ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2042 - Vol. 53 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1987
Seção: Artigos Originais Páginas: 121 a 123
Granuloma letal da linha média - Dificuldade no diagnóstico - A propósito de um caso
Autor(es):
Raul R. Guedes de Melo*
Mara R. Monteiro
Luiz Miguel C. Arteta**
Márcio de Campos Bueno*

Introdução

O granuloma letal da linha média é uma doença rara, caracterizada por processo inflamatório progressivo e destrutivo, que acomete as vias aéreas superiores. O palato, o nariz e os seios paranasais são os locais mais atingidos. Apesar da erosão dos tecidos, a granulomatose evolui sem adenopatias ou metástases e sem caracteres histológicos de malignidade. É letal num período de 12 a 18 meses. A caracterização da patologia exige muita atenção e criteriosa avaliação clínica, porquanto o diagnóstico é feito por exclusão(1. 5. 6, 8, 9).

Revisão bibliográfica

O granuloma letal da linha média foi descrito em 1897 por McBride, e, em 1933, Stewart(9) fez uma revisão minuciosa dos aspectos clínicos e histopatológicos. Até 1979 Legros e col.15) tinham confirmado o registro de 267 casos na literatura. A morte ocorre em meses ou anos por meningite conseqüente à erosão de estruturas vizinhas, hemorragias, septicemia ou inanição(2).

Stewart(9) descreveu 3 estágios evolutivos da doença: o primeiro, prodrómico, com duração de alguns meses a 4 anos, no qual predomina congestão nasal específica e rinorréia aquosa ou sero-sanguinolenta; o segundo, denominado estágio de atividade da doença, apresenta obstrução nasal associada a rinorréia purulenta ou pio-hemorrágica, ulcerações atingindo o septo e cornetos nasais, seguida a infecções secundárias e propagação ao lábio superior, bochecha, pálpebra inferior e saco lacrimal, ocorrendo hemorragias locais; o terceiro estágio, terminal, cursa com necrose e destruição dos tecidos moles da linha média da face, produzindo mutilações e evoluindo letalmente, entre 12 e 18 meses por caquexia ou hemorragia(3).

A etiologia é desconhecida, talvez originada por reação de hipersensibilidade acelerada, anormal, a algum agente desconhecido(1-3).

O diagnóstico é por exclusão, o que conduz alguns autores à denominação de granuloma idiopático da linha média. Homens e mulheres, em faixa etária muito variável, são atingidos pelo mal. Stewart(9), em 1933, reportou 10 casos, todos homens de 30 e 40 anos(8). Fauci, Johnson e Wolff(2) relataram, após 15 anos, 10 casos, sendo 7 mulheres e 3 homens, cujas idades variaram entre 9 e 56 anos. Durante algum tempo prevaleceu muita confusão em distinguir o granuloma letal da linha média da granulomatose de Wegener, considerados por vários autores como mesma doença, apenas em estágio diferentes. Sabemos hoje que as duas entidades são distintas, apresentando características patológicas próprias que permitem claramente o diagnóstico diferencial. O granuloma letal da linha média não ocasiona lesão sistêmica, por quanto sem comprometimento pulmonar ou renal. A lesão é destrutiva de vias aéreas superiores com extensão eletiva para o palato. A vasculite disseminada raramente ocorre. Em contrapartida, a granulomatose de Wegener apresenta infiltração pulmonar, glomerulite precoce típica progredindo para glomerulonefrite fulminante, e vasculite generalizada. Como doença inflamatória das vias aéreas superiores, atinge predominantemente a mucosa e seios paranasais. Raramente causa erosão do palato e face(²).

As lesões linfoproliferativas (reticulose polimórfica e linfomas(4), quando associadas a processos inflamatórios e necrosantes, são de difícil diagnóstico diferencial, pois, histopatologicamente, se comportam, às vezes, como o granuloma letal da linha média.

Do ponto de vista clínico poderão existir confusões com determinadas discrasias sangüíneas e certas doenças específicas (tuberculose, lepra, sífilis, coccidioidomicose, histoplasmose e blastomicose(3, 4).

Os exames complementares, segundo Fauci, Johnson e Wolff(2), para o diagnóstico de granuloma letal da linha média, por exclusão, são:

- RX de seios da face, crânio e tórax;
- Biópsia da lesão;
- Intradermo - reação de Montenegro;
- Teste de Mantoux;
- Teste cutâneo para antígenos fúngicos;
- Análise de urina;
- Testes de função renal;
- Provas de função hepática;
- Pesquisa de células LE;
- Fator reumatóide;
- Fator antinúcleo;
- Sorologia para lues.

O tratamento de escolha, segundo Fauci e Komblut(³) (I), é a radioterapia. Eles tiveram 14 pacientes tratados com 5000 a 6000 rads e 75% deles obtiveram remissão. Inicialmente utilizou-se radioterapia em doses antiinflamatórias de 1000 a 2000 rads, entretanto os maus resultados indicaram doses terapêuticas mais elevadas de 4000 a 6000 rads, na dependência da idade dos pacientes.

A quimioterapia, ineficaz no granuloma letal da linha média, dá bons resultados na granulomatose de Wegener, principalmente através da ciclofosfamida, que mantém a doença estacionada por longos períodos(³).

Durante a radioterapia as medidas de suporte, como coadjuvante terapêutico, são fundamentais. Assim, o uso de antibióticos e corticóides é indispensável no combate às infecções secundárias das vias aéreas superiores. A grande maioria dos pacientes apresenta infecções secundárias por "Staphylococcus aureus" durante ou mesmo após a radioterapia. Além da monitorização durante as aplicações de cobalto, o especialista deve estar atento a eventuais surtos hemorrágicos.

Discriminação de caso clínico

S.V.P., masculino, 14 anos, branco, natural de Jundiaí, SP, atendido no I.P.B. em 11/09/86 com queixa de "ferida no céu da boca" há 40 dias e intolerância a alimentos ácidos. Nega disfagia, febre, rinorréia, sintomas nasais e emagrecimento. Não refere epistaxe ou outros sangramentos, nem apresenta perturbação da fala (rinolalia).

Exame ORL: lesão úlcero-necrosante no palato mole à esquerda, que progredia em profundidade (2 x 2,5 cm) em direção à úvula, esbranquiçada, com pontilhados vermelhos nas bordas, indolor à palpação. Fossas nasais normais.

Exame anátomo-patológico: realizado com fragmentos extraídos da margem e do interior da lesão - processo inflamatório inespecífico úlcero-necrosante do palato mole.

Hemograma: 18000 leucócitos (bastonetes 2% - eosinófilos 28% - segmentados 56% - linfócitos 10% - monócitos 4%), eritrograma normal;

- RX de seios da face: normal.
- RX de tórax: normal.
- RX de crânio: normal.
- Intradermo - reação de Montenegro: negativa.
- Intradermo - reação de Mantoux: negativa.
- VDRL e Wasserman: negativa.
- Células L.E.: negativa.
- Fator reumatóide e látex: negativo.
- F.A.N. (imunofluorescência indireta): negativo.
- Urina I: normal.
- Provas de função renal: normais.
- Provas de função hepática: normais.
- Tomografia computadorizada: lesão do palato mole sem invasão de seios paranasais.
- Novo exame anátomo-patológico: resultado idêntico ao do exame anterior.

Após resultado de biópsia, o paciente recebeu 10 mg diários de meticortem por 2 semanas, havendo estacionamento do quadro sintomatológico. O paciente efetuou a bateria de exames parcialmente e retornou 1 mês após a 1á consulta, referindo mesmos sintomas. Foi completada a bateria de exames, incluindo C.T. Com todos exames normais foi instituído novamente 10 mg/dia/10 dias de meticortem em nova tentativa de aliviar a sintomatologia e quadro inflamatório.

Paciente escapou ao nosso controle, retornando 4 0 dias mais tarde, apresentando agravamento do quadro, com queda do estado geral, emagrecimento de 8 kg, odinofagia intensa, inapetência, progressão de lesão até a úvula, pilar anterior, amígdala esquerda e parede posterior de faringe. Como a biópsia feita novamente nada acrescentou ao diagnóstico A.P. anterior, reiniciou-se a corticoterapia e encaminhado para cobaltoterapia.

O paciente recebeu tratamento radioterápico com dose tumoral de 5000 rads, tendo sido usada megavoltagem em topografia de lesão.

Após tratamento proposto, o paciente apresentou regressão de gravidade de ulceração com diminuição de extensão e profundidade da mesma, voltando a se alimentar.

Retornou em 1 mês: lesão de palato completamente fechada e fibrosada, porém referindo otalgia bilateral, apresentando edema da epiglote e disfonia. Tratado com antiinflamatório, retornou 1 mês depois com as mesmas queixas e disfagia. No exame ORL continuava edema da epiglote, sem alterações otológicas. Retomou-se corticoterapia (5 mg/meticortem/dia) e antiinflamatórios não hormonais. Na última consulta do paciente, 15 dias após, este referia melhora completa da otalgia e apresentava, porém, disfagia e disfonia.

Conclusões

1)O diagnóstico do granuloma letal de linha média é feito por exclusão.

2) A evolução é rápida e fatal entre 12 e 18 meses, segundo maioria dos autores.

3) Ao contrário da granulomatose de Wegener, trata-se de patologia sem comprometimento sistêmico.

4) O tratamento de escolha é a radioterapia com associação de corticoterapia e coadjuvada por esmerada assistência clinica.

Referências bibliográficas

01. D'AVILA, J.S. - Granuloma letal da linha média. Revista Brasileira de ORL vol. 52 n° 1, 29137, 1986 (Jan-Fev-Mar).

02. FAUCI, A.S., JOHNSON, R.E. e WOLFF, S.M. - Radiation Therapy of Midline Granuloma. Annals of Internal Medicine, 84: 1401147, 1976.

03. FAUCI, A.S., KORNBLUT, A.D. - Idiopathic Midline Granuloma. Otolaryngologic Clinics of North America 15: 3 Aug 6851692, 1982.

04. LANCELLOTTI, CU, GRANATO, L., SANTO, G.C., VICENTIN, L.T.M., PAES, R.A.P. - Granuloma letal da linha média por reticulose polim6rfica com evolução para linfoma. Revista Brasileira de ORL vol. 51 n"- 1, 12118, (Jan-Fev-Mar), 1985.

05. LEGROS, M., BLONDEL, J.H., LONGUEBRAY, A. - Granulomatose de Wegener à debut atypique. Ann Oto-Laryng (Paris) 96, 718, 531/536, 1979. .

06. McBRIDE, P. - A case of rapid destructior of the nose and face. J. Laryngol. Otol. 12; 64J66,1987,

07. FROUD, P.J. e HENDERSON, A.H. - The Treatment of Wegener's Granulornatosi: with immunosupressive-cytotoxic drugs - 1971.

08. RODRIGUES, G.E. - Granuloma Malignc Médio Facial. Annals ORL Iber-Amer. X, 4: 2951302, 1983.

09. STEWART, J.P. - Progressive Lethal Granulomatosis Ulceration of the nose. J. Laryngol. Otol. 48: 6571701, 1933.




* Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNICAMP e Médico da Clínica e Hospital de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier- Campinas-SP
* * Residentes R1 da Disciplina de Oton inolaringologia da UNICAMP
* * * Acadêmico do 52 ano médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia