INTRODUÇÃOO angiofibroma juvenil é tumor raro, com incidência de 0,5% entre as patologias de cabeça e pescoço e 0,02% das doenças em otorrinolaringologia. É predominante no sexo masculino, aparecendo em 4,4% nas mulheres1. Localiza-se preferentemente na nasofaringe e nas fossas nasais, apresentando crescimento invasivo e expansivo destruindo planos ósseos, invadindo os seios paranasais, espaço infratemporal e base do crânio, além de frequentemente expandir-se intracranialmente.
Apesar de seu padrão histológico benigno, em decorrência de sua capacidade infiltrativa e de seu caráter abundantemente hemorrágico, assume curso clínico maligno. Portanto, a intervenção cirúrgica deve ser medida cautelosa, visando principalmente medidas prévias para o controle do sangramento no intraoperatório.
Pensando nisso, propuzemos a ligadura da artéria maxilar, pela via bucal2, com modificação técnica baseada no descolamento subperiostal ao longo da tuberosidade da maxila, alcançando o vaso no espaço zigomático antes de sua entrada na fossa pterigopalatina3 como procedimento pré-operatório para controle do sangramento na cirurgia de ressecção do angiofibroma juvenil.
CONSIDERAÇÃO ANATÔMICA SOBRE A REGIÃO ZIGOMÁTICA
A região zigomático é espaço par e simétrico que ocupa a porção lateral profunda da face. Apresenta a forma de pirâmide quadrangular, com base, vértice e quatro paredes: lateral, medial, anterior e posterior4 (Fig. 1). Seu conteúdo é constituído por importantes estruturas vásculo-nervosas e musculares ligadas ao aparelha o mastigador; no entanto, daremos ênfase somente ao sistema vascular que é composto pela artéria maxilar e seus ramos.
Figura 1. Representação esquemática do espaço zigomático: (1) arco zigomático; (2) côndilo mandibular; (3) ramo da mandíbula; (4) face zigomática da asa maior do esfenóide; (5) fissura pterigomaxilar; (6) músculo temporal; (7) músculo pterigoideo lateral (porção superior); (8) músculo pterigoideo lateral (porção inferior); (9) músculo pterigoideo medial; (10) artéria maxilar.
A artéria maxilar, um dos ramos terminais da carótida externa, na sua origem rodeia a face medial do colo mandibular e, após curto trajeto sob o músculo pterigoídeo lateral, segue medialmente ou lateralmente a ele (com menor freqüência é medial), tornando-se superficial ao aproximar-se da maxila, quando passa entre as duas porções do músculo pterigoideo lateral (superior e inferior) para entrar na fossa pterigopalatina através da fissura pterigomaxilar. Nessa porção tuberal, a artéria maxilar emite as artérias infraorbital e alveolar posterior superior, frequentemente originadas do tronco comum5 e, a seguir, emite a artéria palatina descendente que penetra na fossa pterigopalatina. Quando superficial, a artéria maxilar localiza-se entre os músculos pterigoideo lateral e temporal, raramente pode ser observado no interior da massa temporal6, 7.
TÉCNICA CIRÚRGICA: ACESSO BUCAL À ARTÉRIA MAXILAR.
Infiltra-se a mucosa gengival superior ao nível do segundo molar, através de agulha longa de carpule, até o periósteo maxilar, aplicando-se aproximadamente 2ec de anestésico com vasoconstrictor em toda a mucosa inserida e marginal, até o nível da tuberosidade da maxila, atingindo inclusive o fórnix na transição para a mucosa jugal. Esse procedimento facilita o descolamento do periósteo do osso maxilar, pois o anestésico é depositado entre as duas estruturas.
Figura 2. Incisão vertical da mucosa e periósteo, na alturado 2° molar superior, desde o sulco gengivojugal até a papila interdental.
Figura 3. Descolamento do retalho mucoperiostal, contornando a tuberosidade da maxila.
Segue-se a abordagem do espaço zigomático através de incisão vertical, executada na altura do 2° molar superior, na gengiva inserida, desde o sulco gengivo-jugal até a papíla interdental, atingindo a mucosa e o periósteo do osso maxilar (Fig. 2).
Inicia-se o descolamento da mucosa e do periósteo extendendo-a do sulco gengival em direção às papilas interdentais até o rebordo final da arcada superior, contornando a tuberosidade da maxila (Fig. 3). O retalho mucoperiósteo é completado quando se contorna esta tuberosidade.
Como passo seguinte, coloca-se um espéculo nasal autoestático na porção mais cranial do osso maxilar, no ponto em que este se relaciona com o arco zigomático. No campo cirúrgico, o periósteo, que é limite da porção anterior do espaço zigomático, é aberto com o afastamento das válvulas do espéculo nasal promovendo-se o descolamento destas estruturas pela simples pressão do instrumento. Encontra-se o tecido adiposo dessa região que é rebatido lateralmente, deixando à vista estrutura vásculo-nervosa.
Figura 4. Visualizaçãp e ligadura da artéria maxilar.
Feita a divulsão das partes moles, encontra-se primeiro um ramo menos calibroso, normalmente a artéria alveolar posterior superior e, na continuidade da dissecação, localiza-se a artéria maxilar muito próxima da tuberosidade da maxila, em posição mais cranial na direção da fissura pterigomaxilar por onde a artéria entra na fossa pterigopalatina (Fig. 4). Em geral, a artéria está situada superficialmente em relação ao músculo pterigoideo lateral, permitindo aborda-lá com mais facilidade. Quando se apresenta mais profunda em relação a este músculo, é alcançada com um pouco mais de trabalho na entrada da fossa pterigopalatina. Em alguns casos, o angiofibroma rebate lateralmente a artéria em direção ao espaço zigomático o que facilita sua localização.
