocal Cords ANNALS of Otology Rhinology & Neck Medicine & Cuigety, 92: 124-127, 1983.
4. BOUCHAYER, M.; CORNUT,G. - Instrumental Microscopy of Bening Lesions of the Vocal Folds in: FORD, C. M.; 131,FSS, D. M.: Phonosurgery Assesment and Surgical Managennent of Voice Disorders. New York, Raven Press, 1991, cap. 8,1). 143-184.
5. KLEINSSASSER, O. - Microlaringoscopia e Microcirurgia da Laringe. F. L. Selrattauer - Verlag - Stuttgart - New York, 1978.
6. SATALOFF, R. T.; SPIEGEL, J. R.; HAWSTAW, M. J. - Multilobulated Hemorrhagic Vocal Fold Cysts. ENT. Journal 72: 724, 1993.
7. REMACLE, M.; LAGNEAU, G.; MARBIX, E.; DOYEN, A.; VAN DEN EECKHAUT, J. - Laryngopathies Exsudatives de L'espaee de Reinke. Ann. Oto-Laryng, Paris, 109: 33-38, 1992.
8. BOUCHAYER, M. CORNUT, G.; LOIRE, R.; WITZIG, E.; ROCH, B. - Epidermoid Cysts, Sulci, and Mucosal Bridges of the True Vocal Cord: A Report of 157 Cases. Laryngoscope, 95: 1087-1094, 1985.
9. SCHECI1TER, G. - A Review of Cholesteatoma Patliology. Laryngoscope, 79: 1907-20, 1969.
10. BLAKINSTON - Dicionário Médico. São Paulo, Organização Andrei Editora Ltda, 2ª ed., 1987.
11. VA N CANEGHEM, D. - L'etiologie de la Corde Vocale a Sillon. Annalcs des Maladies de L'orcille, du Laiynx, de Nez, ei du Pharynx, 47: 121-130, 1928.
12. ARNOLD, G. E. - Dysplasia Dysphonia - Minor Anornalies of the Vocal Cords Causing Persistent Hoarseness. Laryngoscope, 68: 142-158, 1958.
13. GRAY, S.; HIRÁNO, M.; SATO. K. - Molecular and Cellular Structure of Vocal Fold Tissue.
14. STEFFEN, N. - Fonação Inspiratória, Magnificação de Imagem e Estroboscopia no Diagnóstico das Alterações Estruturais Mínimas da Laringe. 2° Congresso Brasileiro da Sociedade de Laringologia e Voz, São Paulo, 1993.
15. PONTES, P., BEHLAU, M, - Treatment of Sulcus Vocalis: Auditory Perceptual and Acoustieal Analisys of the Slicing Mucosa Surgical Technique. Journal of Voice, vol. 7n.4, pg. 365-376, 1993. New York - Raven Press.




* Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre- RS.
** Alunas de Fonoaudiologia da Universidade Luterana do Brasil - Canoas - RS.

Este trabalho foi realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Dr. Nédio Steffen, Centro Clínico do Hospital da PUC- Av. Ipiranga, 6690 sala 720 - Porto Alegre - RS - CEP 90610-00.

Parte deste trabalho foi apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia - 03 a 07 de setembro de 1994 - Curitiba.

Artigo recebido em 22 de março de 1995.
Artigo aceito em 23 de março de 1995.
Apoio: Schering Plough Rotram Rozitromicina.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia