ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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2046 - Vol. 61 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 97 a 102
ESTENOSE SUBGLÓTICA.
Autor(es):
Jair C. Montovani*,
Raul Lopes Rui Junior**,
Emanuel C. Castilho***.

Palavras-chave: Laringe, estenose

Keywords: Larynx, stenosis

Resumo: No presente trabalho, relatamos 19 casos de estenose laringotraqueal. Destes casos, 15 eram de estenose subglótica, 1 de traquéia inferior e subglótica, 1 de traquéia e, em outros 2 casos, observamos comprometimento de estensas áreas da laringe e traquéia devido às alterações causadas por doenças inflamatórias crônicas. Em 11 pacientes, foi realizada a reconstrução laringotraqueal com a técnica de enxerto de cartilagem costal, laringofissura e colocação de molde. As dificuldades maiores, em relação à técnica, foram observadas, principalmente em crianças, quando da retirada da cânula de traqueostomia devido à formação de tecido de granulação no orifício e na luz traqueal, e a estenose parcial subglótica.

Abstract: In the present study we report the experience of the Department of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, University Hospital, Botucatu School in 19 cases of laryngotracheal stenosis. Fifteen cases had subglotic stenosis, one had stenosis of inferior tracheal and subglotic, one had stenosis of trachea and two others had extensive involvement of larynx and trachea due to chronic inflamatory disease. In eleven patients a laryngotracheal reconstrutive technique with costal cartilagem graft was performed with good results. The major technical difficulties, occurring mainly in children, were the withdrawn of the cannula of the tracheostomy due to granulation tissue formation and the subglotic partial stenosis after surgical reconstrurtion.

INTRODUÇÃO

Ouso de técnicas de entubação e ventilação pulmonar em pacientes críticos tem propiciado número cada vez maior de complicações das vias aéreas, entre elas a estenose subglótica1-3. A passagem e manutenção de um tubo rígido certamente leva a alterações da laringe e traquéia. Na literatura, encontramos a incidência de 2 a 8% de estenose em recém-nascidos com entubação endotraqueal, com duração de 1 a 7 dias1-5. Inúmeros fatores foram identificados neste processo: infecção de vias aéreas; duração e múltiplas entubações; trauma de entubação relacionado com a habilidade e experiência do médico; tamanho, diâmetro e material do tubo; pressão endotraqueal dos "balões" ou "cuffs" e, às vezes, a agitação psicomotora do paciente, comum nestes casos, pode levar à maior mobilidade da cânula traqueal e, conseqüentemente, injúria da mucosa laringotraqueal5-7.

Deve-se considerar, também, que as condições gerais de saúde do paciente, como anemias, deficiências vitamínicas, diabetes mellitus, aterosclerose, microangiopatias, neuropatias, doença cardíaca congestiva, acidentes vasculares cerebrais, etc, são condições que levam ao agravamento da perfusão tecidual e cicatrização deficiente8-9. Em condições desfavoráveis, o epítélio respiratório pseudoestratificado ciliado e o tecido areolar da submucosa edemaciam-se facilmente, contribuindo para a formação de estenose subglótica. Em um primeiro momento após o trauma, ocorre resposta inflamatória aguda, estendendo-se ao pericôndrio e cartilagem. Se há perpetuação deste processo, podemos observar evolução para ulceração e necrose tecidual, seguidas de proliferação de tecido de granulação e posterior formação de estenose8-10. Quando estas alterações evoluem para a estenose subglótica, quase sempre, em crianças, realiza-se a traqueostomia. Esta propicia ao médico tempo para a avaliação e para a conduta definitiva mas, durante este intervalo de tempo, torna a rotina diária do paciente traqueostomizado difícil e traumática. É, portanto, compreensível que aspectos como problema da fala, técnica cirúrgica, tempo de intervenção, resultados terapêuticos e altos índices de morbidade e morta-lidade no pós-operatório levem a angústia e perplexidade a todas as pessoas participantes desses problemas11-12.

Vivenciando estas dificuldades, tivemos como objetivo, no presente trabalho, mostrar nossa experiência quanto ao manuseio e tratamento de pacientes com estenose subglótica.

CASUÍSTICA

Foram avaliados 19 pacientes com estenose subglótica, 13 do sexo masculino (68,4%) e 6 do sexo feminino (31,6%). Dezessete casos foram relacionados a trauma laríngeo e deste total quinze foram associados a entubação traqueal (Tabela 1). Em outros 2 pacientes, encontramos alterações cicatriciais e formação de tecido de granulação relacionados com (1) paracoccidioidomicose e (1) doença penfigóide bolhosa, aspectos estes que não serão considerados no presente trabalho.

O diagnóstico foi confirmado por endoscopia em todos os casos, sendo que, na definição de estenose subglótica, utilizamos a classificação de COTTON (1984)199 que a subdivide em 4 graus: (1) menos que 70% de comprometimento de via aérea de secção transversal, (2) maior que 70% e menor que 90%, (3) maior que 90% e (4) completa obliteração. Atualmente, todos os pacientes têm seguimento de no mínimo 1 ano, exceto em um caso (n° 3), recém-operado.

Nos pacientes com entubação traqueal prévia, o tempo de inicio dos sintomas variou desde o momento da retirada da cânula até 50 dias. Seis pacientes eram crianças e nestas havia história de infecções, múltiplas entubações endotraqueais (Tabela 1 e 2) e desconforto respiratório no início, após exturbação, evoluindo para estenose em horas ou dias.


TABELA 1 - Distribuição por sexo, côr e idade dos pacientes com Estenose Subglótica. EtIologia quando da primeira internação.

IP: entubação prolongada, BCP: broncopneumonia, RGE: refluxo gastroesofágico, AVM: acidente com veículo automotor, TCE: trauma crânio-encefálico, AVC: acidente vascular cerebral.



TABELA 2 - Estenose Laringotraqueal. Distribuição segundo a etiologia primária.

IP = entubação prolongada, VAM = veículo automotor'



Em 5 pacientes adultos, observamos estenose parcial, classe 1, para os quais a conduta adotada foi dilatação e terapia com corticóides e, quando necessário, dilatação com broncoscópio rígido. Em 4 pacientes, observamos paralisia de corda vocal associada a estenose subglótica, manifestando-se com rouquidão progressiva e, posteriormente, dispnéia alta. Em 4 crianças, observamos a evolução de estenose tipo 2 (Figura 1A e B), após entubação prolongada, para tipo 4, com instalação de quadro de insuficiência respiratória alta.

A associação de tempo médio de entubação e estenose, em nosso Hospital, variou de 7 a 28 dias. Em 14 pacientes, realizamos traqueostomia e em 11 destes realizamos a cirurgia reconstrutiva de estenose. Em todos os pacientes operados, utilizamos a técnica aberta com colocação de enxerto costal e molde de "silastic", exceto em um caso, paciente adulto, em que não colocamos molde. O molde era retirado em 8 semanas por via endoscópica e o tempo de decanulação variou de 4 dias a 12 meses em média. Duas crianças continuam com traqueostomia, após a laringotraqueoplastia com molde (9 e 15 meses). Uma criança de 8 meses foi a óbito na 8° semana de pós-operatório, já sem o molde, por formação de rolha de secreção na cânula de traqueostomia. Em dois pacientes (n°12 e n°13), ainda não realizamos a cirurgia, pois não apresentavam condições clínicas satisfatórias quando da redação do presente trabalho.



Figura 1. Paciente n° 2. Tomografia da luz traqueal e em (A) diâmetro nomal da luz traqueal e em (B) estenose em região subglótica.



DISCUSSÃO

A incidência de complicações laringotraqueais, principalmente em crianças e adultos jovens, é associada a doenças do epitélio respiratório, ao diâmetro da luz traqueal e do trauma laríngeo intrínseco à entubaçãos1, 7, 12. Com a entubação é comum o uso de técnicas de ventilação fechada, ficando a cânula em estreito contacto com a parede subglótica. Esta região é a mais estreita das vias aéreas superiores, tornando-se, portanto, a mais suscetível de lesar-se ao contacto com cânula rígida. Este contacto leva a edema de mucosa e hiperemia, estase de secreção e infecção local, podendo desenvolver-se, posteriormente, tecido de granulação e necrose. Quando da retirada da cânula, após entubação prolongada, a parede da região subglótica já está em fase de cicatrização, com formação de colágeno que, após a maturação, contrai-se circunferencialmente, podendo provocar estenose parcial ou completa1-7, 9, 12.

