ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1963 - Vol. 63 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1997
Seção: Relato de Casos Páginas: 595 a 598
FIBROMA OSSIFICANTE DE OSSO TEMPORAL: RELATO DE UM CASO.
Autor(es):
Priscila Bogar*
Mauro D. Fernandes**
Nessim J, Azar**
Girlandia M. Souza**
Patricia F. Delgotto**
Jazon B. Lima**

Palavras-chave: osso temporal, neoplasmas, fibroma

Keywords: temporal bone, neoplasm, fibroma

Resumo: O fibroma ossificante é processo tumoral benigno raro, sendo mais freqüente em adultos jovens. Tem origem essencialmente na maxila e mandíbula, excepcionalmente em ossos longos, sendo raro o acometimento de ossos temporais. Os autores descrevem o caso de um paciente adulto jovem com diagnóstico de fibroma ossificante em osso temporal e a revisão da literatura acerca do tema. São discutidas as características clínicas, radiológicas e histológicas, o difícil diagnóstico diferencial com a displasia fibrosa e as propostas terapêuticas.

Abstract: Ossifying fibroma is a rare benign tumor that affects young adults. Its orign is essencialy in the maxillary and mandibullary bones, long bones are less affected, the compromise of the temporal bone is very rare. The authors describe a case of an young adult with diagnosis of ossifying fibroma of the temporal bone and review of the literature. The clinical, radiological and histologic caracteristics are discussed, as well as the differential diagnosis with fibrous displasia and terapeutic approaches.

INTRODUÇÃO

Em 1872, Menzel1 fez a primeira descrição de fibroma ossificante, mas a terminologia foi proposta por Montgomery em 1927.

Jaffe et Luchenstein1 publicaram, em 1942, artigo sobre displasia fibrosa e, a seguir, a entidade nosológica fibroma ossificante foi amplamente discutida. Atualmente, a maior parte dos autores a consideram como entidade bem individualizada, possuindo algumas características morfológicas suficientes para diferenciar da displasia fibrosa2, 3.

O fibroma ossificante é forma de tumor benigno de crescimento lento e que não produz metástases ou recidivas após sua exérese. Possui origem fibro-óssea e é encontrado, na maioria das vezes, no osso maxilar, podendo ocorrer também em mandíbula e sendo raro em ossos temporais4, 5.

Os autores descrevem um caso de fibroma ossificante em osso temporal, cujo paciente, adulto jovem do sexo masculino, apresentava massa em região parieto temporal à direita, fístula retro-auricular, anacusia e paralisia facial periférica à direita, tendo sido submetido à mastoidectomia radical à direita.

RELATO DE UM CASO

J.I.S., do sexo masculino, branco, 37 anos, com história de massa em região temporo-parietal direita, de crescimento lento, com aumento súbito em 60 dias, acompanhado de dor local intensa e trismo, além de hipoacusia, paralisia facial e fístula retroauricular direita há 30 dias e otorréia direita há dois anos. Exame audiométrico apresentou anacusia direita. À CT apresentava massa com densidade de partes moles, com raras calcificações ocupando toda a parte esponjosa do osso temporal com lise de suas trabéculas. A cortical se encontrava abaulada em todas as suas dimensões mas sem erosões para o SNC ou pele. O canal semicircular lateral estava parcialmente erodido com fístula para antro. O canal de Falópio não foi visualizado. Após avaliação clínica e radiológica, a hipótese diagnostica foi de tumor benigno em osso temporal. O paciente foi submetido à antibioticoterapia com penicilina cristalina e cloranfenicol para regressão do quadro infecioso agudo. Após a parada da otorréia, foi submetido à mastoidectomia radical para a ressecção total do tumor. No intra-operatório, foram notadas secreção purulenta e lamelas de colesteatoma no antro. O canal semicirucular lateral estava erodido pelo tumor, o nervo facial comprimido, com sua bainha aderida ao tumor. Não encontrando plano de clivagem entre o nervo facial e o tumor, o cirurgião optou por ressecção deste e enxerto de nervo sural. Realizada meatoplastia ampla compatível com a cavidade pós-operatória. O exame anátomo-patológico estabeleceu o diagnóstico de fibroma ossificante, com presença ele osso laminado com osteoblastos e componente fibroso, com proliferação de fibroblastos, ricamente celularizado e vascularizado. Após 16 meses, a cavidade cirúrgica encontra-se ampla, epitelizada e sem otorréia, sem sinais clínicos ou radiológicos de recidiva. Quanto à função do nervo facial, o paciente apresenta retorno do tônus muscular, com pouca movimentação (grau III de House-Brackman).

DISCUSSÃO

O fibroma ossificante é processo tumoral benigno raro1. tendo história natural e origem reconhecidas5, caracterizando-se como entidade nosológica bem individualizada2, 3, 5.

Como o tumor tem crescimento lento, é difícil precisar a idade em que o quadro se iniciou. Postula-se que exista o mínimo de dois anos de crescimento insidioso precedente às manifestações clínicas que surgem em média em torno dos 20 anos de idade4, 5, 6. A divisão segundo o sexo é variável de acordo com as estatísticas.

Afeta essencialmente os seios paranasais em 90% dos casos4, 5, 6 destes, 54% limitam-se a um seio5, coincidindo com O período de desenvolvimento destes5, 7. Podem, entretanto, ocorrer em mandíbula e em extremidades, como falange e metatarso, sendo porém escepcionalmente em ossos longos e ossos temprais4, 5, 7.



Figura 1. Tomografia computadorizada, em corte coronal, janela para osso. Notamos massa abaulando cortical do osso temporal, calcificações intratumorais, lise de canal semicircular lateral.



Figura 2. Tomografia computadorizada, em corte axial, janela para osso. Grande tumor com lise total cio trabeculado cio osso temporal, fistulizando para fossa posterior.



Figura 3. Tomografia computadorizada, em corte axial, janela para partes moles. Notamos que não há realce da massa tumoral; presença de cisto intratumoral.



Clinicamente, mostra-se como tumoração extensa, associada ou não a deslocamentos dentários8. Em alguns acasos, apresentam comportamento agressivo, espalhando-se rapidamente, apesar de cirurgias repetidas. Este comportamento é usualmente encontrado em lesões supra-orbitárias (começando no primeiro ou segundo ano de ida), ou maxilar (começando com menos de cinco anos) 5, 7.

As complicações são decorrentes de compressão devido ao crescimento do tumor, podendo ocorrer distúrbios oculares (proptose, deslocamento inferior do globo ocular), deformidades da face e extensão intra-craniana, com deslocamento do ventrículo lateral e elevação do lobo frontal; porém, habitualmente não há sinais e sintomas neurológicos devido ao crescimento lento da lesão e ao fato de a dura-máter manter-se intacta. Cerca de 45% dos casos desenvolvem cistos, sendo 1/3 deles na primeira década da vida e essas grandes massas gelatinosas podem ser erroneamente consideradas mucoceles5, 6, 7.

Os achados radiológicos podem diferençar lesões de origem fibro-óssea ou epitelial, com base na densidade radiológica e na tendência das lesões fibro-ósseas de conter componentes ósseos com delimitação da borda da lesão bem individualizadas5.

O raio X mostra as lesões do seio paranasal acometido e ocasionalmente a destruição da parede sinusal, podendo ter aspecto de mucocele. Lesões antigas são bem definidas cápsula óssea, massa esclerótica ou aumento da estrutura que contém. Pode ser denso ou mostrar apenas densidade central salpicada, com características diferentes, de acordo com o sítio da lesão.

A CT com janela para osso é o exame que melhor define a extensão da lesão5. O aspecto radiológico é de massa lítica, heterogênia, bem delimitada, que vai destruindo filamentos das corticais e, pouco a pouco, pontuando-se de finas opacificações (placas de condensação), até ficar inteiramente opaco4, 9. O paciente relatado apresentava lesão extensa, com características compatíveis com este tumor, mas a princípio os autores não aventaram a possibilidade de tratar-se de fibroma ossificaste. O paciente também apresentava colesteatoma em antro. Este desenvolvimento do colesteatoma pode estar relacionado à alta de aeração do ouvido médio que o tumor estava produzindo. A sua apresentação clínica não foi por nós discutida, pois o paciente tinha história de muitos anos, -não sabia exatamente quando notou a massa retroauricular e só procurou nosso Serviço quando já apresentava complicações infecciosas.

Histologicamente, o tumor mostrou componente ósseo formado por traves ou ilhas que continham, na periferia, osteoblastos, e componente fibroso formado por proliferação de fibroblastos3, 9, 10.

O diagnóstico diferencial é feito com a displasia fibrosa sobre certas características próprias. O fibroma ossificaste aparece macroscopicamente bem delimitado, com contornos regulares, com nítida demarcação com o osso normal, facilmente clivável e enucleado. Esse critério é essencial para a diferenciação, pois no fibroma ossificaste há cápsula peritumoral, opondo-se à displasia fibrosa, onde os limites não são precisos entre a lesão e o osso normal.

Histologicamente, a análise dos dois componentes ósseos e fibrosos comuns às duas afecções mostram que dentro do fibroma ossificante há osso laminado, com construção às custas de osteoblastos e remanescentes osteoclásticos. O tecido fibroso é ricamente celularizado e bem vascularizado4.

Em 30% dos casos, há a necessidade de usar-se métodos de investigação mais aprofundados para a diferenciação, sendo a histoenzimologia e sobretudo a microscopia eletrônica os mais usados: no fibroma ossificante, há células pouco diferenciadas dentro de trama colágena pouco mineralizada2, 3, 11.

Neste caso, as características histológicas não deixaram dúvida sobre o diagnóstico, não tendo sido necessários a histoenzimologia ou a microscopia eletrônica para confirmação.

O tratamento de escolha do fibroma ossificante é sempre a ressecção enucleadora conservadora completa4, 8, 11, 12. Dentro dos casos evoluídos com extensão importante ou ainda com intensa ossificação intra-tumoral, impõe-se a ressecção óssea a distância com reconstrução4. O uso da radioterapia é desencorajador, pois vários trabalhos demonstram transformação maligna dessas lesões para sarcoma osteogênico no seguimento pós-tratamento12. A porcentagem de malignização tem sido de 0,4% sem irradiação e 44% com irradiação' 112. Após a exérese, as recidivas são raras (5% dos casos)4, sendo mais relacionadas a casos de exérese incompleta do tumor ou apenas a sua biópsia, o que eleva para 30% as recidivas5, 6. Neste caso, não detectamos recidiva em 16 meses de pós-operatório.

CONCLUSÕES

O fibroma ossificante é entidade nosológica com características clínicas, radiológicas e histológicas definidas, cujo tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica completa.

Diante de massa tumoral com características clínicas e radiológicas benignas, deve-se - considerar o fibroma ossificante como hipótese diagnostica.

O diagnóstico diferencial do fibroma ossificante é realizado, principalmente, com a displasia fibrosa, sendo difícil essa diferenciação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da USP. Médica Assistente do Hospital das Clínicas da USP
** Residentes da Casa de Saúde Santa Marcelina

Trabalho realizado na Casa de Saúde Santa Marcelina, São Paulo, SP. Apresentado no 33° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em Recife, em 1996. Endereço para correspondência: Rua Gaivota, 916 - apto 73. São Paulo /SP, CEP: 04522-032. Telfax: (011) 5425893. E-mail: phogar@.ihm.net.

Artigo recebido em 17 de janeiro de 1997. Artigo aceito em 13 de maio de 1997.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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