ISSN 1806-9312  
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1958 - Vol. 63 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1997
Seção: Artigos Originais Páginas: 559 a 565
CIRURGIA DA SURDEZ PROFUNDA - RISCOS DO IMPLANTE COCLEAR.
Autor(es):
Cíntia D'Avila*
Rafael Menezes Campani**
Arnaldo Linden***

Palavras-chave: surdez neurossensorial profunda, implante coclear

Keywords: sensoryneural profound hearing loss, cochlear implant

Resumo: O implante coclear tem se consolidado como a terapêutica de escolha de pacientes com surdez neurossensorial profunda bilateral que obtêm pouco ou nenhum benefício com o uso de aparelhos de amplificação sonora. Os pacientes são selecionados para a introdução do implante com base em critérios clínicos, audiológicos e psicológicos. A despeito da criteriosa seleção dos candidatos ao implante, existe a possibilidade de insucesso de complicações cirúrgicas. O presente trabalho objetiva discutir os principais riscos associados ao implante coclear, salientando o mecanismo de injúria potencialmente envolvido.

Abstract: The cochlear implant has been indicated as the standard treatment for patients suffering of profound bilateral sensoryneural hearing loss who obtain little or no benefit from sound amplification devices. Subjects are selected for the implant procedure on the basis of medical, audiological and psychological criteria. Although the judicious selection of the patients for implant, the possibility of failure or surgical complications still exists. This paper reviews the major risks of cochlear implant, emphasizing the supposed mechanisms of injury.

INTRODUÇÃO

A primeira referência ã estimulação do nervo acústico por um eletrodo foi feita em 1957, na França, por Djourno e por Eyriès. Estes colocaram um eletrodo ativo, ligado a uma bobina de indução, sobre o nervo acústico, tendo o paciente percebido sensações auditivas variáveis com a aplicação de freqüências de 150 a 1.000 Hz. Desde então, o implante coclear vem se consolidando como o tratamento de escolha de pacientes com perda auditiva neurossensorial profunda e bilateral que obtêm pouco ou nenhum benefício com o uso dos aparelhos auditivos convencionais, permitindo melhora signifitiva na maior parte dos pacientes.

O implante coclear confere audição média de 55 a 65 dB, com a qual o paciente passa a ouvir os sons ambientais, os quais vai, pouco a pouco, aprendendo a distinguir e a identificar. Com o auxílio de equipe especializada, o paciente inicia o aprendizado e a compreensão da fala.

O mecanismo de ação dos implantes reside na criação de um campo elétrico no interior da cóclea, com a finalidade de estimular as neurofibrilas acústicas (que envolvem a base das células ciliadas do órgão de Corti), através de impulsos sonoros previamente transformados em estímulos elétricos. Posto isso, fica evidente a necessidade de que as fibras acústicas estejam preservadas para que se possa pensar na utilização do implante coclear. Pacientes com surdez profunda apresentam lesão, mais freqüentemente, em nível das células ciliadas do órgão de Corti, a qual deveria seguir-se a degeneração waleriana das fibras acústicas. Na prática, contudo, parece haver preservação, ao menos parcial, dessas fibras, que podem, assim, ser utilizadas na condução dos impulsos gerados pelo implante. A constatação de que ao menos parte das fibras acústicas não apresenta degeneração, o que tem sido demonstrado através de testes de estimulação elétrica do promontório em cerca de 2/3 dos pacientes com perda auditiva neurossensorial profunda, sugere que elas sejam mais dependentes das células de sustentação do órgão de Corti do que das células- ciliadas sensoriais.

Existe enorme variedade de implantes cocleares, os quais podem ter um eletrodo (implantes monocanais) ou vários (implantes multicanais). A aplicação do eletrodo, por sua vez, pode ser extracoclear (sobre o promontório) ou intracoclear.

A indicação de pacientes a implante coclear pressupõe que vários critérios, incluindo-se aí os audiológicos, os eletrofisiológicos, os cirúrgicos, os psicológicos e os lingüísticos, sejam satisfeitos. Ainda assim, não se pode assegurar a garantia de sucesso do implante e a segurança do procedimento cirúrgico. O presente trabalho objetiva discutir os principais riscos potencialmente associados ao implante coclear, salientando o mecanismo de injúria supostamente envolvido.

DESENVOLVIMENTO

A perda auditiva neurossensorial profunda bilateral, a qual se constitui na indicação maior do implante coclear, pode estar associada à obstrução coclear. Esta é geralmente devida à neoformação óssea que acompanha várias patologias reconhecidamente associadas à perda auditiva profunda, tais como meningite, doenças auto-imunes, ototoxicidade, otosclerose, malformações congênitas, otite externa maligna e trauma1, 2, 3. A tomografia computadorizada mostra-se útil na identificação da presença e da extensão da osteogênese coclear, embora o percentual de resultados falsos-negativos possa ser de até 46%2-5. Assim sendo, alguns autores acreditam que a patência coclear somente pode ser assegurada através da cocleostomia exploratória. A presença de obstrução coclear, ou de qualquer outra alteração anatômica, potencializa a possibilidade de ocorrência de complicações, sobretudo aquelas relativas ao procedimento cirúrgico, daí a importância de reconhecê-las previamente ao planejamento cirúrgico. A normalidade das estruturas anatômicas, contudo, tão somente minimiza o risco de complicações, uma vez que, para muitas delas, o mecanismo de injúria é ainda incerto e, em conseqüência, não se dispõem de meios absolutos de evitá-las. De fato, vários são os riscos reconhecidamente associados ao implante coclear, os quais podem ser classificados em quatro grandes categorias, que serão mais detalhadamente dicutidas a seguir.

1. Riscos referentes à cirurgia mastóidea.

2. Riscos referentes ao comprometimento dos aparelhos auditivo e/ou vestibular.

3. Estimulação facial.

4. Outros.

Riscos referentes à cirurgia mastóidea

Os riscos referentes ao procedimento cirúrgico são comuns aos de outros procedimentos otológicos de abordagem mastóidea e incluem a ocorrência de infecções, de paralisia facial e de meningite. Somem-se a estes os riscos decorrentes do processo anestésico, comuns a toda cirurgia realizada sob anestesia geral. Tais riscos, contudo, são relativamente infreqüentes. De fato, House6 descreveu, em 1992, somente dois casos de não-cicatrização primária sobre a bobina implantada e um de fístula perilinfática através da janela redonda em 20 anos de experiência com implantes cocleares monocanais. Esses resultados foram revisados posteriormente por Thielemier, que, analisando 269 cirurgias de colocação de implante, não registrou a ocorrência de paralisia facial, de meningite, de infecção séria ou de complicações anestésicas.

Não parece haver maior prevalência de extensão de infecções do ouvido médio para o ouvido interno em decorrência do implante coclear. Há, contudo, o risco de infecção da pele posterior ao pavilhão auricular, podendo ser necessária, nessas situações, a remoção do aparelho. Mais comum do que a infecção dessa área de pele parece ser a necrose da mesma, exigindo, por vezes, pela sua extensão, não só a remoção do implante como também a reconstrução plástica7.

A ocorrência de paralisia ou, mais freqüentemente, de paresia facial, é também tida como possível complicação da cirurgia de introdução do implante coclear, sendo geralmente de resolução espontânea8. A disfunção permanente do nervo facial pós-colocação do implante coclear é tida como infreqüente. Com efeito, em estudo envolvendo 459 pacientes submetidos à cirurgia de colocação do implante multicanal, não se registrou a ocorrência de paralisia permanente do nervo facial; em somente seis desses pacientes ocorreu paresia transitória de aparecimento tardio. O comprometimento do nervo facial foi, pois, tido como complicação menor, com todos os casos tendo apresentado resolução espontânea9. Da mesma forma, em outro estudo, registraram-se dois casos de comprometimento transitório do nervo facial, ambos de resolução espontânea, em 30 pacientes que tiveram implantado um aparelho monocanal10. Goycoolea e cols., em estudo envolvendo 16 pacientes nos quais se usou técnica cirúrgica alternativa para a colocação do implante coclear, a mastoidotomia-timpanotomia, descreveram a ocorrência de comprometimento facial, com resolução no primeiro mês pós-operatório, em somente um paciente, tendo os autores sugerido que a abordagem cirúrgica através dessa técnica pode apresentar menor risco de injúria do nervo facial em virtude da não transição via recesso facial11.

O mecanismo de injúria do nervo facial mais comumente envolvido ria cirurgia do implante coclear parece envolver a ação do calor do raio de luz, no recesso facial, sobre o nervo facial. Acredita-se que a rotação da broca junto ao nicho da janela redonda sobre um nervo facial exposto ou sobre uma camada óssea fina de revestimento do nervo facial permita a transferência do calor, gerado pela fricção, a esse nervo. Outro mecanismo de injúria possivelmente envolvido é o de edema do nervo corda do tímpano em decorrência de injúria física no momento de abertura do recesso facial. Acredita-se que a extensão desse edema dentro do canal falopiano possa resultar em comprometimento do nervo facial. A presença de alterações do curso do nervo facial, em decorrência de malformações congênitas, aumenta a chance de lesão do nervo.

Várias atitudes têm sido propostas com o intuito de evitar essas formas potenciais de comprometimento do nervo facial. Uma delas consiste na irrigação abundante durante a parte inicial do procedimento cirúrgico, o que ajuda no processo de esfriamento ósseo durante a perfuração. Deve-se, além de se usar brocas adequadas, manter uma camada óssea, mesma que fina, sobre o nervo facial. Exames de imagem e monitorização transoperatória do nervo facial são também úteis na prevenção de comprometimento facial, sobretudo em pacientes já submetidos a procedimento cirúrgico envolvendo a área mastóidea ou que apresentem malformações congênitas.

Cohen e cols.9 estudaram as complicações relativas aos implantes multicanais NucleUS, tendo-as classificado em: de risco potencial à vida do paciente (como meningite grave), maiores ou menores. Complicações maiores foram definidas como aquelas que necessitaram remoção do implante ou reintervenção cirúrgica ou, ainda, que resultaram em qualquer grau de paralisia facial permanente. Total de 55 complicações foram registradas em 459 cirurgias realizadas (11,8%). Dessas, 22 foram tidas como maiores, 32 como menores e uma como de risco potencial à vida do paciente. Quarenta complicações (40 em 275 ou 14,5%) ocorreram com o uso do aparelho padrão e 15 (15 em 184 ou 8,2%) com o uso de mini-aparelhos. As complicações mais comuns foram aquelas relativas à pele posterior ao pavilhão auricular (necrose de diferentes graus e seroma). Nove dos 22 casos de necrose da pele posterior ao pavilhão auricular foram graves o suficiente para necessitar de remoção do aparelho, tendo sido, pois, classificadas como complicações maiores. Acredita-se que essa necrose seja evitável. Dois tipos de incisão têm sido recomendados na cirurgia do implante coclear: a em "U" invertido (suprimento arterial pela base inferior) e a em "C" de base anterior (suprimento sangüíneo superior e inferior). Em ambas as técnicas, deve se garantir ampla margem em torno do implante (de, ao menos, 1,5 cm), bem como evitar a transecção cios ramos das artérias temporal superficial e occipital. A prevalência de complicações foi significativamente menor com o uso de mini-aparelhos do que com os aparelhos tradicionais. Contudo, a comparação corrigida para a experiência ele cada cirurgião com determinado tipo de aparelho demonstrou que as taxas de complicações para os aparelhos padrão e mini, cuja diferença foi estatisticamente significativa, refletem mais a maior experiência dos cirurgiões que implantaram miniaparelhos com esse tipo de implante do que diferenças intrínsecas entre os dois aparelhos.

