ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
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1998 - Vol. 42 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1976
Seção: Artigos Originais Páginas: 187 a 195
RECONSTRUÇÃO DA MEMBRANA DO TIMPANO Técnica de Enxerto pela Face Interna
Autor(es):
Roberto Martínho da Rocha

Desde 1960 realizo a reconstrução do tímpano com enxerto introduzido por trás da membrana, pelo método transcanal.

Foi em Memphis, que vi a intervenção, pela primeira vez, com os Drs. Austin e Shea, e desde então venho seguindo sua técnica, a princípio com veia e depois com fascia do músculo temporal.

Fascia mostrou-se superior a qualquer outro tecido para reparar a membrana timpânica. Na minha experiência, é melhor a técnica que usa fascia por trás da membrana.

Técnica da Timpanoplastia com Enxerto por trás da Membrana

A seleção de pacientes - para timpanoplastia depende dos conhecimentos e prática do Otologista na avaliação e preparo de cada caso e da intervenção programada.

A reconstrução da membrana pode ser a única finalidade de determinada cirurgia, como nos casos de miringoplastia, ou pode ser só parte de intervenção mais elaborada, que inclua, ou não, mastoidectomia e diversas manipulações no ouvido médio.

Anestesia - pode ser local, para pacientes adultos, mas a narcose é usada quando se trata de crianças ou quando a cirurgia compreende abertura da mastóide, ou qualquer outro tipo de procedimento extenso.

Ainda quando a anestesia geral é preferida, o meato acústico é injetado com solução de xilocaína e adrenalina, para reduzir o sangramento. A área retroauricular é também infiltrada, acima da orelha, para retircia do enxerto de fascia, ou ao longo do sulco, se está indicada mastoidectomia.

Acesso cirúrgico - é feito através do meato acústico externo, através de especulo auricular. A membrana timpânica é focalizada com microscópio de cirurgia otológica. A borda anterior da perfuração timpânica pode estar oculta pela convexidade da parede anterior do meato (fig. 1). Se isso ocorre, é preciso remover um retalho de pele do meato, expor a superfície óssea e desbastá-la com broca até conveniente visão da perfuração. A pele é aplicada sobre a área broqueada, ao fim da operação.

Durante o desbastamento ósseo, a perfuração deve ser coberta com Gelfoam para evitar penetração de poeira óssea no interior do ouvido médio.



Figura 1 - A borda anterior da perfuração timpânica pode estar oculta peia convexidade da parede do meato, requerendo uso de broca para exposição conveniente.



É necessária uma boa visão de toda a perfuração. Algumas intervenções são mal sucedidas justamente porque o cirurgião não tem visão suficiente sobre toda a perfuração.

Crianças pequenas, adultas com meato acústico muito estreito e casos previstos para simultânea mastoidectomia, são operados com exposição da membrana por incisão retroauricular e incisão da parede posterior cutânea do meáto acústico ao nível do meato ósseo. Desta forma o acesso se processa a campo aberto.

Preparação da membrana timpânica para receber enxerto - faz-se incisando a membrana timpânica junto à borda livre da perfuração. A incisão é feita com um gancho angulado, começando anteriormente e procurando acompanhar a margem da perfuração para remover uma fita de membrana e deixar tecido cruento à volta de toda perfuração.

Deve-se procurar incluir na fita o epitélio da borda livre, que se dobra para dentro do tímpano, evitando-se o aprisionamento de epitélio córneo na face interna da membrana.

Se o cirurgião for capaz de remover uma fita contínua, correspondente ao contorno da perfuração, fica assegurada a obtenção de uma margem cruenta e isto é muito importante para a pega do enxerto (fig. 2).



Figura 2 - A retirada de uma fita do contorno da borda da perfuração assegura a obtenção de superfície cruenta para pega do enxerto.



Mesmo quando a perfuração é grande, tomando praticamente toda membrana timpânica, esta técnica pode ser executada, com a remoção da borda da perfuração e preservando o ânulo. Em casos assim, pode ser preciso escarificar e ,remover mucosa que fica por baixo da reborda ósseo do ânulo, para que haja uma superfície cruenta para a pega do enxerto (fig. 3). Exposição do ouvido médio - é realizada com incisão de estapedectomia. A incisão difere na extensão do retalho meatal que se prepara, dependendo da sede da perfuração e da necessidade de expor mais ou menos anteriormente o martelo e toda cadeia ossicular (fig. 4).

A timpanotomia descobre e segue a patologia para cima, em direção ao ático e pode evitar mastoidectomia desnecessária. Em alguns casos, septamento do ádito pode ser encontrado e reparado, restituindo-se a ventilação naquela área.

A cadeia ossicular deve ser inspecionada para que se confirme que está íntegra e móvel. Placas de timpanosclerose podem ser descobertas na membrana timpânica ou no interior do ouvido médio. Devem ser removidas se estiverem interferindo com o funcionamento do mecanismo da audição. A remoção em torno do estribo deve ser feita com extremo cuidado, para que não se produza dano ao ouvido interno.

A mucosa da caixa pode apresentar diversos graus de comprometimento e deverá receber tratamento apropriado.

O óstio da tuba deve ser exposto para que se verifique se está livre de pólipos ou qualquer outra causa de obstrução, principalmente se o exame préoperatório revelou redução de permeabilidade.

A avaliação da função tubária, antes da timpanoplastia, indica que a função tubária não determina uma boa previsão do resultado da cirurgia. Moderada redução da função tubária é muitas vezes corrigida pela cirurgia.



Figura 3 - Mesmo quando a perfuração é total, a técnica de colocação do enxerto pode ser feita por trás da membrana.



Figura 4 - A exposição do ouvido médio é realizada por incisão de estapedectomia.



Em alguns casos com má função tubária é conveniente a colocação de tubo de ventilação através da membrana timpânica, para permanecer em posição por tempo indeterminado. Devido á capacidade da membrana timpânica de rejeitar a maioria desses tubos, diferentes tipos de tubos e diversas técnicas de colocação têm sido tentadas para mantê-los por mais tempo.

Áreas de superfície cruenta sobre o promontório devem ser evitadas, se possível, porque favorecem à aderências no pós-operatório e, por isso, requerem o uso de lâmina de material plástico para cobri-Ias.

Reparo no mecanismo de condução sonora - compreende o enxerto de fascia na membrana timpânica e reparo na cadeia ossicular. Nos últimos 10 anos os cirurgiões abandonaram praticamente a maioria das próteses de material estranho para a reconstrução da cadeia ossicular, uma vez que enxertos ósseos autógenos e homólogos têm demonstrado melhores resultados.

É muito importante evitar o deslocamento do estribo e conseqüente abertura do labirinto, simultaneamente com a reconstrução do tímpano, pelo perigo Ao danificar o ouvido interno.

Enxerto da fascia - é obtido com incisão de aproximadamente 1 centímetro acima da orelha, na porção mais alta do sulco retroauricular (fig. 5). A fascia temporal é descoberta, incisada e descolada da superfície do músculo temporal, no tamanho e forma desejados para o reparo do defeito timpânico. Ela é recortada e liberada de fibras musculares que vem junto.

Prefiro tirar a fascia logo antes de sua colocação no ouvido médio. Ela pode ser fortemente prensada para manipulação mais fácil.



Figura 5 - Enxerto de fascia é obtido por incisão suprameática no sulco retroauricular.
Introdução do enxerto de fascia - deve ser feito cuidadosamente para que se consiga distendê-lo sob a superfície da membrana, cobrindo a perfuração e extendendo-se alguns milímetros além de suas bordas. Normalmente o enxerto é introduzido sob a membrana, com o retalho tímpanomeatal dobrado para frente. Ao desdobrar o retalho para trás, o enxerto é visto e distendido devidamente sob as bordas da perfuração (fig. 6).