Em nosso trabalho, a evolução para estenose subglótica pôde ser bem caracterizada em 4 crianças das 6 que foram diagnosticadas com estenose subglótica e em 1 paciente adulto (casos 2, 3, 4, 6 e 7). Nestes pacientes, pudemos observar a sequência destas alterações: 1) dificuldades de extubação e múltiplasreintrelações, 2) estridor e insuficiência respiratória progressiva após a extubação e remissão dos sintomas da doença base. As endoscopias da laringe e traquéia mostravam hiperemia, edema e estenose parcial da luz subglótica. Na tentativa de evitar a evolução de estenose parcial para total, nos 5 casos, introduzimos corticoidoterapia sistêmica, conduta esta apoiada em trabalhos anteriores referentes a processos de cicatrização e estenose13-15. Em nossos casos, o uso de corticóides não impediu a evolução da estenose, talvez porque a introdução do mesmo foi feita tardiamente, após 3ª semana do início dos sintomas, quando a estenose já estava formada e o tecido de granulação na luz laringotraqueal era exuberante. Baseando-se nesta experiência, adotamos, atualmente, como norma, a obsevação periódica de pacientes com entubação prolongada, avaliando o grau de risco nestes pacientes quanto à formação de estenose e outras complicações laríngeas, o que propiciará, sem dúvida, oportunidade melhor para usar-se corticóide em fases anteriores a estas complicações.

Em outros 9 pacientes, observamos que a estenose subglótica tinha causas complexas como: traumatismo, entubações orotraqueais prolongadas e, em 2 casos, múltiplas doenças inflamatórias. A estas condições devemos associar a inexperiência das equipes de saúde, principalmente por tratar-se de hospital escola1, 15. Esta inexperiência explicaria em vários casos as dificuldades técnicas em não se usar tubos mais finos, mais flexíveis e, logo que possível, a troca da entubação orotraqueal para a nasotraqueal17. A nosso ver a entubação orotraqueal deveria ser utilizada apenas em situações emergenciais e substituída logo que possível para a nasotraqueal, pois esta propicia o usa de tubos com diâmetros menores, melhor fixação da cânula e via oral livre, facilitando a alimentação e a toilete oral. Mesmo assim, aspectos como o tempo e tipo de entubação como fatores de risco para estenose laringotraqueal são controvertidos na literatura. Para vários autores as complicações são poucas e leves quando a entubação não ultrapassa uma semana3, 12, 17, 18 e outros, como FERLIC11, relataram entubação prolongada em crianças sem alterações laríngeas significantes. Uma alternativa para a entubação prolongada é a traqueostomia e ela deve ser realizada após 5 a 7 dias de entubação, quando não há previsão de extubação3, 18. Em nosso serviço, as condições de ventilação do tubo, de higiene, aumento de secreção, alimentação e idade do paciente foram as condições determinantes da mudança de entubação para traqueostomia e não o tempo em si. Em média, observamos, nos casos de estenose laringotraqueal tempo de entubação variando de 7 a 28 dias. Logo que fazíamos o diagnóstico de estenose realizavamos a traqueostomia, pois esta propiciava tempo para estudar as diferentes opções de tratamento. Entretanto, ela aumenta em até 24% a morbilidade e mortalidade, principalmente em crianças19, além é claro de alterar o crescimento e a fisiologia da traquéia e da laringe20. Como exemplo, chamamos a atenção para o caso n° 3 que foi a óbito devido à formação de rolha de catarro na cânula, durante o período da madrugada, após endoscopia, 2 meses após a cirurgia reconstrutiva, demostrando as dificuldades dos cuidados pós-operatórios desses pacientes em enfermaria geral, principalmente no período noturno, quando cai o nível de atenção médica e de enfermagem3, 19, 20.

Infelizmente, os métodos alternativos de tratamento à associação traqueostomia e técnica cirúrgica reconstrutiva laringotraqueal são poucos e entre eles citamos dilatação'', injeção de esteróides21, 22, raio laser21, colocação de molde por endoscopia3, 22. A escolha destes métodos depende da estensão e do grau de comprometimento da luz e mucosa traqueal, idade do paciente e outras variáveis20, 22, 23. Como em 11 de nossos pacientes a estenose era completa (tipo 4), a opção de tratamento restringia-se a técnica de laringofissura, enxerto de cartilagem, com laringotraqueoplastia24-30. Apenas em 1 paciente adulto (caso n° 14) a estenose era parcial e fizemos 3 dilatações com boa resolução.

Nos outros pacientes, realizamos laringofissura com enxerto costal, propiciando aumento da luz subglótica, ao mesmo tempo que a colocação de molde forneceu sustentação necessária para que as forças tensionais cicatriciais não deslocassem o enxerto costal de sua posição inicial. Entretanto, este teve o incoveniente de estimular a formação de tecido de granulação e infecção da mucosa respiratória. A estas desvantagens podemos associar a formação de granuloma supraestomal (pedunculado, não circunferencial), junto à cânula de traqueostomia, comum, em maior ou menor grau, em todos os nossos pacientes pediátricos21, 25, 26. Nestes casos, utilizamos como tratamento remoção mecânica, cauterização química com nitrato de prata 10% e pomadas antissépticas26.

Também, em todos os casos cirúrgicos, observamos desconforto, recusa de alimentação, ou mesmo discreta saída de alimentos pelo orifício do traqueostoma nos primeiros dias de pós-operatório, sendo relacionados às alterações inflamatórias da cirurgia em si ou ao molde muito alto na laringe, quando então era recolocado em posição inferior16. O tempo de permanência deste variou entre 3 a 4 semanas em adultos e 8 semanas em crianças, em média e, quando de sua retirada, uma das dúvidas que persistia era se fazíamos ou não a decanulação concomitante23-28. Devido a possibilidade de obstrução tardia laringotraqueal e, em conseqüência, termos que realizar uma segunda traqueostomia, adotamos a conduta da decanulação tardia, após vários meses da retirada do molde. Outra vantagem é a facilidade em realizar-se revisões, ou mesmo, dilatações, melhorando os prognósticos28.

Quanto às extensas e múltiplas lesões laringotraqueais e de traquéia inferior próxima à carina, observadas no paciente n° 11 (figura 2), foram relacionadas ao "cuff", à ponta da cânula quando da intubação, às lesões provocadas pelo acidente automobilístico, às múltiplas cirurgias reconstrutivas orofaciais e à própria traqueostomia após a entubação prolongada (21 dias)16, 29, 30. Neste paciente, realizamos a cirurgia reconstrutiva da laringe e traquéia com enxerto de cartilagem costal, com retorno da fala. Atualmente, aguarda uma segunda cirurgia para a estenose inferior próxima à carina.



Figura 2.: (A) Paciente n.° 11treaquostomizado e lesões cervicofaciais; (B e C) Planigrafia mostra estenose traqueal próxima a cânula de traquesostomia; (D) luz traqueal ampla após cirurgia reconstrutiva com enxerto costal.



Outras seqüelas comuns em pacientes adultos com estenose laringotraqueal são as que limitam os esforços físicos, qualidade da voz, etc23, 24, 29. Em nossos pacientes, descrevemos várias lesões do tipo pseudoparalisia de corda vocal e a atribuímos: 1) à estenose alta da região subglótica, fixando as cordas vocais, 2) ao próprio trauma da passagem da cânula quando da entubação, levando a alterações inflamatórias e cicatriciais do músculo da corda vocal, tendendo a resolver-se em todo ou em parte com a cirurgia em si. Nestes pacientes, após a extubação, havia relatos de queixas tipo rouquidão, refluxo gastroesofágico pelo não fechamento da glote, dor ao falar, tosse seca, etc, características estas que foram pouco valorizadas na história clínica do pacientes5-7, 9, 16. Nas crianças, predominaram as dificuldades quanto à decanulação devido à estenose parcial tardia e à formação de tecido de granulação. Dois de nossos pacientes (n° 2 e 5) permanecem com traqueostomia 12 e 18 meses após a cirurgia, com bom fluxo de ar laríngeo, mas ainda dependentes da traqueostomia. Em um paciente adulto (caso n° 7) com evolução de estenose parcial (grau 2) para total (grau 4), em 72 horas após a extubação, fizemos a cirurgia reconstrutiva com enxerto, sem colocação de molde, e pudemos retirar a traqueostomia 4 dias após o procedimento cirúrgico.

Concluindo, podemos afirmar que a técnica adotada de laringofissura e molde de "silastic" foi útil, apresentando resolução satisfatória, exceto em um paciente que foi a óbito devido à formação de rolha de catarro no pós-operatório tardio. A nosso ver, o uso de cânulas menores associado à entubação nasotraqueal reduziria em muito o trauma laríngeo e a formação de estenose subglótica, sendo a melhor conduta terapêutica e preventiva em pacientes com ventilação respiratória fechada.

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* Professor do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu- UNESP.
** Professor Assistente de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
*** Médico do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia dá Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Endereço para correspondência- Prof. Dr. Jair Cortez Montovani, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP. Fax: (0149) 22-0421. CEP 18618-000.
Artigo recebido em 3 de agosto de 1994.
Artigo aceito em 14 de dezembro de 1994.
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Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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