Riscos referentes ao comprometimento do aparelho auditivo e/ou vestibular

Incluem-se nessa categoria a possibilidade de estimulação ou de prejuízo do aparelho auditivo, bem como de comprometimento do sistema vestibular em decorrência do implante coclear.

Sabe-se que a corrente elétrica gerada pelo implante pode danificar os tecidos nervosos quando diretamente em contato com eles. Além dessa potencial fonte de injúria, os eletrodos podem também ser deletérios às estruturas vizinhas em decorrência da formação de gás na interface eletrodo-tecido1, 12. Os eletrodos de platina utilizados são tidos, contudo, como relativamente seguros, uma vez que, produzindo estímulos pulsáteis bifásicos, não conduzem, via de regra, à formação de gás na interface eletrodo-tecido.

A possível associação entre os limiares elétricos objetivos e comportamentais e a população de elementos neurais e- cocleares preservados tem sido aventada em estudos com animais. Demonstrou-se que animais com dano relativamente pequeno do órgão de Corti e com a maior parte das fibras nervosas mielinizadas e das células do gânglio espiral preservadas apresentavam limiares para potenciais evocados ou comportamentais menores do que os animais com extenso comprometimento do órgão de Corti e degeneração das fibras mielinizadas e das células do gânglio espiral13. Essa associação entre limiar e condição fisiológica subjacente tem sido demonstrada também por Leake Jones e cols.14. Esses achados sugerem que a monitorização dos potenciais evocados se preste à avaliação, a longo prazo, da integridade do nervo auditivo em pacientes implantados. Isso já tem sido feito pelo House Ear Institute, cuja experiência tem mostrado a não deterioração da performance audiológica ou dos limiares elétricos com ó passar do tempo.

Bilger e cols.15, contudo, estudando pacientes em uso de implante coclear com eletrodos longos através da avaliação audiológica de ambos os ouvidos (com e sem implante coclear), demonstraram pequeno efeito adverso sobre a audição residual dó ouvido implantado. Demonstrou-se, também, a associação entre o grau de neoformação óssea e o crescimento de tecido fibroso. Este último está relacionado à perda das células ciliadas. Tais achados sugerem que fatores que levam à fibrose e neoformação óssea, tais como o trauma, resultem em perda precoce das células ciliadas, enquanto que o implante, por si só, apesar de conduzir à neoformação óssea, parece não resultar em perda de células ciliadas ou, em caso de perda, esta é de aparecimento tardio.

As evidências disponíveis acerca da possibilidade de dano do sistema auditivo pelo implante coclear sugerem que, com os níveis de corrente habitualmente usados, esse risco seja pouco importante. Essa constatação, somada ao fato de que os pacientes candidatos a implante coclear apresentam perda auditiva profunda, torna o implante, coclear potencialmente mais benéfico do que danoso ao sistema auditivo desses pacientes.

Além de possível injúria ao aparato auditivo do paciente, o implante coclear encerra, também, o risco de comprometimento do sistema vestibular. Sabe-se que a tradução sensorioneural do movimento, o qual atua, inicialmente, sobre as células vestibulares, em nível periférico, é mediada por reação eletroquímica. Assim, todo estímulo elétrico aplicado em nível do órgão vestibular terminal ou de seu primeiro neurônio aferente resulta também em modificação da atividade vestibular naquele lado. Dessa forma, poder-se-ia esperar que a estimulação elétrica do neurônio remanescente, em caso de perda das células vestibulares ciliadas, produzisse mudanças no sistema vestibular de forma análoga ao que ocorre com as percepções auditivas resultantes da estimulação elétrica das fibras auditivas. Tem-se descrito, de fato, a ocorrência de estimulação vestibular com alguns tipos de implante coclear. Black e cols.16 analisaram os efeitos da estimulação elétrica pelo implante coclear sobre a função vestibular de cinco pacientes. Dois deles experimentaram vertigem, de rápida compensação, apenas quando da ativação inicial do implante coclear. Não foram demonstradas repercussões a longo prazo sobre o sistema vestibular. O mesmo autor havia descrito, em 1980, os efeitos elétricos sobre o sistema vestibular em um paciente com quatro eletrodos implantados, todos os quais produziam sensações auditivas. Respostas vestibulares foram registradas com dois dos eletrodos ativados, sendo que estímulos mais curtos (100 ms) causaram sensação de rotação da cabeça; e estímulos mais duradouros, sensação de desequilíbrio corporal. Esses achados claramente demonstram que o implante coclear pode resultar em estimulação vestibular. Acredita-se que os pacientes compensem rapidamente o desequilíbrio resultante da estimulação pelo implante, a menos que os eletrodos tenham sido colocados nas proximidades do nervo vestibular. Parece não haver diferença quanto à magnitude dos efeitos vestibulares induzidos eletricamente entre os pacientes com função vestibular anormal (seja ela reduzida, ausente ou assimétrica) e aqueles com função vestibular preservada. Os estudos referentes a essa questão têm, contudo, na sua maior parte, envolvido número pequeno de pacientes, de forma que estudos maiores tornam-se necessários para avaliar a real relação entre função vestibular pré-operatória e suscetibilidade à estimulação elétrica pelo implante coclear.

Outro mecanismo possível de causar dano ao sistema vestibular, afora a estimulação do órgão vestibular periférico ou do seu primeiro neurônio aferente, é o de abertura do labirinto no decorrer do procedimento de introdução do implante17-20. Na maioria dos casos, contudo, acredita-se que o labirinto ósseo possa ser aberto sem que haja dano à função labiríntica. Esta parece dever-se à mistura da endolinfa com a perilinfa em decorrência de trauma sobre a membrana basilar ou sobre o ligamento espiral.

Embora a avaliação da função vestibular geralmente faça parte do processo de seleção dos candidatos ao implante coclear, pouco se tem descrito os resultados dos testes vestibulares nesses pacientes. Os estudos de Black e cols.16 e de Mangham e cols.20 são alguns dos poucos a apresentar avaliação quantitativa do reflexo vestibulo-ocular, pré e pós-implante coclear, tendo demonstrado, em alguns casos, perda dá função vestibular periférica. Huygen e cols.21 estimaram risco de perda da função vestibular, como resultado do implante coclear, de cerca de 50% a 60%. Essa estimativa de risco decorreu da constatação de que, dos seis pacientes estudados que apresentavam função vestibular normal ou pouco comprometida no lado elegível para a colocação do implante, três deles apresentaram perda da função vestibular após a cirurgia. Um desses casos de perda.da função vestibular foi dado como decorrente de iatrogenia, uma vez que um dos canais semicirculares foi aberto inadvertidamente durante o procedimento cirúrgico. A preservação da função vestibular nos outros três pacientes representa evidência de que a colocação do implante sem dano vestibular, mesmo intracoclear, é possível e se constitui na única forma de garantir ao paciente implantado a manutenção de sistema vestibular funcionante naquele lado. De qualquer forma, em havendo a possibilidade real de comprometimento do sistema vestibular, deve se priorizar o lado de função vestibular mais comprometida na escolha do lado a ser implantado. Assim, em pacientes com arreflexia vestibular unilateral, deve se colocar o implante coclear preferencialmente no lado da arreflexia, de forma a evitar possível comprometimento total da função vestibular após a cirurgia de colocação do implante. Existem evidências, contudo, de que os testes do promontório possam obter melhor resultado na presença de função vestibular normal ou pouco comprometida, o que tornaria o lado menos afetado idealmente mais adequado ao implante coclear. A melhor conduta parece, pois, em havendo arreflexia vestibular unilateral, de particularizar cada situação, considerando-se sempre a relação risco-benefício envolvida em cada uma delas. Assim, a decisão de colocar o implante coclear no lado com função vestibular preservada deve ser fruto de discussão que envolva também o paciente, expondo-lhe, e forma clara, os riscos e as conseqüências de possível arreflexia vestibular bilateral.

