ISSN 1806-9312  
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2033 - Vol. 53 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1987
Seção: Artigos Originais Páginas: 56 a 59
Criptococose - comprometimento laríngeo. Apresentação de um caso
Autor(es):
Décío Renato Campana*
Antônio Augusto Lopes Sampaio*
Maria Carmela Cundari*
Maria Vânia F. de Almeida Prado***
Maria Tereza Gianotti Galuppo*

Resumo: Os autores apresentam um caso de comprometimento criptococótico de laringe, em paciente com criptococose pulmonar. Não encontramos, na literatura, descrição de comprometimento da mucosa laringea, mesmo em casos de disseminação da doença. O diagnóstico foi confirmado só ela necrópsia.

Sinonimia

Torulosis Blastomicose Européia, tlastomicose de Busse-Buschke.

Introdução

A criptococose é uma infecção micótica, de evolução geralmente grave, envolvendo mais freqüenteente pulmões, sistema nervoso central, pele, ossos e eventualmente cavidade oral (5,6).

O agente etiológico, o Cryptococus neoformans, é um fungo leveduriforme, monomórfico, tanto nas fases parasitária, saprofítica ou em cultura(7).

Em 1916, Stoddard e Cutler (citados por Lacaz(4) observaram alguns casos de "blastómicose" com lesões de pele e S.N.C. e isolaram uma levedura, que denominaram de Torula histolytica, hoje, definitivamente, identificado ao Cryptococcus neoformans.

O fungo apresenta-se arredondado com 4-20 micra de diâmetro, de paredes nítidas, envolto por cápsula mucopolisacarídea, às vezes com o dobro de diâmetro da célula e que constitui sua principal característica microsc6pica(7).

O material suspeito pode ser pesquisado diretamente após tratamento com potassa ou corado pela tinta da China(3,4.7).

É facilmente cultivável em ágarSabouraud ou outros meios.

No exame histopatológico, o microrganismo é cercado por halo incolor (cápsula), não corada pelos corantes comuns.

Para evidenciarmos a cápsula podemos usar o ácido periódico de Schiff (P.A.S.), mucicarmin ou GroCott(3.4).

O fungo é encontrado em fezes de pássaros, em especial de pombos. O fungo não seria patogênico para as aves, devido à mais alta temperatura corporal desses animais(3).

Em locais secos, o fungo perde a cápsula, o que favorece a infecção por via aérea, atingindo a mesma junto com a poeira.

Quadro Clinico

A patogenicidade do Cryptococcus estaria ligada à produção da cápsula(4).

No Brasil, já foram publicados cerca de 200 casos de criptococose, geralmente. casos graves, com comprometimento do S.N.C.M.

A infecção primária é geralmente pulmonar, podendo, por disseminação, atingir o S.N.C. (meningite, meningoencefalite, encefalite), a pele e o aparelho ósteo-articular.

A manifestação clínica, pela contaminação do ser humano, é diferente conforme ocorra em hospedeiro sadio. Em que a infecção pulmonar é subclínica, tipo gripal com manifestações inespecíficas, evoluindo para cura total, sem que a menos se pense na possibilidade desse tipo de infecção.

Nos pacientes debilitados ou imunodeprimidos como no diabete, doença do Hodgkin, politraumatizados, com linfoma, leucemia, uso prolongado de corticoster6ides, uso de citostáticos e devendo-se pensar hoje na possibilidade de se associar à A.I.D.S.(2). Nesses casos, a doença. adquire caráter sistêmico de alta gravidade.

A criptococose pulmonar, nesses casos, pode ter sintomas como: dor torácica, tosse com expectoração, dispnéia, febre e emagrecimento.

O Rx de tórax mostra mais freqüentemente lesão nodular unilateral bem localizada, forma pneumonca, forma miliar ou adenomegalia hilar(7).

São freqüentes as lesões pulmonares extensas de aspecto tumoral.

As formas cutâneas ocorrem em cerca de 10% dos casos, localizadas mais freqüentemente na face e couro cabeludo(1).

São geralmente lesões indolores que se manifestam como úlceras, pústulas, abcessos, tumores gelatinosos, papilomatoses e verrucoses(1,4).

Manifestações orais são encontradas nas formas disseminadas. São descritas lesões em gengiva, palato, faringe e pilares amigdalianos. São geralmente lesões granulomatosas, nodulares violáceas ou úlceras(s.s).

Não encontramos na literatura descrição de comprometimento laríngeo.

Apresentação do caso

B.D.; 45 a, masc., br., natural de Marília, Estado de São Paulo. Operário da limpeza pública, aposentado há 4 anos por alcoolismo crônico. Tabagista, 1 maço/dia há 30 anos.

H.M.A. - Atendido em 1/85 pela Clínica Pneumológica do H.S.P.M., com queixa de dor torácica, tosse seca e emagrecimento de 5 kg. em 5 meses. Rouquidão intermitente há 4 anos.

A.P. - Tem internação anterior em 2/82 na mesma Clínica com quadro diagnosticado como pneumonia intersticial de causa não esclarecida.

Exame Físico Geral - Bom estado geral, dispnéico (+), murmúrio vesicular ausente, com sinais de condensação na base do hemitórax direito. Fígado a 2 cm do rebordo, duro e indolor.

Internado pela Clínica Pneumológica em 5/2/85.

Exames subsidiários de maior interesse para elucidação clínica do caso:

Rx tórax - Opacidade homogênea, bem delimitada, ocupando grande parte do lobo inferior do pulmão direito (fig. 1 e 2).

Hemograma - Leucocitose 14.200 G.B., sem linfocitopenia.

Broncoscopia - À introdução do broncofibroscópio, notou-se, ao nível da laringe, lesão descrita como granulomatosa da corda vocal esquerda".

Na árvore brônquica, encontrouse "tumor no segmento lateral do lobo inferior do pulmão direito".

Feita biópsia da lesão pulmonar, o exame microscópico diagnosticou criptococose (fig. 3).

Liqüor - Feito na época, mostrou apenas pleiocitose às custas de leucócitos. A pesquisa do fungo com tinta da China foi negativa.

Avaliação feita pela Clínica Otorrinolaringolbgica:

Em 15/2/85, foi o paciente encaminhado à clínica O.R.L. para avaliação de sua laringe.

H.M.A. - Sem queixas atuais nos órgãos da especialidade. Referia apenas crises de rouquidão intermitente. Entretanto, no momento da avaliação sua voz era normal.



Figura 1



Figura 2



Figura 3



Cavidade bucal, orofaringe, nariz, nasofaringe e ouvidos - exame dentro da normalidade.

Laringoscopia indireta - Corda vocal verdadeira esquerda hiperemiada e infiltrada, principalmente na sua face superior (monocordite).

Indicou-se então microlaringoscopia. Durante esse exame e sob visão do microscópio notou-se lesão infiltrativa, eritematosa da face superior da corda vocal esquerda.

Feita biópsia da lesão, foi encaminhada parte do material para anatomia patológica e parte para cultura em meio de Sabouraud. (Por problemas de má informação no encaminhamento desse material, o mesmo não foi realizado).

O resultado da histopatologia foi inespecífico: "fragmento de mucosa Malpighiana, com hiperplasia pseudo-epiteliomatosa, com processo inflamatório crônico ulcerativo".

O tratamento instituído para o caso foi a associação de anfotericina B e 5 - fluorcitosina.

Após o uso total de 1.181 mg. de anfotericina B, o paciente apresentou alterações eletrocardiográficas. Houve piora do quadro pulmonar, surgindo cefaléia, visão turva e náuseas.

O líqüor feito nessa ocasião mostrou-se praticamente normal. Sendo negativa a pesquisa do cogumelo com tinta da China.

Paciente encaminhada à U.T.I. onde apresentou fibrilação ventricular, choque e óbito (18/4/85).

Necrópsia - Encontrou-se comprometimento pulmonar tipo tumoral (tórula ou criptococoma) (fig. 4).

Não havia lesão do S.N.C., que é achado freqüente nessa patologia.

No exame macroscópico da superfície interna da laringe encontraramse lesões ulceradas rasas, pálidas principalmente na corda vocal esquerda e face larfngea da epiglote.

O exame microscópico das lesões laríngeas mostrou a presença do fungo (fig. 5 - P.A.S.) e (fig. 6 - Grocott).



Figura 4



Figura 5



Figura 6



Conclusões

1 - Não encontramos, na literatura, descrição de comprometimento da mucosa laríngea, mesmo nos casos de disseminação da doença.

2 - Apesar de no exame laringosc6pico indireto inicial, haver lesão evidente na corda vocal esquerda (monocordite), a voz do paciente era normal.

3 - Como norma, toda lesão da mucosa da laringe, que foge ao quadros típicos de laringite aguda deve ser acompanhada de estudo radiológico dos campos pulmonare (principamente para excluirmos tuberculose e blastomicose).

4 - Tratando-se de micos oportunista, nesse caso a principa causa da deficiência imunitária foi provavelmente o alcoolismo crônico.

5 - Pelo exame necroscópico, apesar do grande comprometimento pulmonar e da mucosa da laringe, não havia nesse caso, como é muito freqüente nessa doença, comprometimento do S.N.C.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos ao incentivo e colaboração dados pela Clínica Pneumológica do H.S.P.M.

Summary

The authors presents cryptococcosis involving and the larynx.

We did not found in the involvement of the larynx.

Referências Bibliográficas

1. BARRAVIERA, B.; MACHADO, J.M.; MEIRA, D.A.: Criptococose. Ars Curandi. Agosto 1985.

2. BELDA, W.: Aspectos do problema da S.I.D.A (A.I.D.S.). J.B.M. vol. 48 n°- 12 - 1985.

3. COSTA, R.O.: Micologia Médica - Edição J.B.M. suplementar.

4. LACAZ, C.D.S. PORTO, E.; MARTINS, J.E.C.: Micologia Médica. 7! edição 1984.

5. MASON, D.K.; JONES, J.H.: Oral Manifestations of Systemic Disease. W.B. Saunders Company Ltd-1980.

6. SHAFER, W.G.; HINE, M.K.; LEVY, B.M.: Patologia Bucal. Interamericana 32 edição- 1979.

7. WANKE, B.. Micoses pulmonares. Ars Curandi-outubro 1984.




Endereço dos autores:
Rua Marcelina n° 241 C.E.P. 05044 S.P., Capital. Tel. 62-7110

* Chefe da Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
* * Assistentes da Clínica O.R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
* * Ex-residente do Serviço de Pneumologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
* * Assistente do Departamento de Anatomia Patológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

Trabalho apresentado, como tema livre, no 28° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, '86. S.P.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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