INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, a participação do HPV na etiologia de cânceres e lesões benignas nas áreas de otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço tem sido cada vez mais estudada. A etiologia viral tem sido aventada para diversas lesões em cavidade oral, especialmente nos casos de hiperplasias e tumores epiteliais benignos da mucosa oral, nas quais as similaridades clínicas e histológicas tornam difícil a distinção morfológica precisa1.
Várias técnicas têm sido utilizadas para a detecção do HPV, entre elas, a microscopia óptica2 e a microscopia eletrônica3. Métodos imunohistoquímicos também têm sido utilizados com sucesso na detecção de antígenos específicos virais; entretanto, pela dificuldade do crescimento do vírus em meios de cultura, somente o material clínico tem sido usado4.
As técnicas de hibridização de DNA vem permitindo determinara presença e o tipo específico de HPV envolvido em várias afecções relacionadas a seguir.
BIOLOGIA MOLECULAR
As técnicas de hibridização baseiam-se na capacidade de ligação específica de fragmentos de moléculas de DNA hélice simples a outros fragmentos de DNA ou RNA com seqüência de nucleotídeos complementares. O DNA da amostra (secreção, raspado, biópsia) deve ser inicialmente denaturado (formação de hélices simples), podendo ser fragmentado através da digestão por endonueleases específicas. Os fragmentos de DNA são testados contra uma amostra de DNA ou RNA hélice simples de seqüência de nucleotídeos previamente conhecidas (probe) e marcadas com substâncias radioativas como o P32 (radioautografia) ou com substâncias como o sistema avidina biotina ou fosfatase alcalina cujas reações com substratos específicos produzem alterações de cores ou fluorescências5. Várias técnicas de hibridização com diferentes sensibilidades podem ser utilizadas na dependência do tipo de amostra a ser testada, da rapidez com que se deseja o resultado, se para fins diagnósticos ou de pesquisa, incluindo entre outras as técnicas de Southern, Dot-blot e hibridização "in situ" 2. A síntese de seqüências de DNA em laboratório e as técnicas de amplicação de DNA envolvendo PCR (Polimerase Chain Reaction) têm facilitado a obtenção de "probes" e a detecção de moléculas de DNA em material biológico6.
INFECÇÕES POR HPV NA CAVIDADE ORAL
LEUCOPLASIA ORAL
As leucoplasias são as lesões cancerizáveis mais freqüentes na cavidade oral e têm sido bem estudadas por vários autores. O termo leucoplasia tem sido motivo de discussão e, atualmente, há tendência de se utilizar este termo baseado em critérios clínicos e não em parâmetros histológicos7. A freqüência de transformação maligna em leucoplasias orais tem sido relatada estar em torno de 0,13 a 6%.
Clinicamente, ela pode manifestar-se deformas variadas: homogênea, enrugada e verrucosa. Atualmente, a classificação utilizada por Banoczy e Sugar em 1968 tem ganho ampla aceitação: Leucoplasia Simples, Leucoplasia Verrucosa e Leucoplasia Erosiva, em ordem crescente de transformação maligna e decrescente de freqüência7.
Em relação à etiologia da leucoplasia oral, vários fatores têm sido considerados, tais como: tabagismo, álcool, restaurações dentárias, irritação mecânica, moléstias sistêmicas como a esclerodermia e infecção crônica por Candida10. Nos últimos anos, mais atenção tem sido dada à possível etiologia viral. Lind e cot. em 198611, fazendo seguimento de 20 pacientes com leucoplasia oral, conseguiram estabelecer significante relação entre presença de antígenos de HPV e grau de displasia e transformação maligana.
Através da técnica de hibridização de DNA, investigadores têm detectado seqüências de DNA de HPV nestas lesões12. Syrjanen ecol. em 198611 reportaram dois casos de leucoplasias orais positivas para HPV11 e HPV16 utilizando esta mesma técnica.
Em 1984, Greespan e col.14, descreveram um tipo de leucoplasia, denominada leucoplasia pilosa, freqüentemente associada aos pacientes portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Estudos de hibridização de DNA não têm confirmado DNA de HPV nestas lesões. Estudos recentes têm sugerido que esta lesão seja manifestação de infecção por Epstein Barr vírus.
PAPILOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS
Considerado neoplasia epitelial benigna pela maioria dos autores, representa cerca de 8% dos tumores orais em criança. Geralmente, apresenta crescimento exofítico séssil ou pedunculado de superfície verrucosa e tem baixo grau de recorrência15.
Embora de etiologia viral questionada16, as técnicas de peroxidase-antiperoxidase (IP-PAP) têm possibilitado a detecção de antígenos capsídeos em papilomas orais17.
Syrjanen e col. 198613, utilizando-se da técnica de hibridização de DNA "in situ" demonstraram pela primeira vez DNA de HPV em quatro casos de papilomas orais em secções de formalina fixada, embebida em parafina.