Estimulação do Nervo Facial

Os implantes cocleares geram, quando ativados por estímulos acústicos, campos elétricos localizados. A corrente gerada pelo implante coclear geralmente permanece confinada à cóclea. Pode, contudo, estender-se a estruturas nervosas adjacentes, acometendo, não raro, o nervo facial. Isso parece ocorrer tanto com implantes de eletrodos curtos quanto com os de eletrodos longos. A extensão da corrente está na dependência do tipo de implante, do modo de operação dos eletrodos (monopolar ou bipolar), dos parâmetros de estímulo e da impedância do tecido adjacente ao implante coclear. A impedância da cóclea parece variar ao longo do seu comprimento, de forma que a impedância junto à base modiolar da cóclea parece ser mais baixa do que aquela da região apical22, 23. A ocorrência de estimulação do nervo facial acarreta desconforto significativo ao usuário do implante, comprometendo, com isso, a adequação do paciente ao mesmo. A prevalência dessa complicação é de 2% para os implantes multicanais e parece ocorrer menos comumente em pacientes pediátricos. Acredita-se que indivíduos cuja perda auditiva é devida à otosclerose coclear sejam particularmente propensos ao desenvolvimento de estimulação do nervo facial com o uso de implante coclear24.

Frente a isso, muito tem se discutido como manejar os pacientes com essa complicação. Uma das opções consiste na identificação dos eletrodos responsáveis pelo comprometimento facial e na alteração do programa do implante. A redução ou, mesmo, a interrupção da corrente envolvida na estimulação geralmente resultam em melhora, permitindo, assim, a continuidade do uso dos eletrodos25. Ocasionalmente, pode ser necessário desativar determinados eletrodos, o que pode alterar a percepção auditiva. O desenvolvimento, contudo, de estimulação refratária, requerendo a desativação dos eletrodos implantados ou a remoção cirúrgica do aparelho, é incomum. Em casos refratários que necessitem da retirada do implante coclear, pode-se recolocá-lo no ouvido contralateral. Tal atitude não exclui, entretanto, a possibilidade de estimulação facial também neste lado, sobretudo nos pacientes considerados suscetíveis (como aqueles com otosclerose coclear).

A toxina botulínica (tipo A) tem surgido como opção terapêutica para pacientes com estimulação do nervo facial refratária decorrente de implante coclear ativado. É uma proteína produzida pelo Clostridium botulinum que causa bloqueio neuromuscular transitório, tendo-se mostrado efetiva em reduzir ou, até mesmo, eliminar a hiperatividade facial de origens diversas (por blefarospasmo essencial, regeneração aberrante do nervo facial e espasmo hemifacial, entre outros). O bloqueio neuromuscular é devido à inibição da liberação de acetilcolina nos nervos Motore26. A ação da toxina tem início entre 1 e 15 dias e duração de 4 a 5 meses27. Sua utilização no espasmo facial devido à estimulação elétrica iatrogênica ainda está em fase de investigação. As desvantagens do uso dessa toxina na estimulação facial refratária incluem a necessidade do uso crônico e a possibilidade de superdosagem. Com relação a esta última, sabe-se que as doses de toxina necessárias variam de acordo com a patologia de base, bem como com a tolerância do indivíduo à droga. A utilização da toxina por longo período pode resultar no desenvolvimento de resistência à droga, em virtude da produção de anticorpos anti-toxina, requerendo, assim, a utilização de doses maiores para que se obtenha o mesmo efeito clínico.

