ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2004 - Vol. 42 / Edição 3 / Período: Setembro - Dezembro de 1976
Seção: Artigos Originais Páginas: 222 a 223
A PROPÓSITO DO TERMO HALITOSE
Autor(es):
Paulo Mangabeira Albemaz.

A criação de neologismos técnicos não pode estar ao alcance de qualquer pessoa. Torna-se necessário possuir noções gerais de nomenclatura especializada, de seguir-lhe as regras básicas, para estar-se em condições de propor ou indicar um novo termo. Neste particular, são quase sempre mal formados os nomes técnicos de origem norte-americana, observando-se o contrário, de modo geral, com os propostos por cientistas ou clínicos europeus.

Termo de emprego algo recente e quase só encontrado em livros e artigos provenientes dos Estados Unidos, halitose, com o significado de hálito fétido, de mau cheiro oral está aos poucos se difundindo em nosso meio médico. Pergunta me um colega se a palavra está certa. Que é mal formada e não corresponde, de nenhum modo, ao que pretende indicar, não resta a menor dúvida.

Halitose provém do latim halitus, do verbo halare, respirar, bafejar, e a desinência - osis, terminação grega de substantivos, que possui vários significados. Nos termos médicos, a desinência - osis reporta-se: 1) a enfermidades ou doenças; 2) a sintomas; 3) a formações anatômicas; 4) a açúcares; 5) a produtos de decomposição. Temos, no primeiro caso, ancilostomose, tuberculose, micose etc; no segundo, miose, linfocitose, pirose etc; no terceiro, aponeurose, diartrose, anastomose etc; no quarto, glicose, sacarose, levulose etc; no quinto, albu¬mose, proteose etc.

A verdade, porém, é que, no momento presente, - osis indica prevalentemente processos patológicos. Os nomes de grande número de doenças terminam em - osis (em português - ose) e quando uma nova entidade clínica é descoberta ou descrita, a preferência, há cerca de dois mil anos, é por um vocábulo terminado em - osis.

Criar, pois, em nossos dias, um sintoma com a terminação - osis não parece acertado. Nada, pois, justifica o nome halitose, que realmente poderia significar doença do hálito (o que já é um absurdo) e jamais mau hálito ou hálito fétido. Acresce que, embora já haja alguns vocábulos em tais condições, a regra não é, nem nunca foi, juntar - osis a simples sintoma. No latim áureo, mau hálito ou hálito fétido era dito oris odor, halitus graveolentia (Plínio, o Antigo) ou gravis halitus (Pérsio). Os léxicos médicos dos séculos XVIII e XIX - Blancard, Knackstedt, Kraus (3.8 edição) referem-se ao sistema: o primeiro, como nome de foetor oris; os outros dois, com o de halitus oris foetidus ou gravis. Nas ter¬minologias médicas alemãs modernas - Guttmann, Roth, Volkmann - o sintoma é designado por foetor ex ore. Consultando alguns tratados especializados ale¬mães (Mikulicz, J. von und Kümmel, W. - Die Krankheiten dos Mundos, G. Fischer, Jena 1922; Schuermann, H. - Krankheiten der Mundschleimhaut und der Lippen, Urban u. Schwarzenberg, München u. Berlin 1955) encontraremos o sintoma designado sempre por "foetor ex ore". Em grego clássico, hálito é pneuma, ekpnoé. Exalação, expiração é ekpnoé e ekpneusis. Ter mau hálito, dysodes pnéo.. Odor infecto, fétido era dysódes, no dizer de Hipócrates, que, com o mesmo significado, empregou igualmente kakódes (de onde veio cacodilato). Parece razoável criar um termo composto de dysódes e ekpnoé. Teríamos dysodekpnoé. Não existia no grego a palavra ekpnoia, mas houve dyspnoia, diarroia etc, que deram, em nossa língua, dispnéia, diarréia etc. Havia, é verdade, os termos dyarroé e dyarroia, anapnoé (respiração) e anap¬noia, e se havia ekpnoé não havia ekpnoia, como já disse. Mas poderia ser admitido. De dysodekpnoia teríamos disodecpnéia, que, traduzindo, dará exalação ou expiração fétida. Eis um termo que me parece poder ser adotado. 0 difícil talvez seja entrar o vocábulo no uso geral. Seria, para tal, necessário que otorrinolaringologistas, estomatologistas e dentistas passassem a empregá-lo de modo sistemático. Mas se halitose, termo mal feito e sem significado técnico, está sendo adotado, por que não adotar disodecpnéia?

A verdade é que, entre nós, médico e paciente dão ao sintoma a designação mau hálito. Não vejo, pois, nenhum motivo para ser empregado halitose, que não passa, em qualquer sentido, de demonstração concreta de ignorância. Desta sorte, ou adotamos o neologismo sugerido - disodecpnéia, ou continuamos a empregar mau hálito. Halitose deve ser defintivamente eliminado da linguagem médica.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia