ISSN 1806-9312  
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2018 - Vol. 61 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 36 a 44
Estudo Epidemiológico de 80 Pacientes com Epistaxe Atendidos no Hospital João XXIII.
Autor(es):
Dayse Luce*,
Fabrício Sanfins**,
Ricardo Costa VaI***.

Palavras-chave: Epistaxe, epidemiologia

Keywords: Epistaxis, epidemiology

Resumo: Foram estudados prospectivamente 80 pacientes com epistaxe atendidos no serviço de ORL do Hospital João XXIII no período de abril a setembro de 1993. Foram usados como parâmetros de avaliação: anamnese, exame físico e um protocolo específico; os exame laboratoriais foram realizados quando necessários. O objetivo dos autores foi correlacionar: idade e sexo com n ° de recidivas e localização do sangramento; tratamento e intensidade da epistaxe; etiologia com intensidade cidade dos pacientes. Cinqüenta e cinco porcento dos pacientes eram do sexo masculino; a história de recidivas foi positiva em 57,5% dos casos; a epistaxe anterior foi verificada em 83,8%. O tratamento mais utilizado foi a cauterização química (51,3%); o sangramento de pequena intensidade foi encontrado em 47,5%. As etiologias mais freqüentes foram as causas sistêmicas (52,5%), observou-se diferenças em relação aos grupos etários e intensidade do sangramento. Os autores concluem que não houve diferença significativa entre recidivas e localização da epistaxe em relação à idade e ao sexo dos pacientes estudados. Observou-se relação importante entre a intensidade do sangramento e o tratamento realizado. Do mesmo modo, as etiologias diferem conforme o grupo etário ase apresentam com sangramento de diferentes intensidades.

Abstract: A prospective study was performed in 80 patients with epistaxis attended in ENT service of João XXIII Hospital from April to September 1993. The parameters for analysis were anamnese, physical examination and a specific protocol. The complementary tests were performed when necessary. The objective of the authors was to investigate some correlation among: age and sex with number of recurrent and place of bleeding; treatment and intensity of epistaxis; etiology with intensity and age of patients. Fifty five percent of the patients were male; history of recurrences was positive in.57,5% of the cases; anterior epistaxis was verified in 83,8%. Chemical cauterization was the treatment more used (.51,3% ). The bleeding was classified as small in 47,5%. The most frequent etiology was sistemics causes (52, 5% ). Differences were observed in relation to age groups and intensity of bleeding. The authors conclude that there wasn't significant differences among number of recurrences and place of epistaxis in relation to age of patients sex. However they observed important correlation between intensity of bleeding and treatment. Like wise the etiologies defer in confomity to age group and have differents intensity of bleeding.

INTRODUÇÃO

A hemorragia nasal ou epistaxe constitui uma das causas mais freqüentes de hemorragia¹ sendo uma emergência relativamente comum ² ³. Muitas pessoas terão ou já tiveram algum episódio durante a vida³. Nas crianças, é uma queixa freqüente, principalmente na faixa dos 2 aos 10 anos.

Geralmente a epistaxe é de pequena intensidade e cede espontaneamente¹. Entretanto, em alguns casos, há um intenso sangramento inclusive com repercussão hemodinâmica. Em outros, pode ser a primeira manifestação clínica de um distúrbio ainda não detectado 2,5 .

Não é nossa intensão esgotar o assunto, mas discutir fatores epidemiológicos, recidivas, localização e intensidade do sangramento, etiologia e tratamento, correlacionando-os de acordo com o grupo de 80 pacientes pesquisados no serviço de ORL do Hospital Pronto Socorro João XXIII.

REVISÃO DA LITERATURA

Além do olfato o nariz desempenha as funções de aquecimento e umidifícação do ar inspirado. Isto só é possível através de sua rede vascular.

Anatomicamente, a irrigação sanguínea arterial é bem assegurada. Primeiro, encontra-se o ramo terminal da a. maxilar interna que passa pelo forame esfenopalatino. Asa. a. etmoidais anterior e posterior, ao chegarem às fossas nasais, dividem-se em ramos externos (irrigam a mucosa dos cornetos) e ramos internos (que se destinam a mucosa septal)¹. Estes últimos sofrem, anteriormente, múltiplas anastomoses entre si e com as a. subseptal, a. palatina superior e ramo terminal da a. maxilar interna, formando a mancha vascular ou plexo de Kisselbach, situado na borda anterior do septo cartilaginoso.

Em relação à etiologia, muitos fatores podem estar presentes e devem ser pesquisados 4 . Dentre as doenças locais há as inflamações, infecções (furunculose, micoses, etc.), sinusite crônica, pólipos nasais, tumores, alergia, agentes, químicos, anormalidades anatômicas, etc. Nas causas pós-traumáticas estão a cirurgia, corpos estranhos, atritos digitais, fraturas e o trauma propriamente dito. Nas doenças sistêmicas, as mais importantes são as coagulopatias primárias e secundárias, púrpura trombocitopênia idiopática, púrpura não trombocitopênica, moléstia de Von Willebrand telangectasia hemorrágica hereditária, a hipertensão arterial e aterosclerose. As outras causas englobam vários outros estados mórbidos: hipovitaminoses (vit. C e K), doenças infecciosas (febre tifóíde, escarlatina, impaludismo), uso de drogas (anticoagulantes AINE's, cloranfenicol, quimioterápicos), leucemias, distúrbios endócrinos, nefrite aguda, hepatopatias e as epistaxes essenciais dos jovens 1,4.

Para um diagnóstico correto, há que se lançar mão da anamnese bem feita e do exame físico. Perguntas sobre a duração, intensidade, localização e freqüência das epistaxes são fundamentais. História positiva de hemorragias prévias, história familiar de discrasias sangüíneas e tendência a sangramento devem ser pesquisados. Algumas vezes, o próprio paciente relata história de trauma que desencadeou o quadro; outras vezes, fatores como infecções, inflamações e uso de medicamentos estão presentes. As doenças sistêmicas por sua vez, acompanham-se geralmente de sintomas gerais. Entretanto, deve ser notado que a epistaxe recorrente na infância pode ser a única manifestação clínica de uma diserasia sangüínea como a moléstia de Von Willebrand 4.

No exame físico, inclui-se os sinais vitais com atenção para a determinação dos níveis pressóricos. O exame local deve ser feito com a rinoscopia anterior e posterior e recentemente através da nasofibroscopia. Procura-se determinar a localização e intensidade do sangramento assim como a presença de sinais flogísticos, traumas, desvios anatômicos, pólipos ou massas.

O tratamento da epistaxe vai depender da história clínica e do exame físico. De qualquer maneira, faz-se necessário interromper o sangramento e previnir sua recorrência interferindo sempre que possível, nos fatores associados.

Felizmente, 90% das epistaxes anteriores são resolvidas facilmente ou com pressão firme aplicada a ambas narinas logo acima das cartilagens alares ou com tampão de algodão embebido em solução anestésica com vasoconstritor.

Nos casos onde o sangramento é localizado a cauterização elétrica ou química (ac. trieloroacético a 30% ou nitrato de prata) pode ser usada. Evitando-se a cauterização prolongada e bilateral pelo risco de perfuração septal.

Em recentepalestraproferida pelo Dr. Roberto Eustáquio Guimarães foi citada a infiltração de SF 0,9% associado a anestésico no forame esfenopalatino com o objetivo de comprimir a artéria diminuindo temporariamente o sangramento e facilitando a localização do vaso sangrante. Quando os métodos anteriores falham ou o sangramento é abundante e não localizado opta-se pelo tamponamento anterior (gase própria, balonetes ou balões) que deve ser, mantido por 24 ou 48 horas e removido com cautela.

Se a hemorragia é mais intensa a rebelde, indica-se o tampornamento ântero-posterior que deve ser mantido durante 3 a 5 dias. O paciente deve receber analgésico e antibióticos. As complicações existem e podem ir desde a obstrução do complexo osteo meatal levando a sinusites até casos de morte súbita por hipóxia e arritmias devido a obstrução nasal total. Alguns balonetes novos apresentam um lúmen interno que permite a respiração nasal, porém de alto custo.

Em casos excepcionais onde todos os métodos falharam, pode-se tentar a ligadura do ramo terminal da a. maxilar interna ou ramos da a. a. etmoidais. A microeirurgia endonasal tem tido bons resultados. Entretanto, as ricas anastomose podem dificultar o controle do sangramento.

Em outros casos, a embolização arterial seletiva pode se usada. Como exemplo, pode ser coadjuvante no pré-operatório do angio fibroma juvenil. Entretanto, o método pode apresenta complicações sérias como o acidente vascular cerebral (AVC)

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram estudados prospectivamente 80 pacientes com quadro de epistaxe atendidos no serviço de ORL do Hospital Pronto Socorro João XXIII no período de abril a setembro de 1993. Deste total, 55% pertenciam ao sexo masculino e a idade variou dos 3 aos 79 anos com média de 47 anos.