Langman28 descreveu um paciente com estimulação facial pós-colocação de implante coclear multicanal refratária a múltiplas alterações na programação do processador de velocidade, incluindo, até mesmo, a progressiva desativação dos eletródios. A toxina botulínica foi injetada em vários sítios na face, correspondentes aos pontos máximos de espasmo facial. Esse tratamento resultou em paresia do nervo facial, a qual apresentou resolução parcial em seis semanas.

Outros

Outras complicações menos freqüentes incluem fístula perilinfática, comprometimento do paladar (geralmente discreto), perfuração da membrana timpânica, não funcionamento do implante e desenvolvimento de zumbidos. A presença de fístula perilinfática pode ser sugerida pela ocorrência de vertigem pós-operatória persistente e foi relatada em cinco das 459 cirurgias de implante analisadas por Cohen8. Em dois desses pacientes houve remissão espontânea da vertigem, tendo os demais sido reintervidos cirurgicamente. O não funcionamento do implante pode decorrer do posicionamento incorreto dos eletrodos ou da compressão dos mesmos. Tem-se descrito distribuição bimodal dos casos de falência dos implantes. De fato, a maioria dos implantes que se tornam não funcionantes o fazem dentro do primeiro ano pós-colocação ou após cinco anos de uso. A falência dos implantes é, contudo, infreqüente, de forma que mais de 95% deles são ainda funcionantes ao final de cinco anos. Não têm sido descritas rejeições à bobina interna ou evidências de produção de substâncias tóxicas por eletrólise. Da mesma forma, parece haver boa tolerância à inserção e à presença de eletródios na cóclea12. A inserção do eletródio ativo deve ser tão delicada quanto possível, a fim de não danificar os tecidos intra-cocleares, evitando-se, assim, a perda de população neuronal passível de estimulação e a compressão do eletrodo. A realização de Rx pós-operatório transorbital permite documentar o adequado posicionamento e a inexistência de compressão dó eletrodo. Ocasionalmente, alguns pacientes implantados referem desenvolvimento de zumbidos, embora a regra seja a sua atenuação.

CONCLUSÃO

Apesar dos inegáveis avanços acerca do entendimento da fisiologia vestíbulo-auditiva e dos mecanismos de injúria inerentes à cirurgia de colocação do implante coclear, melhores resultados têm esbarrado na difusão ainda incipiente dessa prática e na incapacidade, a despeito dos exames pré-operatórios e de seleção, de assegurar-se o sucesso do implante. Os resultados dependem, com grande peso, da capacidade da área auditiva do sistema nervoso central do implantado, de forma que alguns indivíduos exibem maior capacidade de interpretar os impulsos elétricos. Embora a audição não seja recuperada na sua totalidade, muitos pacientes implantados são capazes de conversar quando se encontram em frente da outra pessoa, podendo, por vezes, desenvolver conversação normal sem leitura labial.

Como em toda cirurgia, existem riscos anestésicos cirúrgicos. Afora as complicações relativas ao procedimento cirúrgico em si, existem, ainda, aquelas não diretamente relacionados ao ato cirúrgico, mas cuja capacidade de limitar a utilidade do implante e a adequação do paciente ao mesmo é igualmente importante. incluem-se aí a possibilidade de comprometimento vestibular no lado implantado, de estimulação facial, de desenvolvimento de zumbidos ou de alteração do paladar. Apesar dessas limitações, é indiscutível, pois, a validade dos implantes cocleares em proporcionar grau satisfatório de percepção auditiva, ainda que distorcida, àqueles que, de outra forma, teriam negado o acesso a esse sentido tão fundamental à comunicação e ao desenvolvimento do indivíduo.

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* Doutoranda e Monitora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
*** Professor de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. M. Sc. in Otology, U.S.C.

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Artigo recebido em 27 de maio de 1997. Artigo aceito em 11 de julho de 1997.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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