ISSN 1806-9312  
Sexta, 26 de Abril de 2024
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2022 - Vol. 61 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 64 a 69
A Amaurose como Complicação de Cirurgias Naso-Sinusais.
Autor(es):
Denis Ricardo Siebert*

Palavras-chave: Cirurgia otorrinolaringológica, cegueira

Keywords: Otorhinolaryngologicsurgery, blindness

Resumo: Neste artigo, o autor cita e comenta vários casos onde ocorreram severos distúrbios visuais após cirurgias otorrinolaringológicas, como amigdalectomias, correção de atresia de coanas, neurectomia do vidiano, trefinação com irrigação do seio frontal, esfeno-etmoidectomias e septoplastias. Baseado em trabalhos prévios, comentados no texto, conclui quea causa de tais acidentes podeservascular (espasmos ou embolias), ou lesão por trauma direto sobre o nervo ótico. O autor cita ainda algumas variações anatômicas que em sua opinião poderiam contribuir para a ocorrência destas lesões ao nervo ótico e conseqüente amaurose no decorrer destas cirurgias.

Abstract: In this paper, the autor comments several cases of severe visual disturbances following rhino-sinusal surgeries and others like tonsillectomy, correction of choanal atresia, vidian neurectomy, frontal sinus irrigation, ethmosphenoidectotny and submucous resection of the septum. Based on previous papers, commented in the text, the author oncludes that the cause of those accidents may be vascular (vasospasm orthrombo-embolic disturbances) or direct optic verve injury. The author also gives his opinion about some anatomic variations that might contribute to the happening of these optic nerve injuries, and consequent blindness, following such surgical procedures.

INTRODUÇÃO

Certamente é do conhecimento de todos os otorrínolaringologistas, a possibilidade de ocorrerem complicações visuais como conseqüência de cirurgias sinusais. Desde o início da residência, somos informados sobre o risco das cirurgias trans-antrais, e do cuidado que devemos ter com o teto do seio maxilar, para não lesarmos estruturas intraorbitárias. Geralmente, os residentes são também informados de que a infiltração de corticosteróides nos cornetos nasais pode resultar na ocorrência de fenômenos embólicos nos vasos retinianos, com graves conseqüências visuais. Nos últimos anos, com a popularização da microcirurgia e da cirurgia endoscópica, temos sido mais alertados em relação às inúmeras nuances na relação anatômica entre as células etmoidais posteriores, os seios esfenoidais e os nervos óticos. Existem sabidamente variações anatômicas que podem caprichosamente criar verdadeiras armadilhas, perigosas mesmo para os cirurgiões mais experientes.

A maioria de nós, portanto, já tem em mente o cuidado necessário para evitar uma lesão direta ao nervo ótico no decorrer de cirurgias como a etmoidectomia. Entretanto, muitos otorrinolaringologistas ainda não estão conscientes do risco da ocorrência de amaurose como complicação de procedimentos cirúrgicos no septo nasal. Nosso interesse por este assunto iniciou-se de uma maneira um tanto traumática, quando em 1986 participamos como residente, de uma septoplastia, que transcorreu sem qualquer incidente, mas onde no pós-operatório a paciente apresentou amaurose no olho esquerdo. Não havia lesão de outros pares cranianos. Durante todo o tempo de seguimento, apresentava mobilidade ocular e fundo de olho normais, excluindo a possibilidade de lesão direta ao globo ocular. Diante da suspeita de sofrimento agudo do nervo ótico, foi submetida a uma descompressão deste nervo (via fossa craniana anterior), no 4° pós-operatório. Este procedimento não obteve sucesso quanto à restauração da visão, embora o nervo se apresentasse macroscopicamente íntegro, e não houvesse achados cirúrgicos que explicassem a causa desta amaurose. Não é nossa intenção aqui, descrever ou discutir este caso, mas sim discorrer genericamente sobre tal situação, que tem conseqüências catastróficas para o paciente e para a equipe cirúrgica, tanto do ponto de vista legal, quanto econômico, e principalmente psicológico.

A inicial impressão de que a ocorrência de amaurose como complicação de septoplastias é de extrema raridade, vai sendo desfeita, uma vez que, apesar de estarmos há 5 anos clinicando no interior de Santa Catarina, longe dos grandes centros universitários, já tivemos conhecimento, neste período, de mais 3 casos semelhantes, sem contarmos outros, relacionados com etmoidectomias. Vimo-nos, desta forma, impelidos a manifestar nossa opinião neste artigo, no sentido de alertar os colegas da especialidade, pois o desconhecimento deste problema só contribuirá para aumentar os riscos cirúrgicos, prejudicando médicos e pacientes.

REVISÃO DA LITERATURA

Estudando a literatura, encontramos vários artigos relacionando procedimentos otorrinolaringológicos com amaurose.

Mc GREW et al (1977) relatam um caso de severas alterações visuais pós amigdalectomia. A paciente acordou da anestesia referindo amaurose no olho esquerdo e visão 20/200 no olho direito. Ao final da rernoção das amígdalas, havia sido submetida, ainda anestesiada, à infiltração de corticóide de depósito e lidocaína em ambas as lojas amigdalianas. Seu exame de fundo de olho, realizado logo após a queixa visual, mostrava vários pontos de infarto, em ambas as retinas. Havia espasmo vascular generalizado e era possível visualizar êmbolos intravasculares de ambos os lados. Foi feito o diagnóstico de oclusão vascular por êmbolos múltiplos, e a paciente foi submetida a tratamento conservador. Houve alguma melhora, e após 9 meses, sua visão era de 20/60 no lado direito, e 20/300 no lado esquerdo.

Ainda Mc GREW et al (1977) publicaram, na segunda parte do artigo, um estudo experimental onde injetavam diversas soluções na artéria carótida comum direita de cães, observando simultaneamente seu fundo de olho. Relataram que não ocorreram alterações fundoscópicas, na injeção isolada de qualquer tipo de corticóides, nem tampouco na injeção de lidocaína isoladamente. Entretanto, a injeção de adrenalina a 1:100.000, com ou sem lidocaína, provocava vasoespasmo transitório nos vasos retinianos. Associando-se ainda, mais uma suspensão de corticosteróides, ocorria severa retinopatia bilateral, independente do tipo de corticóide utilizado.

VENABLE et al (1978), relatam um caso de cegueira total bilateral, após um trauma frontal leve, sem perda de consciência, numa menina de 10 anos de idade. Não ocorreram alterações agudas no seu exame de fundo de olho, excluindo a possibilidade de lesão ao nível da retina. Esta lesão foi atribuída a uma isquemia aguda dos nervos óticos dentro do seu canal, lesão da "vasa nervorum" a este nível.

GRIFFIN et al (1979), relata 2 casos de amaurose pós-cirurgia naso-sinusal. O primeiro caso ocorreu após uma cirurgia de neurectomia do vidiano, por acesso transmaxilar. Apresentou amaurose no primeiro pós-operatório, com paresia associada dos III e VI pares cranianos. Não havia proptose do globo ocular, e seu exame de fundo de olho era normal. A politomografia mostrou fratura ao nível do canal ótico. O paciente foi então submetido à descompressão do nervo ótico por via fossa craniana anterior, mas não houve recuperação da visão. O segundo caso foi de uma paciente adulta, submetida à correção de atresia de coana à esquerda, e que apresentou importante hematoma palpebral no primeiro pós-operatório. Somente após três semanas, com a regressão total do hematoma, a paciente referiu dificuldade para enxergar com este olho. Sua acuidade visual era de 20/200, e havia uma paresia associada do VI par craniano. Uma politornografia mostrou fragmentos ósseos na região do canal óptico, caracterizando urna fratura a este nível. Como já havia passado 3 semanas, foi somente tratada clinicamente com prednisona em altas doses. Após 6 meses sua visão tinha melhorado para 20/30.

