INTRODUÇÃOCrianças consideradas de alto risco neonatal apresentam, freqüentemente, distúrbios de comunicação, destacando-se entre eles os distúrbios articulatórios e os atrasos na aquisição da linguagem1, 2. Diferentes níveis de disacusia neurossensorial também podem estar presentes, contribuíndo para o agravamento do desenvolvimento desses distúrbios3. Problemas comportamentais e de escolaridade podem posteriormente associar-se ao quadro4.
Os diagnósticos dos distúrbios da comunicação e das deficiências auditivas nessas crianças são, muitas vezes, tardios, o que prejudica o trabalho dos profissionais que atuam com as medidas de reabilitação.
Visando maior conscientização das mães quanto à aquisição e desenvolvimento da fala e linguagem, o Serviço de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu atua preventivamente, orientando as parturientes através de visitas fonoaudiológicas semanais às enfermarias de Neonatologia e Obstetrícia, tendo como principais objetivos a prevenção, a identificação e a intervenção precoce nos distúrbios nas áreas de alimentação, comunicação e audição, em crianças tanto normais quanto de alto risco5.
Quando se trata de recém-nascidos de alto risco, os cuidados e a atenção devem ser ainda maiores, e exigem a conscientização dos pais quanto à necessidade de várias avaliações e de seguimento a longo prazo dessas crianças, visto que as habilidades mais elaboradas da linguagem e suas alterações aparecem mais tardiamente6.
Neste trabalho são apresentados os resultados das avaliações e do seguimento fonoaudiológico e foniátrico em 21 crianças consideradas de alto risco ao nascimento, durante período de quatro anos, quanto ao desenvolvimento da linguagem.
MATERIAL E MÉTODOO trabalho foi realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, durante o ano de 1991. Nesse período, a UTI neonatal registrou 213 internações de crianças consideradas de alto risco neonatal que apresentavam uma das seguintes afecções, consideradas de risco auditivo: peso ao nascimento inferior a 1.500 g; hiperbilirrubinemia a níveis excessivos, indicativa de exsangüíneo-transfusão; severa depressão ao nascimento, indicando Apgar de 0 a 3 no quinto minuto ou demora em iniciar a respiração espontânea nos primeiros 10 minutos de vida, ou ainda hipotonia persistente por duas horas; ventilação mecânica por período maior que 10 dias; idade gestacional menor que 38 semanas; meningite bacteriana; síndromes) genéticas; quadros convulsivos; história familiar de surdez congênita; infecções congênitas associadas à surdez neurossensorial (Toxoplasmose, Lues, Rubéola, Citomegalovirus e Herpes); medicamentos ototóxicos; anomalias crânio-faciais7, 8, 9.
Das 213 crianças, 45 foram a óbito. Entre as 168 sobreviventes, 77 foram submetidas a avaliação auditiva, fazendo parte dos programas preventivos de detecção precoce de deficiência auditiva em recém-nascidos. Saliente-se que as avaliações fonoaudiológicas foram realizadas na UTI neonatal apenas duas vezes por semana, devido à falta de profissionais disponíveis para a realização diária. Sendo assim, algumas crianças recebem alta hospitalar entre uma consulta e outra, ou de screening auditivo com diferentes estímulos sonoros (tambor, agogô, palma e voz) e da observação do comportamento da criança frente aos estímulos realizados 10. Quando essa avaliação mostrou-se duvidosa, foi feita a Audiometria de Resposta Elétrica do Tronco Cerebral (BERA).
Na primeira avaliação do seguimento auditivo, as mães receberam orientação quanto às técnicas adequadas de amamentação, sucção, mastigação e deglutição, além da conscientização da importância da estimulação auditiva, visual e de linguagem para o bom desenvolvimento da comunicação5. As crianças com algum grau de deficiência auditiva foram encaminhadas ao ambulatório de foniatria para investigação diagnóstica e seguimento.
Neste trabalho, incluímos apenas as crianças com audição e exames neurológicos normais. Após a alta hospitalar, essas crianças foram seguidas a cada três meses, até a idade de um ano e meio. Nova avaliação foi realizada entre três e quatro anos.
Na avaliação ambulatorial, com a criança em idade de três e quatro anos, foram analisados os seguintes aspectos: escolaridade, antecedentes pré e perinatais, desenvolvimento físico, motor, de linguagem e habilidade em comunicação (recepção e emissão), nível fonético-fonológico e sistema motor oral. A comunicação oral foi avaliada através de sessões semanais de atividade lúdica utilizada por Chiari e adaptada por nós11.
Os distúrbios da linguagem foram avaliados segundo classificação citada por Zorzi12 e Casanova13: retardo simples de linguagem ou retardo de fala, caracterizado por boa compreensão, desenvolvimento de simbolismo na comunicação não verbal e linguagem oral pouco evoluída; retardo leve onde se observam processos de facilitações fonológicas e menor competência lingüística de conteúdos cognitivos, níveis pragmático e morfossintático normais; retardo moderado com redução de padrões fonológicos, pobreza de vocabulário expressivo, compreensão melhor em situações contextualizadas, reduções nos sinais morfossintáticos que determinam categoria nominal e verbal, funções pragmáticas pobres; retardo grave onde há grande redução dos padrões fonológicos e morfossintáticos, ausência de elementos de ligação e estruturas de frases muito primitivas, dificuldades de compreensão. Analisaram-se os distúrbios articulatórios através de quadros fonêmicos, tomando-se precaução para não serem consideradas patológicas alterações fonoarticulatórias normais para a faixa etária estudada14, 15.
RESULTADOSA Tabela I apresenta os principais antecedentes matemos pré-natais, pelos quais se observa prevalência de hemorragias no terceiro trimestre da gravidez (28,57%), amniorrexis prematura (28,57%), infecção urinária (28,57%), hipertensão arterial (23,81%) e pré-eclâmpsia (14,29%).
Quanto ao tipo de parto, a maioria foi do tipo cesariana (76,19%), tendo como principais indicações os antecedentes pré-natais (Tabela II).
Entre os fatores neonatais de alto risco, destacam-se a ventilação mecânica e a permanência, por diferentes períodos, em incubadora, utilizada em todas as crianças, seguida pela prematuridade (72,20%), pela hipóxia grave (38,10%), e pelo baixo peso (38,10%). Os demais antecedentes podem ser vistos na Tabela III, distribuídos em ordem decrescente de incidência.
Quanto ao sexo, 66,7% das crianças avaliadas foram do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino (Gráfico 1).
A avaliação fonoaudiológica revelou que 47,62% das crianças apresentavam algum tipo de patologia da comunicação, destacando-se os atrasos leves (14,28%), os atrasos simples (9,52%) e moderados (9,52%), além de distúrbios articulatórios isolados (9,52%) (Tabelas IV e V). Esses distúrbios da comunicação foram mais freqüentes no grupo dos meninos (57,14%) (Gráfico 2).
DISCUSSÃONeste estudo, observou-se alta incidência de distúrbios da comunicação em crianças consideradas de alto risco neonatal. Aproximadamente, 50% delas apresentaram algum tipo de alteração da fala (distúrbios articulatórios ou atrasos de linguagem). Essa porcentagem é superior à observada por WILLIAMSON et al. (1990)16, que, em avaliação de 61 crianças de baixo peso ao nascimento sem maiores deficiências, observaram que um terço delas apresentava atrasos significativos no desenvolvimento de linguagem durante o primeiro ano de vida. Também D. SOUZA et al. (1981)17 mostraram essa mesma incidência de deficits na fala e linguagem em crianças de alto risco neonatal com até três anos de idade. Outros autores mostraram incidências menores de distúrbios da comunicação nas crianças de alto risco neonatal, porém mais altas do que na população sem fatores de risco2, 3, 18, 19, 10, 21.
Os principais fatores etiológicos responsáveis por essa elevada incidência são os próprios antecedentes neonatais, os quais causam danos ao sistema nervoso central, afetando o desenvolvimento da fala e da linguagem19. A prematuridade tem sido apontada por alguns autores como sendo responsável por imaturidade psiconeurológica4, 22. Acreditamos que a incidência dos distúrbios da comunicação nas crianças consideradas de alto risco seja ainda maior que a diagnosticada neste trabalho, uma vez que em nossa casuística não incluímos crianças deficientes auditivas ou com seqüelas neurológicas.
Outro aspecto a ser considerado entre essas crianças está relacionado às condições familiares sócio-econômicas e culturais. A grande maioria delas pertence a famílias com nível sócio-econômico baixo e pais sem escolaridade. Estes fatores proporcionam ambiente pouco estimulador para o desenvolvimento da linguagem3 ,4, 23, 24, 25.
A incidência dos distúrbios da comunicação em nossa avaliação foi maior entre os meninos de alto risco neonatal, dado confirmado também por outros autores2, 22, 26.
O acompanhamento periódico multidisciplinar do desenvolvimento do recém-nascido de alto risco neonatal tem sido preocupação constante nos últimos anos em algumas instituições. O tempo de seguimento tem sido cada vez maior, visto que as habilidades de linguagem e aprendizagem aparecem em idades mais avançadas1, 4, 7, 19.
O desconhecimento dos pais quanto ao desenvolvimento normal da criança na área da comunicação faz com que condutas expectantes sejam tomadas por períodos prolongados e a procura ao atendimento especializado ocorra quando a criança apresenta idade muita avançada, limitando as expectativas terapêuticas e o prognóstico.
Esses fatores justificam a importância da implantação de programas de seguimento a longo prazo em relação a recém-nascidos de alto risco, em clínicas de neonatologia, uma vez que estes são ainda em número reduzido.
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* Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu.
** Aprimoranda de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu.
*** Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu.
Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - UNESP
CEP: 18618-000 - Botucatu/ SP - Telefone: (0149) 21-2121 - Ramal: 2256 - FAX: (0149) 22-0421.
Endereço para correspondência: Regina H. G. Martins - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - UNESP - Botucatu/ SP - CEP: 18618-000
Artigo recebido em 8 de agosto de 1996.