ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
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2015 - Vol. 61 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1995
Seção: Artigos Originais Páginas: 20 a 22
Otite Externa Maligna : A Importância do Teste de ELISA
Autor(es):
Noisio Guilherme Moraes Ferreira *,
Ary Guilherme Ferreira**,
Claudia M. Valete***,
Alexandra Torres Cordeiro ***,
Arthur Otávio AviIa Kós ****.

Palavras-chave: Otite externa, síndrome da imunodeficiência adquirida

Keywords: External otitis, acquired immunodeficioncy syndrome

Resumo: Os autores relatam o caso de jovem, não-diabético, HIV positivo, que apresentou quadro de otite externa maligna. Discutem aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos da doença. Concluem que a otite externa maligna pode acometer jovens não-diabéticos quando associada à infecção pelo HIV. Por fim sugerem a realizacão de um teste de ELISA de rotina para todos os paciente com diagnóstico de otite externa rnaligna com objetivo de detectar infecção pelo HIV.

Abstract: The authors related a case of young man, non-diabetic, HIV positive, who presented a malignant external otitis (MEO). Clinical aspects, diagnostic procedures and therapeutics aspects of disease are discussed. They conclude that MEO may be associeted with HIV infection and sugest that ELISA's test should be done for all patients with diagnosis of malignant external otitis.

INTRODUÇÃO

Em 1968 Chandler utilizou pela primeira vez a expressão otite externa maligna (OEM) para caracterizar uma otite externa que evoluia com osteomielite do osso temporal causada por pseudomonas aeruginosa, que acometia pacientes imunocomprometidos, idosos e diabéticos (1-2). Desde então esta patologia tem sido diagnosticada em seus estágios iniciais, possibilitando uma melhora nos resultados terapêuticos, apesar do índice de letalidade continuar elevado (3-5).

Descrição do caso:

Homem branco, bissexual, 26 anos, não-diabético, HIV positivo assintomático, procurou o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho queixando-se de otalgia intensa, otorréia, plenitude auricular e surdez no ouvido direito há 4 meses, já tendo sido tratado por diversos especialistas sem sucesso. Negava patologia anterior no ouvido direito.

Ao exame físico observamos: linfoadenomegalia de cadeia cervical anterior direita. Hiperemia gengival difusa recoberta por exsudato branco ( tipo leite talhado) compatível com monilíase oral. Sinais flogísticos em pavilhão auricular direito. A otoscopia de ouvido direito revelou otorréia mucopurulenta, edema difuso com estreitamento da luz do conduto auditivo externo e pequeno pólipo no seu terço inferior. Membrana. timpânica íntegra.

Diante da constatação de otite externa difusa, refratária a tratamento clínico usual, em pacientes sem patologia prévia de ouvido, fizemos a suposição diagnóstica de otite externa maligna. Solicitamos então os exames complementares que a seguir descrevemos:

- Hemograma: leucocitose com desvio para esquerda ( 13.000 leucócitos / 7 bastões)
- Glicemia de jejum: 81 mg%
- VDRL: negativo
- FTAbs: negativo
- Teste de ELISA: positivo
- Audiometria: disacusia mista direita
- Radiografia das mastóides: sem anormalidades
- Cultura da secreção do ouvido direito: crescimento de Pscudomonas aeruginosa
- Cintilografia com Tecnésio 99 : hipercaptação do radioisótopo em topografia de osso temporal direito

Confirmado o diagnóstico de OEM, internamos o paciente que foi submetido a antibioticoterapia venosa por 4 semanas com ceftazidime (6g/dia) e recebeu cuidados locais no ouvido (gotas otológicas de gentamicina e cauterização do tecido de granulacão). O tratamento foi completado, a nível ambulatorial, com quinolona via oral (pefloxacin 800mg/dia ) por mais 6 semanas quando a cintilografia com gálio 67 mostrou-se normal e o paciente foi considerado curado.

DISCUSSÃO

A OEM é uma forma rara de infecção necrotizante que se caracteriza por progressiva celulite, condrite e osteomielite do canal auditivo externo, causada quase sempre pela P. aeruginosa, embora outros patógenos possam ser encontrados (Staphylococcus sp., Proteus sp., klebisiella sp.) (1,2,6-9). Acomete principalmente idosos e diabéticos (média de idade de 71 anos) (5) e paciente imunocomprometidos (usuários de quimioterapia ou corticosteróides, hipogamaglobulinemia) (7,10-14). O diagnóstico se baseia na detecção de osteomielite do osso temporal através de cintilografia óssea com Tecnésio 99,Gálio 67 ou Indium 111 (15-19). O tratamento consiste em antibioticoterapia prolongada antipseudomonas (cefalosporinas de 3a geração , aminoglicosídeo associado a penicilina ou quinolona via oral ) (6,9,20-24). Por outro lado a AIDS é uma pandemia que apresenta rápida e progressiva expansão e já atinge a proporção assustadora de 850.000 casos notificados no mundo e uma estimativa de 30.000.000 de portadores sãos do HIV. O Brasil é o terceiro país no mundo em números absolutos com um total de 52.000 casos notificados até maio de 1994. Vale ressaltar que devido à subnotificação este número certamente é bem mais expressivo.

As manifestações otorrino laringológicas relacionadas a AIDS são : a candídiase oral, leucoplasia pilosa, úlceras orais, doença periodontal, herpes labial, sarcoma de kaposi mucocutâneo, linfomas, linfadenomegalia cervical e sinusites recorrentes. Também já foram descritos casos de otossífilis, condiloma oral, e paralisia facial (24-25) .
Doencas otológicas na AIDS não são muito freqüentes(25).

A AIDS é causada pelo HIV (Vírus da Imunodeficiêneia Humana) e caracteriza-se por urna progressiva depressão do sistema imunológico dos indivíduos infectados o que predispõe a ocorrência de todo o tipo de infecções oportunistas, incluindo infecções do ouvido e do osso temporal. Existem alguns relatos de otite externa necrotizante causada por Aspergillus Fumigatis em pacientes com AIDS (26). Correlação entre OEM e AIDS não é tão incomum, e na revisão da literatura encontramos alguns artigos fazendo referência ao assunto (27-30).

Os mecanismos de defesa comprometidos dos portadores do HIV, incluindo a deficiência da imunidade celular, a deficiência da resposta humoral, a inibição da atividade de imunovigilância das células NK e a perda da integridade mucocutânea podem explicar a predisposição às infecções graves por Pseudomonas Aeruginosa nos pacientes HIVpositivos, entre as quais a otite externa maligna.

O caso por nós apresentado de um jovem, não-diabético com OEM sem nenhum fator predisponente detectável para justificar esta doença grave, nos faz acreditar que a infecção pelo HIV foi o fator facilitados para o desenvolvimento da OEM. Permiti-nos ainda sugerir,devido a elevada incidência de portadores do HIV no nosso meio, que qualquer paciente com diagnóstico de OEM deva realizar um teste de Elisa coro a finalidade de detectar infecção pelo HIV.


CONCLUSÃO

Apesar da OEM ser uma doença tipicamente relacionada a idosos e diabéticos, a presença de um otite externa de difícil tratamento em jovens não-diabéticos deve fazer o otorrino suspeitar da possibilidade do diagnóstico de OEM e de sua associacão com a infecção pelo HIV (AIDS). Devido a elevada incidência de portadores do HIV no nosso meio, deve fazer parte da rotina de investigação de casos de OEM a solicitação do teste de ELISA com o objetivo de detectar infecção pelo HIV.

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* Pós-graduando (doutorando) da disciplina de otorrinolaringologia da F.M. I. U. S. P. Professor Assistente de Otorrinolaringologia da UFRJ, ex-bolsista do institut, Georges Portmann (Bordeaux-Franca), otorrinolaringologista do Hospital São Vicente de Paulo-RJ
**Chefe do servico de Otoneurologia do HGB
*** Residentes de ORL do HUCFF/UFRJ
**** Professor Titular de O RL do HUCFF/UFRJ

Trabalho realizado no Servico de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementina Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ).

Endereco para correspondência: Noisio Guilherme Moraes Ferreira
Rua Domingos Ferreira, 15, ap. 1202 - Copacabana 22050-010 - Rio de Janeiro - RJ

Artigo recebido em 27 de setembro de 1994.

Artigo aceito em 28 de novembro de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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