RAMSAY (1979), descreveu um caso de cegueira unilateral pós-trauma de crânio, sem perda de consciência imediata, o que possibilitou constatar a amaurose. Este paciente evoluiu para óbito no 4° dia, permitindo o exame anatomopatológico do nervo ótico. Constatou-se pequena fratura da asa menor do esfenóide. O nervo estava macroscopicamente íntegro, mas no anatomopatológico, evidenciavam-se várias áreas de infarto no mesmo. A hipótese mais provável, segundo o autor, é de que o edema causado pela fratura, comprimiu a "vasa nervorum" no interior do canal ótico, ocasionando infarto do nervo.

THOMPSON et al (1980), relataram um caso de amaurose unilateral após trefinação do seio frontal e irrigação de 5 ml de soro fisiológico, para o tratamento de sinusite frontal recidivante. Neste caso houve dor e proptose imediatas. A paciente foi submetida à descompressão da órbita, mas houve apenas discreta melhora da sua visão. Neste caso, a complicação deveu-se a uma deiscência do assoalho do seio frontal eao fato de ter sido injetado o soro fisiológico sob pressão no interior do mesmo, sem haver espaço para o líquido refluir.
RIZZO& LESSEL (1987), relataram 2 casos de amaurose bilateral, pós-anestesia geral para procedimentos ortopédicos no membro inferior, e para cirurgia de revascularização do miocárdio, respectivamente. Ambos os casos foram atribuídos a uma neuropatia aguda do segmento posterior do nervo ótico durante a anestesia, possivelmente relacionados a situações de hipotensão arterial.

Relatos de amaurose pós-cirurgia esfenoidal e etmoidal são mais conhecidos. MANIGLIA et al (1981), citam 3 casos de lesão de nervo ótico, resultando em cegueira total, como complicação de etmoidectomias. No 1° caso ocorreu hemorragia retrobulbar, tendo sido efetuada imediata descompressão da órbita, durante a qual foi evidenciada lesão de periórbita. Apesar da descompressão, a amaurose foi irreversível. O 2° caso ocorreu numa reoperação de polipose nasal. Poucas horas após a cirurgia, a paciente queixou-se de amaurose unilateral à direita. Esta paciente foi submetida a tratamento clínico com altas doses de corticóide, sem sucesso. No 3° caso, a amaurose ocorreu progressivamente, no quarto dia após a cirurgia, simultaneamente a proptose do globo ocular, devido a um abcesso retrobulbar. O abcesso foi drenado, e houve rápida regressão da proptose. A cegueira, entretanto, foi definitiva.

OHMAE et al (1986) descreveram 2 casos de distúrbios visuais após esfeno-etmoidectomia, ambos os casos operados para o tratamento de polipose naso-sinusal. No 1°caso, houve presumível lesão direta do nervo. O paciente queixou-se de estreitamento do campo visual à direita, no pós-operatório imediato, e na manhã seguinte já apresentava-se amaurótico. Diante da suspeita de lesão do nervo, foi submetido à descompressão do mesmo, com recuperação progressiva da visão, que estabilizou após 2 meses, persistindo discretas falhas no seu campo visual. O segundo paciente apresentou queixasvisuais no 1° pós-operatório, com piora progressiva no segundo dia. Na fundoscopia, apresentava edema de pupila, e a tomografia computadorizada mostrou um defeito na lâmina papirácea, com hemorragia retrobulbar. Foi tratado conservadoramente com corticóide, e melhorou parcialmente ao longo dos 60 dias seguintes, persistindo com estreitamento no seu campo visual.

Direcionando mais a pesquisa bibliográfica para cirurgias do septo nasal, encontramos alguns artigos interessantes, como o de KAMBIC et al (1968), que relatam um caso de amaurose pós-septoplastia, com infiltração de xylocaína com adrenalina, vias ressaltam que a infiltração foi realizada sempre após aspiração, excluindo a possibilidade de injeção intravascular. Neste caso a amaurose foi imediata, e o exame de fundo de olho mostrava os vasos retinianos deste lado "praticamente sem sangue".

ROSSAZZA et al (1977) relataram um caso de amaurose unilateral pós-septoplastia, por embolia ou espasmo da artéria central da retina, caracterizado por múltiplas alterações imediatas constatadas no exame de fundo de olho. Neste caso, a complicação foi relacionada pelosautores, à infiltração de xylocaína com adrenalina na mucosa do septo nasal.

PLATE & ASBOE (1981) relatam 3 casos de amaurose unilateral pós-septoplastia. Atribuem igualmente os dois primeiros casos a espasmos vasculares causados pela infiltração anestésica com vasoconstritor na mucosa septal. Entretanto, nestes casos, não havia alterações visíveis no exame de fundo de olho, levando os autores a concluir que o espasmo tinha ocorrido na vascularização do nervo ático, dentro do seu canal. O 3° caso descrito, foi atribuído a trauma cirúrgico direto no nervo,já que além da lesão do II par, houve prejuízo importante da mobilidade ocular, caracterizando lesões concomitantes do III, IV e VI pares cranianos.

CHENEY & BLAIR (1987), relataram um caso de cegueira unilateral à direita, acompanhado de dor ocular, de início 4 horas após uma rinosseptoplastia sob anestesia geral. Foi feito o diagnóstico de oclusão artéria central da retina, baseado nos achados do exame de fundo de olho. Quatro horas após o início dos distúrbios visuais, a paciente apresentou confusão mental, hemiparesia à esquerda, e posteriormente, perda de consciência. Os sintomas neurológicos regrediram totalmente em 15 minutos. A amaurose, entretanto, foi irreversível. O quadro descrito foi atribuído a um espasmo vascular no território artéria oftálmica, como reação à injeção e lidocaína a 1%, com adrenalina a 1:100.000, na mucosa do septo nasal.

WIND (1988) relatou igualmente um caso de dor súbita cegueira total no olho esquerdo, no decurso de uma inosseptoplastia realizada sob anestesia local, com infiltração de prilocaína a 1 %, com adrenalina a 1:100.000. O autor relata que apesar da queixa imediata do paciente, optou por concluir a cirurgia, e que ao final da mesma, a visão do paciente foi lentamente sendo recuperada, até a completa normalização. Um exame oftalmológico, com fundoscopia, no pós-operatório imediato, foi normal. Este episódio foi atribuído a um espasmo vascular transitório no território do nervo ótico, ou à penetração do anestésico, por alguma comunicação vascular anômala, do espaço submucoso do septo nasal, diretamente para o espaço intra-orbitário, com conseqüente infiltração anestésica do nervo ótico.

Em nosso meio, GOMES et al. (1993), relataram um caso de uma paciente de 19 anos, que apresentou como complicação de uma septoplastia, importante deficiência visual no olho esquerdo, por obstrução da artéria central da retina. A septoplastia foi realizada sob anestesia geral, complementada pela infiltração de 5 ml de lidocaína a 2% com epinefrina, de cada lado do septo cartilaginoso. Neste caso, os autores concluíram que a perda visual deve ter sido provocada por uma injeção intra-arterial inadvertida, durante a infiltração anestésica do septo nasal, levando a embolia, espasmo e isquemia do sísterna vascular intra-orbítário.

Em se tratando da apresentação de casos, não podemos esquecer também o caso relatado pelo Dr. Fred Stucker, quando ministrava curso sobre cirurgia estética facial, durante o "Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia" de 1994, em Curitiba. Sua paciente apresentou um episódio de cegueira súbita unilateral espontânea, na noite que antecedeu uma cirurgia de blefaroplastia. Certamente, se a amaurose tivesse ocorrido na noite seguinte, teria sido atribuída ao procedimento cirúrgico.

DISCUSSÃO

Como podemos observar, há na literatura relatos de vários casos de amaurose iatrogênica que nos levam a admitir etiologias vasculares, principalmente na presença de alterações no exame de fundo de olho. Muitos outros casos são muito mais compatíveis com a hipótese de trauma mecânico ao nervo óptico ou a outras estruturas intra-orbitárias. Esta hipótese torna-se mais plausível na presença de lesão concomitante de outros pares cranianos. Há ainda aqueles casos onde nenhuma lesão é demonstrável, quer no exame oftalmológico, quer no estudo tomográfico. Seriam causados por espasmos vasculares transitórios, suficientemente intensos para determinarem lesão irreversível do nervo ótico? Seriam causados por mierotraumas ao nível do canal ótico, não visíveis em tomografias, mas suficientemente importantes para causarem edema e compressão vascular dentro do canal ótico? Pessoalmente, cremos que ambas as etiologias são possíveis.

Com tantas incertezas e tantas variáveis em jogo, é natural que a conduta diante destes casos seja muito controvertida. Incialmente, é fundamental um exame oftalmológico minucioso bem como um estudo tomográfico detalhado, para se tentar determinar a causa e o topodiagnóstíco da lesão. Vários autores (NIHO et al., 1970; KENNERDELL et al 1976; OSGUTHORPE & SOFFERMAN, 1988), propõem técnicas com acessos extracranianos, para a descompressão do nervo ótico, nos casos suspeitos de lesão na região do seu canal. Esta tentativa terapêutica deve ser realizada preferencialmente nos primeiros 5 dias após a lesão. Segundo HUGHES (1962) e GRIFFIN et al (1979), se a amaurose é total e imediata, a descompressão do nervo é inútil. Deve ser tentada, no entanto, se a perda visual ocorrer progressivamente.



Figura 1 - Canal óptico (1) saliente para o interior de uma célula etmoidal posterior (2). O seio esfenoidal (3) está deslocado inferiormente.



Figura 2 - Tomografia computadorizada em corte axial mostrando acentuada hipoplasia do seio esfenoidal esquerdo.



O objetivo deste artigo, no entanto, não é discutir condutas para o tratamento, e sim alertar os colegas, visando prevenir, na medida do possível, a ocorrência de tais complicações. Em relação à prevenção do trauma direto ao nervo ótico no trans- operatório de cirurgias naso-sinusais, cremos que o ponto principal é o conhecimento minucioso da anatomia do nervo e canal óticos, bem como suas relações com os seios paranasais posteriores. Nós, em publicação anterior a este periódico (SIEBERT, 1994), bem como outros autores (Nabal et al, 1976; MANISCALCO & NABAL, 1978; BANSBERG et al, 1987), apresentamos relatos abordando detalhadamente a anatomia desta região. Gostaríamos de ressaltar que, no caso de o seio esfenoidal ser hipoplásico, as células etmoidais posteriores tendem a invadir o osso esfenóide, assumindo uma posição muito próxima do septo nasal em sua porção póstero-superior. Cremos que se nestes casos, por coincidente soma de variações anatômicas, o nervo ótico estiver exposto no interior da célula etmoidal posterior (Figura 1), seria teoricamente possível ocorrer uma lesão ao nervo ótico no decorrer de uma septoplastia em que fosse necessária a manipulação da porção póstero-superior do septo. Estaria assim configurada, como já dissemos anteriormente, uma verdadeira armadilha para o cirurgião.

O caso a que nos referimos no início deste artigo, apresentava acentuada hipoplasia de seio esfenoidal esquerdo (o lado da amaurose), o que pode ter contribuído para a ocorrência de uma eventual lesão a este nível (Figura 2). Para confirmarmos esta opinião, necessitaríamos ter acesso aos estudos por imagem de outros casos de amaurose pósseptoplastia, para verificarmos se nestes também havia hípoplasia do seio esfenoidal ipsilateral.