Todos os pacientes que procuraram o hospital devido à epistaxe e concordaram em participar do trabalho foram selecionados e examinados pelos autores (F. S. e D. L.). Um protocolo foi preenchido em todos os casos e constava de: data, n° do prontuário, nome do paciente, idade, sexo, cor, procedência, história de recidivas, doenças atuais, uso de medicamentos, localização da epistaxe, intensidade e tratamento realizado.

Algumas observações devem ser feitas em relação à:

a) Idade: as diferentes idades foram agrupadas em três grandes grupos:

1° grupo: de um aos 20 anos
2° grupo: dos 21 aos 50 anos
3° grupo: acima de 51 anos

b) Cor: o item cor não foi avaliado pois a grande maioria de nossa pop. é mestiça.

c) Procedência: não foi avaliado pois a maioria era da grande Belo Horizonte; alguns poucos vieram do interior e somente 2 pacientes de outros estados.

d) História de recidivas: em muitos casos torna-se difícil avaliar a quantidade exata de episódios de sangramentos anteriores, pois os pacientes ou não sabiam informar ou não se lembravam e relatavam somente "vários episódios". Portanto, preferimos quantificar em três faixas: uma recidiva; duas recidivas; três ou mais.

e) Doenças atuais, uso de medicamentos ou drogas: estes dados junto com a anamnesé e o exame físico foram usados para classificara etiologia da epístaxe em causas locais, sistêmica e pós-traumáticas. Deste modo, entre as locais estão as inflamações, infecções, pólipos nasais, tumores, alergias, sinusite crônica, agentes químicos e anormalidades anatômicas. As causas sistêmicas englobam a hipertensão arterial, aterosclerose, cardiopatias, coagulopatias, hipovitaminoses, desnutrição, uso de drogas, distúrbios endócrinos, renais e hepáticos. As causas pós-traumáticas são aquelas em que há história de trauma como atritos digitais, cirurgias e fraturas.

f) Localização: o local do sangramento era estabelecido pela rinoscopia anterior e posterior. O serviço não dispõe de naso fibroscópios, que seria o ideal. Assim sendo, classificou-se a epistaxe em anterior e/ou posterior. A lateralidade do sangramento não foi enfocada no protocolo não sendo objetivo de avaliação.

g) Intensidade: foi tentado o uso da escala de Katsanis 4 para quantificar o sangramento. Porém sua prática foi inviável: esta apresenta a epistaxe de pequena e grande intensidade não mencionado a de média intensidade; foi originalmente elaborada para a pop. infantil o que limita seu uso. Portanto, para o sangramento de grande intensidade foi necessário a presença de repercussão hemodinâmica. Na classificação de pequena e média foram usados o relato do paciente, bom senso do examinador e quantidade de lenços, toalhas ou compressas utilizadas durante a epistaxe (< - a uma toalha: pequena intensidade; mais de uma: média intensidade).

h) Tratamento: os métodos de tratamento disponíveis em nosso serviço são restritos a pressão externa; algodão com vasoconstritor ou água oxigenada; cauterização química com ácido tricloroacético a 30%; tamponamento anterior ou posterior com gase própria. Em alguns casos foram usados o tamponamento ântero-posterior pela técnica dos Drs. José Maria Aragão / Jaôr W. Menezes 6. Nos casos de sangramento médio ou intenso, os pacientes eram internados para observação (ocasião onde eram pedidos exames complementares) e após controle clínico e estabilização do quadro recebiam alta hospitalar com retorno marcado para remoção do tamponamento dentre de 3 a 4 dias. Nos casos de tratamento cirúrgico, os pacientes seriam transferidos para o serviço de ORL da Santa Casa de Misericórdia de Beste. Neste trabalho não houve nenhum caso de tratamento cirúrgico.

Após a coleta de dados foi usado o programa Public Domain Software for Epidemiology and Disease Surveillance: Centers for Disease Control Epidemiology Program Office (Atlanta, Georgia), para a análise estatística.

RESULTADOS

Os resultados estão apresentados nas tabelas 1A, 1B, 2A, 2B, 3, 4A e 4 B com seus respectivos gráficos.

As tabelas 1A e 1B referem-se respectivamente ao sexo e idade dos pacientes associados aos episódios de recidivas de sangramento.

As tabelas 2A e 2B referem-se ao sexo e idade dos pacientes em relação a localização das epistaxes.

Não foi observado diferença estatisticamente significativa (P>0,05) em relação aos dados discriminados nas tabelas anteriores.

A tabela 3 refere-se à intensidade do sangramento e ao tratamento realizado. Houve forte associação no que diz respeito a estes parâmetros (P=0,0000061).

As tabelas 4A e 4B se referem às etiologias da epistaxe e sua relação com a intensidade do sangramento e com o grupo etário, respectivamente. Houve diferenças estatisticamente significativas (P<0,05) em relação a estes parâmetros.

DISCUSSÃO

O presente estudo sobre epistaxe já havia sido apresentado na literatura médica 2,3,5,8. Entretanto, a importância do trabalho encontra-se no local onde foi realizado: um serviço de Pronto Socorro, pertencente à rede pública de saúde, que apresenta dificuldades e limitações e dentro da realidade de muitas capitais brasileiras. Além disso, o número de pacientes avaliados permitiu um estudo representativo.

Como mostrando em alguns trabalhos, o sexo masculino foi predominante em 55% dos pacientes estudados. Na pesquisa de episódios anteriores de sangramento obteve-se 57,5% de relato positivo. Entretanto, o sexo e a idade não influenciaram o número de recidivas.























De acordo coma líteratura, a epistaxe anterior foi a mais encontrada com 83,8% dos casos, mas não foi observada relação estatisticamente significante entre a localização da epistaxe com o sexo e a idade dos pacientes.

Discordando da literatura 1,3,6,10 onde a pressão externa como tratamento foi eficaz, em muitos casos nós utilizamos a cauterização química em 51,3%, seguido do tamponamento anterior, com 28,8% dos casos. Isto está relacionado ao tipo de paciente atendido (muitas vezes já drenados de outros hospitais) e com o tipo de serviço prestado num hospital de Pronto Socorro onde o objetivo inicial é prestar um atendimento de urgência á população.

Em nosso trabalho, o sangramento mais comum foi o de pequena intensidade com 47,5% dos casos estando de acordo com muitos trabalhos. O estudo estatístico revelou diferenças significativas entre a intensidade do sangramento e o tratamento realizado.

Quanto a etiologia da epistaxe, as causas sistêmicas alcançaram 52,5% dos casos e evoluíram, na maioria das vezes, com sangramento de média ou grande intensidade. Entretanto as causas locais evoluíram mais vezes, com pequeno sangramento. Além disso, a etiologia apresentou diferenças quanto ao grupo etário: predominaram causas locais no 1° grupo e sistêmica no 30 grupo; no 2° grupo houve pequenas diferenças das causas sistêmicas para as locais. Em todos os grupos as causas pós-traumáticas foram minoria. Assim, a análise estatística revelou diferenças significantes entre a etiologia da epistaxe conforme o grupo etário, a intensidade do sangramento e o tratamento realizado.























CONCLUSÕES

A epistaxe é considerada uma das causas mais comuns de sangramento espontâneo sendo uma entidade encontrada com freqüência nos serviços de urgência. Deste modo, torna-se importante conhecer as características dos pacientes que procuram este serviço a fim de uniformizar e padronizar o atendimento melhorando a qualidade do serviço prestado e proporcionando redução dos custos para o hospital.

Concluímos que:

A) Não existe uma escala viável para quantificar a intensidade do sangramento nasal, principalmente em adultos.

B) Não existiram diferenças significativas entre o número de recidivas e a localização da epistaxe com a idade e o sexo dos pacientes.

C) O fator etiológico varia conforme o grupo etário, influência a intensidade do sangramento determinando o tratamento realizado.

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* Otorrinolaringologista e cirurgiã de cabeça e pescoço; membro da Sociedade Brasileira de ORL; concursada prol. auxiliar do Departamento de ORL da UFMG; membro efetivo do serviço de ORL do Hospital João XXIII.
** Estudante do 6° ano da Faculdade de Medicina da UFMG; bolsista da FHEMIG (Hospital João XXIII).
*** Estudante do 6° ano da Faculdade de Ciências Médicas de MG; bolsista da FHEMIG (Hospital João XXIII).

Trabalho realizado no Hospital João XXIII.

Av. Alfredo Balena, 400 -Belo Horizonte- MG - CEP 30150-270.

Trabalho apresentado no II Encontro Médico da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.

Endereço para correspondência: Fabrício Sanfins, Rua Brás Pires, 34 - Belo Horizonte- MG- CEP 30580-570.

Artigo recebido em 09 de março de 1994.
Artigo aceito em 25 de julho de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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