Gelfoam é colocado dentro da caixa do tímpano para manter o enxerto em posição, contra a membrana timpânica. A quantidade de Gelfoamio antes de enchimento adequado do ouvido médio para que o enxerto seja comprimido para cima. Mais Gelfoam é colocado por fora, no meato, cobrindo a membrana e exercendo moderada pressão sobre o enxerto.

Parte do enxerto deve ser distendido sobre a superfície óssea da parede posterior do meato acústico externo e, assim, ficará entre o osso e o retalho meatal, o qual será revirado sobre o enxerto. Desta forma o enxerto será melhor fixado e receberá melhor nutrição (fig. 7).

A porção anterior, junto ao ânulo, tem que ser bem examinada para que se comprove que o enxerto foi introduzido por baixo da membrana timpânica existente, ou por baixo do ânulo.

Perfurações traumáticas curam espontaneamente na maioria dos casos. Algumas nunca são notadas pelos pacientes. Outras são diagnosticadas pelo Otologista por causa de infecção secundária. Muitas de tais ocorrências traumáticas se dão com jovens em banhos de mar ou de piscina, em colisão acidental de uns contra outros, em mergulhos ou na prática do surfing. A limpeza do ouvido com cotonetes também pode levar à perfurações, com ou sem lesões ossiculares.



Figura 6 - A introdução do enxerto de faseia é feita por baixo da membrana timpânica.



Figura 7 - Parte do enxerto é distendida sobre a superfície óssea da parede posterior.



Cirurgia é indicada quando o paciente é visto imediatamente após o traumatismo, quando não há infecção e as bordas da perfuração ainda estão cruentas, geralmente viradas para dentro da perfuração. Nessas eventualidades o enxerto sob a membrana não exige avivamento das bordas da perfuração e os fragmentos da rotura são aproximados, com excelente resultado cicatrícial. Cirurgia é também indicada nos casos traumáticos, porque podem ter perfuração acompanhada de disjunção ossicuiar, verificada e logo reparada na mesma operação.

CONCLUSÕES

A incidência de boa pega de fascia temporal é algo superior a 90 por cento dos casos. A membrana timpânica reconstruída adquire um aspecto normal e boa capacidade de transmissão sonora.

Não gosto de colocar o enxerto por fora da membrana timpânica porque ele pode ter tendência a afastar-se para fora do cabo do martelo com perda de audição (fig. 8).



Figura 8 - O enxerto por fora da membrana pode afastar-se do cabo do martelo com perda de audição.



Figura 9 - O ângulo anterior da membrana timpânica com a parede meatal pode ser obstruído por fibrose cicatricial, que forma uma barreira à transmissão dos sons.



A colocação do enxerto externamente também requer que o epitélio seja removido dos remanescentes de membrana timpânica e da pele do meato acústico externo, não deixando permanecer epitélio córneo, ou a cirurgia não atingirá bom resultado, podendo formar-se cisto epidérmico ou colesteatoma, como complicação pós-operatória.

O ângulo agudo anterior da membrana timpânica com a parede do meato, desepitelizado, pode ser sede de ?fibrose obstrutiva, com redução da capacidade vibratória da membrana na sua metade anterior ao cabo do martelo, com formação de barreira à transmissão dos sons (fig. 9).

O enxerto por dentro do tímpano fecha a perfuração, com boa pega, em mais de 90 por cento dos casos. Pode ocorrer, mas é rara, perfuração residual por falta de aderência do enxerto com a borda da perfuração, com formação de fenda, que irá requerer correção, se não fechar espontaneamente. A revisão cirúrgica consistirá no avivamento das bordas do orifício e introdução de um segundo enxerto de fascia. É extremamente infrequente a perda total do enxerto, que costuma ocorrer mais em conseqüência de infecção pós-operatória.




ENDEREÇO DO AUTOR:
Rua Farme de Amoedo, 75 - Gr. 302 Rio de Janeiro, RJ
BRASIL

Trabalho da Clínica Professor José Kós apresentado no -Simpósio de Timpanoplastiao, da Fundação Otológica de Memphis, em Memphis, Tennessee, EE. UU. da América, 26 a 28 de fevereiro de 1976.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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