I - Introdução
Estamos assistindo a ocorrência de um exemplo claro da observação de Phelps. De forma aberta ou sutil, as empresas que vendem aparelhos auxiliares de audição, estão se aproveitando da inércia da classe médica para atuar diretamente sobre indivíduos, cujos problemas deveriam ser inicial e preponderantemente equacionados à luz de conhecimentos médicos, o que caracteriza a utilização do doente quase que exclusivamente como meio de obtenção de lucro.
Pretendemos analisar neste trabalho, as bases sobre as quais se assentam as deficiências nas respostas a sons, e o papel que o médico, individualmente e dentro da classe, precisa exercer, para a salvaguarda dos interesses de doentes e da so¬=ciedade na qual nos inserimos.
II - Ação dos aparelhos auxiliares auditivos
Estes instrumentos efetuam a amplificação de sinais acústicos recebidos por meio de um sistema do qual constam: um microfone, um amplificador e um alto¬falante. A amplificação obtida tem características diferentes, que variam conforme estejam construídos e relacionados os elementos do sistema. Desta forma, o som que entra pelo microfone (input), sairá (output) modificado quanto a proporção relativa de energia sonora das várias freqüências componentes do som inicial. Desta forma, as "Curvas de Respostas" dos diferentes aparelhos, serão diversas quanto às ênfases dadas à amplificação de sons graves e agudos. Serão diferentes também quanto à potência média de amplificação, existindo aparelhos que amplificam pouco e outros bastante potentes. Além destes aspectos básicos, os aparelhos se diferenciam por refinamentos eletrônicos, dos quais o mais importante é o sistema que permite o controle de saída, impedindo a produção de intensidades lesivas às estruturas nervosas do ouvido, o que pode ocorrer em patologias localizadas na cóclea.
III - Limitações dos aparelhos Os benefícios do uso de amplificação acústica por deficientes auditivos são inúmeros, todavia os aparelhos disponíveis atualmente, não superam alguns problemas, dentre os quais se destacam:
a) impossibilidade de se obter boa qualidade e intensidades fortes em equipamentos pequenos, como são os aparelhos individuais. Ao se procurar obter intensidades muito fortes, ocorre distorção de freqüências;
b) ao lado desta limitação eletrônica, há outra mais importante, a decorrente de características fisiopatológicas. As falhas auditivas são praticamente características de cada caso, enquanto que a fabricação de aparelhos é feita em linha para alta produção, diferenciando-se apenas tipos padrões e que se destinam a atender os vários tipos de perturbações.
IV - Indicações gerais dos aparelhos auxiliares auditivos
Evidentemente, eles devem ser utilizados por pessoas que apresentam diminuição da acuidade auditiva, não passível de eliminação através de procedimentos médico-cirúrgicos e, nos quais, o estudo clínico comprove haver benefício com o uso de amplificação.
Apesar das limitações que eles apresentam, os aparelhos auxiliares constituem um recurso de grande valia no atendimento médico-educacional de deficientes auditivos. Graças a programas que os utilizam como um dos recursos metodológicos básicos, pode-se evitar o isolamento e degeneração da fala em deficientes auditivos congênitos. Tal é o seu valor quando escolhidos com base em estudo médico adequado, que eles estão sendo indicados o mais precocemente possível, e praticamente para todos os graus de perda auditiva "nervo-sensorial" em crianças. Adultos e jovens com deficiências auditivas não solucionáveis através de procedimentos médico-cirúrgicos, também podem aproveitar os recursos de amplificação de som, desde que seus casos sejam adequadamente estudados quanto aos diagnósticos funcional, topográfico e etiológico e, principalmente, tendo em vista a utilização social e profissional da audição.
V - Contra-indicações dos aparelhos auditivos auxiliares
A compreensão dos motivos que levam à contra-indicação de aparelhos auditivos auxiliares, se baseia no fato de que eles se constituem em um recurso de terapia sintomática; o sintoma, ou o sinal detectado, é a falta total ou parcial de respostas a sons. Sua utilização isolada e de forma leiga, pode levar à indicação de aparelho auxiliar, para indivíduos que não os necessitam, e que podem até vir a ser prejudicados pelo seu uso. O sintoma "falta de respostas a sons" pode estar re¬fletindo a existência de distúrbios em outros órgãos que não o ouvido, ou de pa¬tologias auditivas para as quais se contam com recursos para a restituição do órgão ou da função; ou pode ainda estar refletindo a presença de perturbação não orgânica. Na tentativa de esclarecer melhor, apontam-se aqui algumas eventualidades:
a) Sintomas e sinais interpretados erroneamente: Myklebust (1954) e Gordon (1964), já apontaram para o fato de que patologias que afetam o sistema nervoso central, conduzem freqüentemente à falta total ou parcial de respostas a sons em indivíduos não deficientes auditivos. Doze anos de experiência clínica, nos tem mostrado a adequação de tais observações (Spinelli, 1975) assim como as relativas à falta de respostas a sons em alguns casos de outros grupo de indivíduos, os perturbados emocionais (Myklebust, 1954; Rodrigue, 1965), os quais podem parecer surdos, apesar de terem capacidade normal para ouvir. Nestes casos, os aparelhos de amplificação são inúteis e podem levar ao agravamento do quadro clínico;
b) Sintomas e sinais elimináveis através de procedimentos médico-cirúrgicos: as deficiências auditivas ocasionadas por alterações no sistema tímpano-ossicular, sem falhas na cóclea e no nervo auditivo, podem quase sempre, ser eliminadas ou amenizadas através do uso de medicação ou de procedimentos cirúrgicos, tais como a Timpanoplastia, Estapedectomia e a drenagem e arejamento da cavidade timpânica. Nestes casos de deficiências do tipo condutivo, a indicação de medidas sintomáticas, tais como os aparelhos auxiliares de amplificação, é correta apenas em um pequeno número de situações; sempre que viável, o médico deve escolher procedimentos de correção anátomo-funcionais;
c) Sintomas e sinais exacerbados pelo uso de aparelhos de amplificação: em muitos casos de afecções que lesam as células nervosas da cóclea, tais como ototoxicoses e falhas de origem hereditária, o órgão sensorial funciona em níveis rebaixados, porém com tendência a se deteriorar ainda mais se submetido a sons de fortes intensidades. Por este motivo, a utilização de amplificação inadequada, pode conduzir ao agravamento do quadro clínico. É preciso ressaltar que mesmo nestes tipos de patologias, os aparelhos auxiliares de amplificação podem e, muitas vezes, devem ser indicados. Todavia, sua escolha precisa ser feita de forma ainda mais rigorosa do que habitualmente, e sua adaptação efetuada paralelamente com a utilização intercalada dos dois ouvidos, de forma a não submeter cada cóclea a períodos longos de exposição aos sons fortes, enquanto não se tenham controles audiométrícos que nos informem a respeito da evolução da audição (Northen e Downs, 1974).
VI - Procedimentos para a indicação e adaptação de aparelhos auxiliares para audição
Uma vez que a deficiência de respostas a sons é um sintoma ou sinal, que pode estar associado a patologias as mais diversas, inclusive algumas não ligadas aos órgãos auditivos, o procedimento básico, inicial, é o diagnóstico adequado. Este diagnóstico deve se apoiar na análise dos sintomas relatados, dos sinais observados e na síntese dos dados para a formulação de hipóteses prováveis. Os exames complementares, como por exemplo, as medidas de audição, devem ser usados como elementos contribuintes para a comprovação das hipóteses e não como diagnósticos em si mesmos. Se comprovada a deficiência auditiva periférica, expressão que se refere a níveis funcionais e topográficos de diagnóstico, cabe ainda procurar a etiologia, que tem valor inestimável para a formulação de prognós¬ticos quanto a evolução do paciente e quanto a necessidade ou não de uso de amplificação.
Estabelecido o diagnóstico, se verificada a necessidade de amplificação, deve ser feita a testagem de aparelhos auxiliares por médicos ou com supervisão de médicos não ligados a firmas vendedoras. Esta testagem deve ser feita a partir do conhecimento das características clínicas do caso, com a finalidade de se escolher o melhor tipo de aparelho para cada paciente.
Escolhido o tipo de aparelho adequado, as suas características devem ser discriminadas em receituário, para que, então, o paciente se dirija ás firmas vendedoras para a aquisição do modelo que lhe foi prescrito.
A adaptação do aparelho deve ser feita através de incrementos diários no tempo de utilização. 0 paciente ou seus familiares, no caso de crianças, devem ser orientados quanto aos tipos de ambientes em que ele deve ser usado no início da adaptação e, também quanto aos cuidados referentes a limpeza e a troca de pilhas, a fim de que se evite a utilização ineficaz do recurso introduzido.
VII - Conclusão- quem deve fazer a indicação de aparelhos auxiliares de amplificação
A não ser que a Medicina pretenda se descaracterizar como responsável pelo diagnóstico e pelas indicações terapêuticas correspondentes, cabe a ela assumir o seu papel no atendimento das necessidades dos indivíduos com falhas auditivas. Todavia o que estamos assistindo é a eliminação do diagnóstico médico como etapa fundamental do processo, e o assenhoramento da responsabilidade de indicação de aparelhos por parte de fabricantes, ou seus representantes, com objetivos mercadológicos de influência direta sobre os doentes. Isto traz conseqüências graves a toda uma população, a quem vem sendo fornecida terapia sintomática, altamente dispendiosa e arriscada, abolindo a disponibilidade para a procura da solução corre¬ta. Traz em conseqüência, prejuízos sociais severos, na medida em que promove o descrédito na possibilidade de resolução de problemas solucionáveis, o descrédito na própria eficiência dos aparelhos auxiliares de amplificação e o desperdício de recursos econômicos dos doentes.
VIII - Sumário
O autor apresenta o problema de indicação e de venda de aparelhos auxiliares para audição ("Próteses Auditivas"), apontando para o fato de serem os mesmos, recursos terapêuticos sintomáticos. Coloca o esquema básico de fun¬cionamento dos aparelhos, suas limitações e indicações. Informa principalmente a respeito de suas contra-indicações, enfatizando os riscos de sua utilização em casos erroneamente considerados casos de deficiências auditivas, e em casos susceptíveis de piora devido a amplificação inadequada. Esclarecem quais os passos a serem seguidos na indicação de aparelhos auxiliares, apontando para o diagnóstico corre¬to, como parte inicial e fundamental, terminando por concluir pela responsabilidade da medicina frente ao problema.
Summary
The author points out problems involved in the sele of hearing aids. He notes that often only the symptoms are considered nather than the basic cause of the hearing difficulty's and he reiterates the necessity for correct medical evoluation for cases where there are poor auditory responses. These poor auditory responses might indicate other patologies, than only peripheral hearing impairment.
The author also calls attention to the risks involved in using inappropriate hearing aids in cases where there may be a tendency for deterioration. The pro¬cedure for correct prescription and fitting of hearing aids is presented, so that they are utilized to the fullest and give the best therapeutic assistence.
In conclusion, he stresses the importance of the role of the physician and his responsability for optimum care of the hearing-impaired population.
IX - BIBLIOGRAFIA
GORDON, N. S. (1984) The Concept of Central Deafnesa. Clinics in Developmental Medicine, 13: 82-84. MYKLEBUST, H. R. (1954). Audltory Disordsrs In Children. New York, Grune e Stratton. NORTHERN, J. L. e DOWNS, M. P. (1974). Hearing In Children. Bahimore, The Williams and Wilkins Company. PHELPS, D. M. (1953). Sales Menagement. Policies and Procedures. Homewood, 111. Richard D. Irwin. RODRIGUE, E. (1985). Ei Anállsis de um Esquizo¬frénico de Tres Anos con Mutismo. En: Nuevas Direcciones en Psicoanalises, por Melanie Klein, Paula Heimann e R. E. Money - Kyrle. Buenos Aires. Paidós. SPINELLI, M. (1975). Disfun4o Cerebral Minima e Distúrbios de Comunlcaçio. Em: DisfunCilo Cerebral Mínima, por Antõnio Branco Lefèvre (Coordenador). Silo Paulo, Sarvier.
ENDEREÇO DO AUTOR: R. Conselheiro Torres Homem, 822 J. Paulista-S. Paulo
* Professor de Foniatria da P. U. C. S. P. Chefe do Setor de Foniatria da Clínica O. R. L. da Santa Casa de S. Paulo.
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