Cabe aqui uma reflexão sobre a relação custo-benefício de se solicitar rotineiramente uma tomografia computadorizada no pré-operatório das cirurgias naso-sinusais, ao menos daquelas onde se necessitará manipular as estruturas tratando de um país onde a saúde não dispõe de recursos mínimos para que se pratique uma medicina de bom padrão. Por outro lado, a imprensa sensacionalista (manipulada ou não), freqüentemente atribui somente ao médico, a responsabilidade por insucessos ou complicações decorrentes das más condições de trabalho, às quais a maioria de nós está sujeita.

Em todo o caso (com ou sem estudo tomográfico), gostaríamos de sugerir que, a não ser que tenhamos absoluta segurança ou absoluta necessidade, mantenhamo-nos afastados das paredes lateral e superior dos seios esfenoidais, e das mesmas paredes das células etmoidais posteriores. Ainda no sentido de se evitar complicações iatrogênicas, além do exato conhecimento anatômico, é necessário um treinamento adequado para que se adquira a destreza necessária antes de se iniciar aprática de cirurgias microscópicas ou endoscópicas. Estes equipamentos, se por um lado nos oferecem as enormes vantagens já conhecidas por todos, por outro lado, facilmente fazem com que os cirurgiões iniciantes percam o senso de direção durante o ato operatório, ao concentrarem-se demasiadamente num único local, sem a "visão de conjunto" das estruturas vizinhas.

Gostaríamos de lembrar que a etmoidectomia é uma cirurgia onde o cirurgião atua diretamente na base do crânio. Jamais deve ser considerada como um procedimento simples, ou uma "cirurgia de R-1", como costumava ocorrer no passado. É uma cirurgia de ótimos resultados, se bem indicada e executada. Entretanto, seu potencial de complicações não é pequeno, e portanto, deve ser encarada com grande responsabilidade.
As complicações oculares causadas exclusivamente por reações vasculares, podem ser difíceis de prevenir. Entretanto, alguns autores (PLATE & ASBOE, 1981; CHENEY & BLAIR, 1987), recomendam os seguintes cuidados:

- aplicar vasoconstritores tópicos na mucosa nasal antes de infiltração de anestésicos locais, reduzindo assim, a possibilidade de injeção intravascular;

- efetuar a infiltração anestésica lentamente, com pouca pressão, e de preferência com aspirações freqüentes;

-abolira injeção de qualquer forma de corticosteróide na mucosa nasal.

Finalizando, gostaríamos ainda, de tecer algumas considerações sobre aspectos éticos e legais que normalmente acompanham situações como as descritas. Diante de complicações como a amaurose, é comum a ocorrência de processos judiciais e ético-disciplinares envolvendo a equipe médica. A maioria destes casos é de julgamento extremamente difícil. É preciso todo o cuidado para não se atribuir levianamente ao cirurgião a culpa (imprudência, imperícia ou negligência) por uma situação que muitas vezes era imprevisível, quando não inevitável. Não quero externar uma opinião corporativista, defendendo o médico e todo custo. Possivelmente ocorram casos decorrentes de imperícia, mas certamente outros casos há, onde não se pode atribuir ao médico qualquer culpa. Não podemos permitir que tais casos sejam jugados precipitadamente. Na minha opinião, dificilmente um perito isoladamente, reunirá conhecimentos suficientes para emitir um parecer justo. Os indivíduos (médicos ou não), designados para a espinhosa tarefa de julgar tais situações, têm a obrigação moral de cercarem-se de assessoria isenta e extremamente especializada especificamente nesta área. Só assim pode-se diminuir ao máximo o risco de se cometerem injustiças, tanto para o médico quanto para o paciente.

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* Professor auxiliar de ensino (doutor) da disciplina de Clínica Cirúrgica III, área de Otorrinolaringologia, da Universidade Regional de Blumenau. Instituição: FURB - Universidade Regional de Blumenau - Rua Antônio da Veiga, 140 - Departamento de Saúde.

Endereço do autor: Rua Prefeito Frederico Busch Jr., 255 sala 308, Blumenau - SC, CEP 89020-400.

Artigo recebido em 12 no outubro de 1994.

Artigo aceito em 15 de novembro de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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