INTRODUÇÃOA ossificação ectópica da cartilagem auricular é de ocorrência muito rara. Na literatura nacional não encontramos descrição de ossificação da orelha e, na internacional, são descritos raros casos, nos quais a ossificação preservava o aspecto do pavilhão auricular, sem deformidades.
Nosso paciente apresentava ossificação ectópica da orelha, com formação de grande massa tumoral que alterava a sua morfologia.
RELATO DE CASOPaciente de 24 anos, sexo masculino, natural de São Bernardo do Campo (SP), procurou-nos com história de há três anos ter apresentado edema localizado de pavilhão auricular esquerdo, acompanhado por eritema e dor local, sem antecedente de trauma. Após alguns dias, teve desaparecimento dos sinais flogísticos, porém sem diminuição do volume do pavilhão. Negava outras queixas otológicas.
Apresentava antecedentes de crises convulsivas subseqüentes a meningite na infância, controladas com uso de fenobarbital.
Ao exame, apresentava massa endurecida em pavilhão auricular esquerdo, que acometia as regiões de concha e anti-hélix, indolor à palpação e sem sinais flogísticos. O restante do exame otorrinolaringológico não apresentava alterações (Figuras 1 e 2)
Figura 3. Incisão e descolamento da pele.
O estudo radiológico, na posição de Schüller, revelou mastóides bem pneumatizadas e ausência de imagens radiopacas em topografia de pavilhão auricular.
Foi realizada exérese cirúrgica da massa tumoral através de incisão na pele, entre hélix e anti-hélix, descolamento e retirada da massa como um todo (Figuras 3, 4 e 5).
Figura 4. Aspecto após retirada da massa.
Figura 5. Peça cirúrgica.
Figuras 6 e 7. Microscopia (H.E. 60x): tecido ósseo parcialmente revestido por cartilagem hialina e entremeado por fibrose.
A peça cirúrgica foi enviada para exame anátomo-patológico, o qual revelou tecido ósseo proliferado de modo a formar nódulo, parcialmente revestido por cartilagem hialina também proliferada e traves ósseas entremeadas por fibrose parcial (Figuras 6 e 7).
O paciente evoluiu com formação de hematoma de pavilhão, drenado no sétimo dia de pós-operatório e infecção local no 14° dia, sendo substituída a antibioticoterapia vigente por cefalosporina de terceira geração e curativos diários com solução tópica de iodo. No 29° dia de pós-operatório, foi realizado debridamento cirúrgico, com cicatrização por segunda intenção e evolução favorável.
DISCUSSÃOA petrificação do pavilhão auricular é entidade clínica rara, na qual o pavilhão auricular, em parte ou totalmente, assume consistência pétrea. Pode ser devida à calcificação ectópica da cartilagem auricular ou, mais raramente, à ossificação ectópica1.
A calcificação ectópica é a deposição de cálcio em tecidos lesados e ocorre como resultado de trauma local; doenças sistêmicas, como Doença de Addison, hipopituitarismo, alterações da tireóide e paratireóide ou pós radioterapia.
O fenômeno da ossificação ectópica é muito mais raro e a rigidez é devida à substituição da cartilagem elástica por osso. É processo biológico no qual osso novo se desenvolve em tecido que não deveria ossificar. Devido a algum mecanismo tipo gatilho, células mesenquimais proliferam-se e diferenciam-se em osteoblastos que produzem matriz óssea1. Os poucos casos relatados na literatura são relacionados à exposição intensa e aguda ao frio1, 2 ou a microtraumatismos de repetição3. Em nosso caso, tivemos dificuldade em estabelecer o fator causal, já que o paciente, pela condição de deficiência mental, trazia informações pobres sobre os fatores que antecederam a formação da massa tumoral. Supomos que algum trauma local possa ter sido o mecanismo gatilho. Até 1994, foram relatados 12 casos com comprovação histológica de ossificação.
Em todos os casos relatados na literatura, o aspecto e a forma do pavilhão continuavam preservados, sem formação de massa tumoral, diferentemente de outras entidades anátomo-patológicas que podem acometer as cartilagens auriculares, como os condromas4, e diferentemente do caso aqui relatado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. DI BARTOLOMEO, J. R. - The petrified auricle: comments on ossification, calcification and exostoses of the external ear. Laryngoscope, 95: 566-76, 1985.
2. LAUTENSCHLAGER, S.; ITIN, P. H. - The petrified ear. Dermatology, 189:435-36, 1994.
3. LARI, A. A.; AL-RABAH, N. - Acrobatic ears: a cause of petrified auricles. British Journal of Plastic Surgery, 42: 719-21, 1989.
4. QUERCETANI, R.; GELLI, R. - Bilateral chondroma of the auricle. J Dermatol. Surg. Oncol., 14: 436-38, 1988.
* Aluna de Mestrado do Curso de Pós-Graduação do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Professor Titular do Departamento de Ciências Patológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho apresentado no 33° Congresso Brasileiro de otorrinolaringologia e 4° Congresso Norte/ Nordeste de Otorrinolaringologia, realizado no período de 2 a 6 de novembro de 1996, em Recife/ PE.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo. Rua Dr. Cesário Mota Jr., 112 - CEP: 01277-900 - São Paulo/ SP.
Artigo recebido em 14 de maio de 1997. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.