Uma vez alcançada a artéria, procede-se a sua ligadura com fio algodão 2.0 ou clip de prata, eletrocauterizando-se pequenos vasos arteriais e venosos da região. O fechamento da ferida cirúrgica é feito com sutura de pontos separados de fio absorvível do tipo "cat-gut" n° 3.0.
RESULTADOSAs tabelas I e II mostram os resultados referentes a dois momentos do processo terapêutico: ato cirúrgico e 4° semana de pós-operatório.
DISCUSSÃOCom a finalidade de diminuir o sangramento na abordagem cirúrgica do nasoangiofibroma, várias medidas clínicas ou cirúrgicas, como a hormonioterap ia, radioterapia, as embolizações e as ligaduras arteriais têm sido empregadas. No entanto, a hormonioterapia e a radioterapia em vista dos efeitos adversos e atividades discutível, não são hoje procedimentos de primeira escolha.
A ligadura da artéria carótida externa e da artéria maxilar pela via transantral, apesar de respectivamente terem sido preconizadas no passado por Goufas (1930) e Seifert (1928)9, são ainda hoje procedimentos muito utilizados.
TABELA I - Resultados no ato cirúrgico de 13 pacientes submetidas a abordagem da artéria maxilar no espaço zigomático peia via bucal, como tratamento prévio de controle do sangramento na cirurgia do angiofibroma juvenil.
TABELA II - Resultados de 4 semanas de pós-operatório de 13 pacientes submetidos a abordagem da artéria maxilar do espaço zigomático pela via bucal, com ressecção do tumor.
Entretanto, baseado nos resultados de alguns autores10, 11, 12, não advogamos a ligadura da artéria carótida externa como melhor método, acreditando que técnica mais seletiva ao pedículo do tumor evita as colaterais responsáveis pelo insucesso da cirurgia.
A artéria maxilar por sua vez, sabida universalmente através de estudos angiográficos, como principal nutriente do angiofibroma, deve ser o alvo principal do cirurgião que pretende ter diminuição do sangramento na ressecção cirúrgica. A embolização, urnas das formas de obliteração da artéria maxilar, foi preconizada por Thibaut (1963)13, com indiscutível controle do sangramento" mas com frequentes efeitos colaterais como febre, bradicardia, parestesia facial, isquemia facial transitória, trismo, edema da região masseterina, hemiparesia, disfasia imediata à embolização e distúrbios neurológicos mais sérios causados pelo refluxo de êmbolos para o sistema da carótida interna, comprovado por arteriografia15.
Analizando-se não só estes problemas, mas também a necessidade de equipamento sofisticado e de pessoal preparado tecnicamente para a realização da embolização arterial16, preferimos a ligadura da artéria maxilar. A via transantral é a mais utilizada na abordagem da artéria17, 18, 19, tendo-se mostrado eficiente. No entanto, quando o tumor ocupa toda a fossa pterigopalatina rebatendo a artéria maxilar lateralmente em direção ao espaço zigomático, ou quando o tumor apresenta-se dentro do seio maxilar destruindo sua parede posterior e, às vezes, até a parede medial, é extremamente dificil a abordagem arterial por esta via20. Nessa situação, restam a ligadura da artéria carótida externa ou a embolização da artéria maxilar. Em vista disso, pensamos na abordagem da artéria maxilar pela via bucal, buscando-a diretamente no espaço zigomático, sendo seu acesso fácil e atingindo-se o vaso em poucos minutos.
A técnica que desenvolvemos modifica a proposta cirúrgica de Masseri et al. (1984)2, no que se refere a localização da incisão bucal, ao tipo de incisão utilizada, a forma de dissecação das partes moles da fossa infratemporal e à porção alcançando da artéria maxilar. Isto só foi possível pelo estudo da anatomia topográfica e cirúrgica da região realizado em laboratório de dissecção e com base na literatura21, 22, 23, 24 25, 26.
Em todos os casos operados com esta modificação técnica houve poucas seqüelas com efetivo controle do sangramento intraoperatório.
CONCLUSÃO1. A técnica permite acesso rápido à artéria maxilar.
2. Torna mais seguro o tratamento cirúrgico do angiofibroma juvenil pela diminuição do sangramento.
3. Permite realizar, no mesmo campo operatório e no mesmo tempo cirúrgico, o controle hemostático e a cirurgia de ressecção do tumor.
4. Possibilita maior rapidez, menor risco e utilização de equipamentos menos complexo que a embolização arterial.
5. Confere maior especificidade e melhor hemostasia que a ligadura da artéria carótida externa.
6. Evita o risco de ressecções na intimidade do tumor, como também cirurgia sobre o seio maxilar livre de patologia.
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* Mestre e Doutor pela Escola Paulista de Medicina. Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Mogi das Cruzes - SP. Chefe do Serviço de Residência Médica em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta", São Paulo - SP.
** Titular da Disciplina de Anatomia e Chefe do Departamento de Morfologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (USP) - SP.
*** Residente em Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta", São Paulo-SP.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar "Dom Silvério Gomes Pimenta".
Endereço: Rua Voluntários da Pátria, 3693 - Santana - São Paulo - SP - CEP 02401-300 - Brasil.
Artigo recebido em 08 de novembro de 1994.
Artigo aceito em 03 de janeiro de 1995.