ISSN 1806-9312  
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2031 - Vol. 53 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1987
Seção: Artigos Originais Páginas: 50 a 53
Tromboflebite de seio lateral
Autor(es):
Jayme Nogueira Costa*
Ana Lúcia Soares Bóscolo**
Myrian Marajó Dal Secchi***

Resumo: É apresentada uma rara complicação intracraniana de otite média. Os autores descrevem um caso de Otite Média Crônica Colesteatomatosa, não tratada, que evoluiu com Tromboflebite de Seio Lateral. Foi realizado tratamento clínico na fase aguda com: antibióticos e curativos otológicos. Após melhora do estado geral do paciente, realizou-se Mastoidectomia Radical com Timpanotomia para erradicação da patologia. Houve remissão do quadro e a evolução clínica foi muito boa.

Introdução

O osso temporal compreende 2/3 da Fossa Média e 1/3 da Fossa Posterior. O Sistema Venoso do Temporal é assim formado: seio lateral ou sigmoideo, seio petroso superior e inferior, veia jugular. Devido a estas relações de continuidade e contigüidade anatômica é que advém as complicações intracranianas das patologias do ouvido médio e mastóide, através do Sistema Venoso do Temporal(4,5,7,9).

A Tromboflebite do Seio Lateral é uma inflamação e/ou obliteração do seio lateral, que se origina de infecção otogênica(2,9). Sua. fisiopatologia é explicada por 2 mecanismos: extravascular e intravascular. O mecanismo extravascular: a agressão ao seio se processa por infecção de contato, em que a osteíte mastóidea termina por atingir a túnica externa do seio lateral (periflebite), e a seguir por continuidade a túnica interna (endoflebite). No mecanismo intravascular: a infecção se propaga diretamente à túnica interna, através dos vasos sangüíneos anastomóticos, que ligam a circulação venosa mastóidea ao seio lateral, não ocorrendo o traço de união constituído pela osteíte que se verifica no mecanismo extravascular(4.5.7).

As vias de infecção para o seio podem ser: por tromboflebite de pequenas vênulas da mastóide, levando até a dura-máter e seus seios, e ocorre geralmente na otite média aguda; por erosão que ocorre devido a colesteatoma; por vias pré-formadas que podem ser aberturas anatômicas ou patológicas na mastóide, janela oval ou redonda, meato acústico interno, dueto e saco peri ou endolinfático, fratura, deiscência de desenvolvimento, ferida cirúrgica(4).

Os germes mais freqüentemente encontrados são: Estreptococos hemolíticos seguido por Pneumococos, Estafilococos e Diplococos.(4,6,8).

O quadro clínico mudou muito nos dias de hoje, apresentando várias formas de evolução. De início, o único sintoma pode ser temperatura elevadíssima, calafrios, e, entre os surtos, o paciente pode apresentar-se alerta e com bom estado geral. A anemia pode desenvolver-se tardiamente. Com a oclusão do lúmen do seio, ocorre cefaléia, papiledema e aumento da pressão liquórica. Se envolver a veia emissária. da mastóide aparece empastamento, edema na borda posterior da mastóide (sinal de Griesinger), com dor violenta à pressão da mastóide. Êmbolos sépticos podem desprender-se na pequena circulação, dando origem ao abscesso pulmonar, artrites, nefrites e miocardites.(4,5,7,9.10).

Relato do caso

Identificação: P.D.F., 24 anos, do sexo masculino, solteiro, branco, lavrador, natural e procedente de Franca-SP.

Queixa e duração. Dor de cabeça há 1 mês.

História pregressa da moléstia atual: Há um mês, o paciente apresentou quadro de cefaléia em crises, agitação psicomotora, angústia, calafrios e febre, mal-estar intenso, sudorese, tendo sido internado com diagnóstico de meningite. Melhorando, teve alta hospitalar e há 15 dia procurou o hospital, com quadro idêntico ao acima descrito, referindo nesta ocasião diplopia.

Antecedentes mórbidos pessoais. Otite Média Crónica à direita

Exame físico geral: Taquicardia ansiedade, febril.

Fundo do olho: Papiledema bilateral, mais intenso à direita.

Exame otorrinolaringológico: toscopia direita microscópica - perfuração marginal no quadrante póstero-superior da membrana timpânica com presença de material esbranquiçado, fétido no ouvido médio e conduto auditivo externo.



Fig. 1 - Audiometria Tonal Liminar - pré-operatória.



Fig. 2 - Audiometria Tonal Liminar - 1 mês pós-operatório.



Fig. 3 - Audiometria Tonal Lbninar - 4 meses pós-operatório.



Fig. 4 - RX Mastóide - incidência Schiller - pré-operatório.



Exames complementares:

I- Audiometria pré-operatória: Hipocausia de transmissão, à direita

II - Hemograma completo: Série vermelha - normal.

Série branca - leucocitose, neutrofilia, eosinofilia, linfopenia relativa, monocitose absoluta, neutrófilo com algumas granulações tóxicas Plaquetas - normais.



Fig. 5- Tomografra computadorizada - pré-operatório.



III - Cultura e Antibiograma:

Material: secreção do ouvido direito.

Agente isolado: Haemophyllus sp, Staphylococcus epidermidis (coagulase negativa).

Sensível: Amicacina, Cefaloxitina sódica, Gentamicina, Netilmicina, Claforan.

IV - Líquor: Normal.

V - Radiológico: Incidência Schiller.

O. E. - Pneumatização normal das células da mastóide.
O. D. - Esclerose pronunciada da mastóide, com destruição na área correspondente ao antro.

VI - Tomografia Computadorizada:

Presença de colesteatoma, com destruição óssea na fossa posterior direita e retenção de contraste no seio lateral, sugestivo de tromboflebite.

Evolução

Houve melhora do quadro após início da antibioticoterapia, os picos febris cederam, apresentando, às vezes, cefaléia e distúrbio de comportamento. Realizados curativos diários no ouvido direito.

Tratamento

Clínico

I - Antibioticoterapia + Gentamicina.

II - Antitérmicos.

Cirúrgico

Mastoidectomia Radical + Timpanoplastia O. D.

Anatomopatológico:

Material: Massa tumoral do ouvido médio direito e antro.

Diagnóstico: Otite Média Crônica Colesteatomatosa.

Evolução pós-operatória

Exame Otorrinolaringológico: Otoscopia microscópica direita.

A - Reepitelização da membrana timpânica, com aspecto quase normal.

B - Parede posterior com pequena retração. Após 6 meses de pósoperatório, paciente retornou, e a retração era extensa, foi colocado tubo de aeração. Com 6 meses houve melhora da retração anteriormente mas posteriormente permaneceu.

Audiometria: Hipoacusia d transmissão à direita, havendo melhora em relação a exame pré-operat6rio.

Discussão

O tratamento de escolha para tromboflebite de seio lateral, na era pré-sulfonamida foi sempre cirúrgico. A escolha da técnica cirúrgica varia com os diferentes autores, mas os princípios são geralmente comuns. A primeira etapa é o tratamento clínico com antibacterianos e anticoagulantes, para remissão do processo agudo que é caracterizado por febre alta com calafrios, hemocultura positiva e teste Tobey-Ayer-Queckenstedt positivo. Este teste consiste na punção lombar com medida da pressão liquórica. Ao se tomar esta medida e comprimindo-se uma das jugulares internas ocorre mudança da pressão liquórica. Esta pressão começa a cair depois da compressão jugular do lado doente e deixa de cair quando libera a veia jugular, indicando oclusão do seio lateral.

A segunda etapa do tratamento consiste na Mastoidectomia Simples ou Radical, se o paciente tem Otite Média Crônica Supurativa com colesteatoma, consiste na remoção do revestimento ósseo do seio assim com a exposição da parede da duramáter. Expõe-se a parede do seio lateral, palpa-se, inspeciona-se o seio com cuidado, pois um trombo purulento pode ter a mesma consistência do seio normal, ou a parede espessa da dura-máter pode esconder o trombo.
Às vezes, pode-se encontrar apenas um tecido de granulação na parede do seio, que deve ser totalmente removido.

Se os sinais e sintomas de sepsis não forem severos e o seio aparentemente tênue, não se deve fazer nada. Por outro lado, se os sintomas forem severos e a parede do seio mostrar qualquer suspeita de trombo flebite, deve explorar a parede deste seio e também seu lúmen (1,9,10).

No caso descrito, o tratamento instituído foi inicialmente antibioticoterapia (Ampiclina + Gentamicina), antitérmicos e curativos diários no ouvido. Após melhora do quadro instituiu-se a Mastoidectomia Radical + Timpanoplastia devido o paciente apresentar manifestações para o lado do Sistema Nervoso Central.

Ao se realizar a Mastoidectomia verificou-se ser a mastóide tipo ebúrnea, volumoso colesteatoma de antro, grande quantidade de tecido de granulação no seio lateral exposto, fossa posterior exposta pela duraprocidente, visualização da bigorna com processo longo destruído, estribo destruído, resto da membrana timpânica no quadrante ântero-inferior aderente ao promontório. Foi realizada a remoção do colesteatoma do antro, epitimpanectomia, rebaixamento da parede posterior para permitir completa remoção do colesteatoma. Após remoção de todo o tecido de granulação sob o seio lateral, que teria sido a causa da patologia, notou-se que não havia formação de trombo no interior do seio.

Foi feita reconstruç;io da cadeia ossicular usando-se a bigorna interposta entre o cabo do martelo e a platina móvel. Preencheu-se o ático com músculo e a cabeça do martelo, que foi removida e colocou-se enxerto de fáscia por baixo da pele da parede posterior do conduto auditivo externo.

O paciente evoluiu assintomático, houve reepitelização da membrana timpânica de aspecto quase normal. No pós-operatório observou-se pequena retração no epitfmpano, que após 6 meses tornou-se maior, e então foi colocado tubo de aeração no quadrante ântero-inferior da membrana timpânica.

Summary

The authors present a case of lateral sinus Thrombophebítes, rarely seen today. This complication occur and is very easily overlooked because of the masking effect of antibiotic.

The patient presented wide swings in temperature curve and also presented chflls preceding the sharp. rise in temperature and profuse sweats. Was treated as meningites. When he got better, a radical mastoidectomy was done, and at surgery was found a great cholesteatoma, and the lateral sinus was exposed by the pathology, with a lot of granulation tissue and pus on it. All the pathology was removdd, and tympanoplasty was done. Patient got better, and six months later was seen again, and at that time the new tympanic membrane was retractec and a sheppard tube was used.

Referências Bibliográficas

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2. FARRERAS, R. - Medicina Interna, N eu rologia, Tomo II, 1153, Editora Guanabar Koogan, 1979.

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4. HERNANDEZ, A. - Clinica e Cirurgi Otológica, Las Complicaciones venosas septicopiemas de origem otógena, 411-432 Editora Bibliográfica Argentina, 1958.

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1984.

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9. PORTMANN, G. - Traité de Technique Operatore-Orto-Rhino-Laryngologique, in Phébite Pariétale et Thrombophebite sinusojugulares, 263-255, Masson Editeurs, 1962.

10. SHAMBAUGH AND GLASSCOCK - Surgery of the Ear meningeal complications of otitis media, Third Edition, 302-309, W.D. Saunders, Co., Philadelphia, 1980.




Endereço do autor:
JAYME NOGUEIRA COSTA Rua XI de Agosto, 100
Caixa Postal, 629 Ribeirão Preto/SP.

* Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto-SP. Professor Assistente da cadeira de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo -Ribeirão Preto - SP.
** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto-SP.
*** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto-SP.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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