ISSN 1806-9312  
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1993 - Vol. 42 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1976
Seção: Artigos Originais Páginas: 164 a 168
ÚLCERA DE CONTACTO DA LARINGE *
Autor(es):
** Robert Thomé
*** Antonio Dias
**** Osiris de O. Camponês do Brasil.

INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo da úlcera de contacto da laringe justifica-se plenamente, em virtude das dúvidas ainda existentes no que tange à etiopatogenia e pós tratamento desta afecção.

Muito embora se considere a úlcera de contacto conseqüente à alteração de padrão vocal, esta teoria não explica, por si só, os casos nos quais há recidiva da úlcera, mesmo com tratamento foniátrico, isolado ou precedido pela remoção cirúrgica do granuloma. Nestes casos, outros fatores patogênicos devem ser levados em consideração, tais como: idade; sexo; profissão; distúrbios emocionais; particularidades anatômicas; alergia; catarro das vias aéreo superiores que obrigam o doente a um constante pigarrear; o fumo; o álcool; a incoordenação motora da musculatura da laringe e do esfineter superior do esôfago, com acúmulo de secreção nos seios piriformes e refluxo para dentro da laringe. Neste sentido, os argumentos clínicos e radiológicos de CHERRY e MARGULIES (1968), e os experimentais de DELAHUNTY e CHERRY (1968), sugerem que as presenças de refluxo gastroesofágico devem ser cogitadas nos casos de úlcera de contacto rebeldes ao tratando clássico.

Tendo tido a oportunidade de estudar 6 casos de úlcera de contacto, procuramos mostrar neste trabalho, a possível participação da esofagite de refluxo na gênese da úlcera de contacto em 1 destes casos.

CASUISTICA

No período compreendido entre 1970 e 1975, foram tratados 6 doentes portadores de úlcera de contacto do laringe.

Os dados pessoais, as características da lesão e tratamento realizado, são apresentados na tabela 1.


TABELA I - Dados pessoais, características da Lesão e Tratamento realizado.



RESULTADOS

Houve cicatrização fácil da úlcera em 4 doentes (casos 2, 4, 5, 6). Nos 2 doentes restantes (casos 1 e 3) ocorreu recidiva do granuloma de contacto, necessitando, em cada um deles, mais duas remoções do tecido de granulação. Em 1 destes doentes (caso 3), o granuloma só cicatrizou após massagens esofágicas com sondas de HURST.

DISCUSSÃO

A úlcera de contacto tem se prestado a muitas controvérsias, a começar pela nomenclatura, porquanto até hoje não existe uniformidade a este respeito. Descrita pela primeira vez por VIRCHOW (1958), com a denominação de paquidermia laríngea, recebeu diversos nomes: cordite hipertrófica posterior de GAREL; paquidermia apofisáría de RUAULT; paquidermia posterior ulcerosa de MONLONGUET; úlcera de contacto de JACKSON (1928). E preciso assinalar, entretanto, que embora autores americanos sigam a terminologia introduzida por JACKSON, os europeus preferem a denominação -paquidermia. de contacto-, apoiados no fato de não observarem uma úlcera, mas sim tecido de granulação formado na tentativa de proteger as apófises vocais nos ataques vocais bruscos.

Concordamos com JACKSON (1928); JACKSON e JACKSON (1935); PEACHER e HOLINGER (1947); HOLINGER e JOHNSTON (1960); VON LEDEN e MOORE (1960); BRODNITZ (1961); PEACHER (1961); COOPER (1967), que admite seja o mau padrão vocal o responsável, na maioria dos casos, pelo aparecimento da úlcera de contacto.

A este propósito, JACKSON e JACKSON (1935), assinalam que em determinados casos de alteração do padrão vocal, o choque mecânico entre as apófises vocais, de forma análoga ao que ocorre em relação ao martelar em uma bigorna, determina a ulceração da mucosa a esse nível. A persistência desse traumatismo, pela superfície áspera da apófise vocal da cartilagem aritenóide, pode acarretar necrose desta apófise, que termina sendo circundada por exuberante tecido de granulação o qual, com o decorrer do tempo, pode mesmo mostrar-se epitelisado. Deste modo, o exame laringoscópico pode mostrar uma úlcera superficial rodeada por uma zona de mucosa inflamatória (caso 4). Outras vezes o quadro laringoscópico é caracterizado por um granuloma originado no leito da úlcera, observando-se nos casos em que o granuloma é bilateral, o encaixe de um na cavidade do outro, ou ainda, o granuloma de um lado se adapta no leito côncavo de uma úlcera do lado oposto (casos 1, 2, 3, 5 e 6).

Todavia, embora o mau padrão vocal deva ser considerado o fator mais importante na gênese da úlcera de contacto, outros fatores devem ser invocados nos casos em que a úlcera se mostre rebelde ao tratamento foniátrico, associado ou não à remoção cirúrgica do granuloma. Dentre as teorias propostas, THOMÉ e Cols. (1974) chamam a atenção para a hipótese defendida por BARRETO de que a incoordenação dos esfíncteres do esôfago com conseqüente estase salivar nos seios piriformes e refluxo para dentro da laringe, tenha participação na formação da úlcera. Desse modo, as massagens esofágicas com sondas de HURST, melhorando a deglutição, fazem com que desapareça esse acúmulo de secreção e o constante pigarrear desses doentes, o que provavelmente contribui para traumatizar ainda a laringe.

Acrescente-se ainda, que os trabalhos de CHERRY e MARGULIES; DELAHUNTY e CHERRY, fala m a favor de que a esofagite de refluxo, quando presente, deve ser levada em consideração na etiologia das úlceras que recidivas com freqüência.

O presente resultado em um dos nossos doentes (caso 3), confirma os argumentos assinalados por esses autores, da possível participação da esofagite de refluxo na gênese da úlcera de contacto. Nesse doente, a remoção cuidadosa do granuloma de contacto, sob controle da microscopia ao lado do tratamento foniátrico, mostraram-se insuficientes para a cicatrização da úlcera. Fundamentados nos trabalhos de CHERRY e MARGULIES, e de DELAHUNTY e CHERRY, foram pesquisados e verificados sintomas sugestivos de esofagite de refluxo (queimação retroesternal e disfagia), tendo sido a confirmação diagnóstica do refluxo gastroesofágico realizado pela esofagoscopia. As massagens esofágicas com as sondas de HURST embora sem fundamentos fisiopatológicos, fizeram desaparecer essa sintomatologia, o que coincidiu com a cicatrização da úlcera. Entretanto, a afirmação de que a melhora da esofagite de refluxo tenha contribuído para a cicatrização da úlcera, só poderia ser satisfatoriamente analisada, desde que fossem efetuados os testes de refluxo ácido (BETTARELLO, 1960) e eletromanometria para o estudo dinâmico dos esfincteres esofágicos.



Fig. 1. A - Granuloma de contacto do Laringe. B - Recidiva do granuloma. Nota-se a escavação na corda vocal oposta provocado pelo choque do granuloma (mais evidente em B).



SUMARIO

Os autores relatam 6 casos de úlcera de contacto do laringe tratados no período compreendido entre 1970 e 1975. Enfocam os fundamentos etiopatogênicos, pondo em evidência a possível participação da incoordenação motora dos esfíncteres do esôfago e do refluxo gastroesofágico na gênese dessa afecção laríngea.

SUMMARY

The autores present 6 cases of contact ulcer of the larynx observed in the last 5 years (1970 to 1975). Aetiological aspects are discussed, emphasizing the possible participation of the motor incoordination oh the sphincters of the esophagus and of the gastroesophageal reflux in the genesis of this laryngeal affection.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. BETTARELLO, A. - Teste de refluxo ácido e teste de perfusão de ácidos: Sua importância na Propedêutica do Refluxo Gastro-Esofágico e da Esofagite de Refluxo. Tese de doutoramento apresentada á Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 1960.
2. BRODNITZ, F. S. . Contact ulcer of the larynx. Arch. Otolaryng. 74: 90-100, 1961.
3. CHERRY, J. & MARGULIES, S. I. - Contact ulcer of larynx. Laryngoscope 73: 1937-1940, 1968.
4. COOPER, M. - Vocal rehabilitation for contact ulcer of the larynx. Arch. Otolaryng. 85: 63-68, 1967.
5. DELAHUNTY, J. E. & CHERRY, J. - Experimentally produced vocal cord granulomas. Laryngoscope 73: 1941-1947, 1968.
6. HOLINGER, P. H. & JOHNSTON, K. C. - Contact ulcer of the larynx. Jour. Amer. Med. Ass. 172: 511-515, 1960.
7. JACKSON, C. - Contact ulcer of the larynx. Ann. Otol. (St. Louis) 37: 227-230, 1928.
8. JACKSON, C. & JACKSON, C. L. - Contact ulcer of the larynx. Arch. Otolaryng 22: 1-15, 1935.
9. PEACHER, G. & HOLINGER, P. - Contact ulcer of the larynx. II. The role of vocal reeducation. ~ Arch. Otolaryng. 46: 617-623, 1974.
10. PEACHER, G. - Vocal therapy for contact ulcer of the larynx. A follow-up of 70 patieents. Laryngoscope 71: 37-47, 1961.
11. THOMÉ, R. & BUCK, A. G. & DIAS. A. - MIcrolaringoscopia e Microcirurgia da laringe. Rev. Ass. Med. Brasil. 20: 153-155, 1974.
12. VON LEDEN, H. & MOORE, P. - Contact ulcer of the larynx. Experimental observations. Arch. Otolaryng. 72: 746-752, 1960.




ENDEREÇO DO AUTOR:
Roberto Thomé - Alameda Itú, 463 - Apte 172
São Paulo - SP.

* Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual - Francisco Morato de Oliveirao (Diretor Prol. Dr. Moysés Cutin).
** Médico Encarregado do Setor de Cirurgia da Cabeça e Pescoço deese Serviço. Assistente-Doutor do Serviço de Endoscopia Perorei do H. C. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médico e****Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do H.R P E
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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