VERRUGA VULGAR DA CAVIDADE ORAL
As semelhanças clínica e histológica da verruga vulgar da cavidade oral aos papilomas e condiloma "acuminatum" têm gerado especulações em relação ao diagnóstico diferencial entre estas lesões. A maioria das verrugas vulgares em cavidade oral são vistas em crianças, as quais também apresentam verrugas em seus dedos8.
Embora a cavidade oral seja classicamente considerada localização incomum para verrugas, em alguns estudos, esta localização é descrita como local freqüente para estas lesões1.
Clinicamente, as verrugas vulgares apresentam-se firmes, sésseis e papilomatosas; costumam aparecer subitamente na cavidade oral e apresentam crescimento rápido. São de crescimento auto-limitado, benigno, com regressão espontânea em muitos casos18.
As técnicas que utilisam hibridização de DNA têm permitido isolar diferentes tipos de HPV nas verrugas da cavidade oral: HPV6, HPV11 e HPV2. Alguns pesquisadores têm reportado outros tipos de HPV7, 13, 32, 18 nas lesões verrucosas de pacientes portadores de SIDA14.
HIPERPLASIA EPITELIAL FOCAL (HEF)
O termo hiperplasia epitelial focal foi introduzida por Archard e cot. em 196519 para descrever lesões de mucosa oral observadas entre indígenas dos EUA e Brasil e de um esquimó do Alaska.
Clinicamente, a HEF manifesta-se com múltiplos nódulos arredondados. São lesões assintomáticas, com coloração discretamente mais pálida quando comparadas ao tecido adjacente normal. A superfície é lisa, com tamanhos que variam de 1 a 5 mm19.
O local mais freqüentem ente acometido é a mucosa jugal. A língua, gengiva e pilares anteriores são localizações incomuns, embora Axell e cot. em 198120 tenham reportado mais que 50% das lesões localizadas na língua em esquimós.
As lesões podem persistir por vários anos e regredir espontaneamente com recorrências ocasionais. É predominante em crianças e adultos jovens.
A etiologia viral para HEF tem sido sugerida por vários autores e partículas virais têm sido sucessivamente demonstradas nas lesões da HEF e técnicas imunohistoquímicas têm detectado antígenos de papilomavirus18.
Através da técnica de hibridização de DNA, o DNA do HPV foi encontrado em lesões de HEF e identificado como o HPV1321. Até o momento, o HPV13 tem sido encontrado exclusivamente em lesões orais da HEF. Posteriormente, outro vírus, HPV32, foi também encontrado em lesões da HEF18.
Embora estes dados sugiram o envolvimento do HPV na etiologia da HEF, alguns autores acreditam que influência hereditária também possa estar envolvida no desenvolvimento dessa doença18.
CERATOACANTOMA
É lesão benigna, que acomete especialmente em áreas de exposição solar. É apanágio da raça branca, sendo que o tipo solitário comumente se associa à faixa etária após os 60 anos e o tipo múltiplo antes dos 45 anos. É predominante no sexo masculino. Clinicamente, manifesta-se como pequeno nódulo com bordos elevados e depressão central. O nódulo pode crescer rapidamente atingindo até 10 a 15 mm em 8 semanas, é habitualmente assintomático, podendo ocorrer regressão espontânea. Em 8% dos casos, os lábios são comprometidos, geralmente no vermelhão23.
Embora a etiologia viral para o ceratoacantoma seja sugerida há vários anos, o HPV tem ganho substancial crédito como agente etiológico com a demonstração do HPV37 em algumas lesões, utilizando-se a técnica de hibridização de DNA24.
INFECÇÃO POR HPV NA NASOFARINGE
PAPILOMAS
A mucosa nasal e dos seios paranasais, derivadas do neuroectoderma do placódio olfatório, pode dar origem a 3 tipos de papilomas: 1. Papiloma fungiforme ou papiloma de células escamosas, que se desenvolve a partir do septo nasal anterior e raramente a partir das paredes nasais laterais ou dos seios paranasais. Apresenta-se clinicamente solitário ou múltiplo e costuma recorrer em 30% dos casos após excisão cirúrgica25. Papiloma invertido, predominante no sexo masculino, constitui cerca de 50% dos papilomas sinusais. Esta lesão origina-se na parede lateral da cavidade nasal e pode estender-se aos seios etmoidal e maxilar, com menos freqüência ao frontal e esfenóide. Menos que 10% dos casos de papiloma invertido origina-se a partir do septo nasal e é bilateral em 4% dos casos. Recorrências não são raras e cerca de 15% dos tumores têm apresentado transformação maligna25. O terceiro e último tipo de papiloma é o papiloma de células cilíndricas e é o menos freqüente, podendo ocorrer sobre a parede lateral da cavidade nasal ou dentro dos seios paranasais25.
A etiologia viral tem sido suspeitada para estes 3 tipos de papilomas, sugeridas por estudos utilizando técnicas de imunoperoxidase17.
Com a utilização da técnica de hibridização de DNA, tem sido possível associar certos tipos de HPV com estas lesões. Têm sido encontrados HPVZ, HPV6 e HPVH11 presentes em papilomafungiforme,assim como HPV11 em algunspapilomas invertidos25.
INFECÇÃO POR HPV NA LARINGE
CANCER DE LARINGE
A maioria dos cânceres de laringe são do tipo de células escamosas, que quase sempre se iniciam na corda vocal como carcinoma "in sítu". Comumente, o câncer de laringe é lesão isolada, mas em alguns casos pode apresentar potencial multifocal de invasão25.
O carcinoma verrucoso é variedade de caircinoma escamoso bem diferenciado, apresentando agressividade local com crescimento lento e geralmente não é metastatizante25.
A presença do HPV como agente etiológico do Ca "in situ" de laringe tem sido investigada e demonstrada utilizando-se técnicas imunohistoquímicas25. Também nos tecidos de cânceres de laringe, a histologia apresenta forte evidência da presença do HPV26. As diversas técnicas de hibridização de DNA, e também PCR27, têm demonstrado seqüências de HPV16 e HPV30 nos DNA oriundos de lesões de pacientes portadores de câncer de laringe,
PAPILOMATOSE RECORRENTE DO TRATO RESPIRATÓRIO (PRTR)
Também conhecida como papilomatose de laringe, a PRTR é moléstia que afeta todas as idades, mas é predominante na pré-adolescência. É considerado o tumor benigno de laringe mais comum na infância. Pela alta taxa de recorrência, requer freqüentes intervenções cirúrgicas4.
Os primeiros experimentos tentando demonstrara relação dessas doenças com etiologia viral datam de 192328. Desde então, várias técnicas têm sido tentadas na detecção de partículas virais. Processos imunohistoquímicos têm demonstrado ser úteis na detecção do HPV29.
Com a utilização da técnica de hibridização de DNA, os HPV6 e HPV11 têm sido demonstrados tanto nas lesões papilomatosas como em tecidos clinicamente normais nos pacientes portadores de PRTR30, 31. Esses autores atribuem a recorrência da moléstia à presença do vírus nos tecidos normais a e denominam infecção latente. Mounts, em 198432, sugere que o HPVH11 possa estar relacionado com pior prognóstico, inclusive com envolvimento de traquéia e pulmão. Estudos realizados por Pignatari e col. em 199231 relacionam a gravidade da doença e estensão da PRTR com a presença do HPV em locais clinicamente sadios do trato respiratório.
Os estudos utilizando PCR demonstram a presença do vírus HPV em 100% das lesões em pacientes portadores de PRTR33.
COMENTÁRIOS
Com os recentes avanços nas pesquisas de DNA recombinante, tem havido importante progresso na identificação de agentes envolvidos na etiologia de várias moléstias.
Em relação ás infecções por HPV especificamente, com a identificação de tipos e até subtipos diferentes, tem sido possível classificar as lesões de acordo com a etiologia e não somente baseando-se em critérios morfológicos. Entretanto, é bastante claro que o real significado da presença do HPV nestas lesões não está completamente estabelecido. A relação do HPV na etiologia, ou com o nível de displasia, ou com a forma de manifestação clínica, ou mesmo com o potencial oncogênico nas diversas moléstias onde o HPV está envolvido ainda está por ser esclarecida. Em se conseguindo clucidar algumas destas questões, certamente será também possível desenvolver novas e efetivas abordagens no tratamento destas moléstias.
COMMENTS
The recent progress in Recombinat DNA research has allowed the identification of etiological agents of several diseases. With increasing interest in HPV research it has been possible to identify various types and subtypes of HPV using the hybridization technique. It may prove possible to classify lesions according to their causative agent, such as HPV, instead of only by morphological criteria. However, it is clear, that the role of the HPV presence in those diseases is not completely established. Further research it is necessary to clarify which role HPV plays regarding the etiology, the displasia level, the clinical manifestation and even the oncogenesis in all of these lesions. Answering some of these questions, adequate management and therapy of these diseases will be developed.
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* Mestra e Doutora em Medicina pela Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios das Comunicações Humanas da Escola Paulista de Medicina. Responsável pela Divisão de Otorrinolaringologia Infantil do Centro de Otorrinolaringologia de São Paulo do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos. ** Professor Adjunto, Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Escola Paulista de Medicina. Chefe da Divisão de Estomatologia das Disciplinas de Otorrinolaringologia e Dermatologia da Escola Paulista de Medicina. *** Médico Residente do Centro de Otorrinolaringologia de São Paulo do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos.
Endereço para correspondência: Dra. Shirley S. N. Pignatari, Rua Vergueiro 3645 ap. 808, Vila Mariana, CEP 04101-300, São Paulo, SP, Brasil. Artigo recebido em 09 de outubro de 1994. Artigo aceito em 15 de dezembro de 1994.
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