INTRODUÇÃOMixomas de antro maxilar são tumores raros, particularmente em crianças. Usualmente são encontrados no coração, pele, tecidos subcutâneos e certos ossos4. O fato de tumores de seios paranasais serem incomuns e de seus sintomas mimetizarem doenças inflamatórias pode gerar demora no diagnóstico até que a patologia seja extensa.
No presente relato, apresentamos um caso em criança e discutimos as características patológicas e tratamento desta entidade.
CASO CLINICON.J.S.N., com 14 anos de idade, do sexo masculino e branco, consultou-se no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, apresentando aumento de volume da região maxilar direita, iniciada havia sete meses, e dor contínua em hemiface direita. Nos três meses que antecederam a consulta, a dor intensificou-se e houve aumento progressivo do volume da região maxilar direita. Na apresentação, ao exame físico, mostrou bom estado geral e estava afebril. À rinoscopia anterior, mostrou: abaulamento da parede lateral da fossa nasal direita; rinoscopia posterior ,sem alterações; à palpação da face evidenciou-se tumoração endurecida e indolor da região maxilar direita; e a palpação cervical foi sem linfadenomegalias. O restante do exame otorrinolaringológico foi sem alterações.
A tomografia computadorizada mostrou lesão expansiva com infiltração e erosão ósseas, ocupando a totalidade do seio maxilar direito com dente incluso (Figuras 1 e 2). Decidiu-se, então, realizar esvaziamento cirúrgico, baseado no exame de congelação, que indicou a presença de pólipo inflamatório com um dente incluso. Ao exame macroscópico, evidenciou-se lesão friável, com tecido pardo-claro e elástico, e, ao corte, aspecto mixóide e áreas mucóides e ósseas. O diagnóstico foi, mixoma de antro maxilar.
A tomografia computadorizada de controle mostrou espessamento do revestimento mucoso do seio maxilar direito por infiltração, que se associou à erosão das paredes ântero-lateral e inferior deste seio. Nas revisões pós-cirúrgicas, o paciente não refere sintomas e não apresenta sinais de recidiva.
DISCUSSÃOO termo mixoma foi criado por Virchow (1863), que acreditava que estas lesões, da mesma forma que o cordão umbilical, continham mucina2. Por suas características histológicas, ele achava que representavam tumores do mesênquima, muito indiferenciados.
Muitas dessas lesões têm sido relatadas na literatura mundial como casos individuais e têm sido classificadas como mixomas, fibromixoma ou mixofibroma3.
Embora várias revisões, que incluem crianças e adultos, apontem preponderância feminina, parece não haver predominância em crianças7.
Raramente, mixomas de ossos têm ocorrido além das maxilas. Stout8, em 1948, relatou 49 mixomas estudados pessoalmente; 10 vistos em ossos, incluindo cinco na mandíbula, três na maxila, um na clavícula e um na região metatársica. Em 1958, Zimmerman e Dahlin9, em revisão de 2276 neoplasias ósseas primárias, descreveram 26 tumores mixomatosos das maxilas e não encontraram mixomas ósseos fora do esqueleto facial. Ghosh et al.10, em 1973, relataram 10 mixomas, sendo seis na mandíbula e quatro na maxila, em estudo de 8.723 neoplasias ósseas primárias. Fu e Perzin3, em 1977, em estudo clínico-patológico de tumores não epiteliais da cavidade nasal, seios paranasais e nasofaringe, encontraram somente seis mixomas, todos envolvendo o antro maxilar. Esses estudos demonstraram a raridade desta entidade.
Esses tumores crescem lentamente e são, usualmente, assintomáticos. Aumento da região afetada é, freqüentemente, o motivo para o paciente procurar auxílio e, às vezes, esse aumento pode levar a considerável tamanho. Mobilidade dentária pode ser observada, decorrente da perda da estrutura adjacente de suporte.
O diagnóstico de mixoma é feito patologicamente pela exclusão de outras lesões que podem apresentar áreas mixóides. Essas lesões incluem tumores das células de Schwann, lipossarcomas mixóides bem diferenciados, rabdomiossarcomas e várias neoplasias fibroblásticas e condroblásticas3.
A verdadeira histogênese desses tumores tem sido objeto de debates entre vários autores. Thoma e Goldman, em tentativa de facilitar, classificaram essas lesões em mixoma odontogênico ou osteogênico7. Os defensores da origem odontogênica citam o fato de este tumor ocorrer quase que exclusivamente nas maxilas. Histologicamente, assemelha-se à papila dentária e, ocasionalmente, dentro dele encontram-se restos odontogênicos. Outros postulam que esse tumor origina-se de restos mesenquimais localizados no osso alveolar.
Microscopicamente, identificam-se escassas células estreladas e fusiformes em estroma mucóide com colágeno. Embora de baixa celularidade, alguns exemplos demonstram discreto aumento uniforme de células e morfologia fusiforme, sendo denominadas fibromixoma.
Macroscopicamente, a lesão pode ser simples ou multinodular, com aspecto liso, brilhante, pálido e de coloração que vai de cinzenta a esbranquiçada. A consistência vai de macia a moderadamente firme, dependendo da fibrose secundária.
Figuras 1 e 2. Tomografia computadorizada pré-operatória.
Radiograficamente, não mostra contornos bem definidos e apresenta áreas osteolíticas uni ou multiloculares, radiolucentes e com padrão interno trabecular. Entretanto, este padrão deve ser diferenciado de displasia fibrosa, ameloblastoma, granuloma central gigante, doença de Paget, cisto, fibroma e condromas. Freqüentemente, está associado à presença de dentes impactados.
Em cabeça, e pescoço, os mixomas usualmente localizam-se na parede anterior do seio maxilar. A maioria dos autores concorda que estes tumores mixóides, ocorrendo em ossos faciais, são lesões' localmente agressivas e que não metastatizam, mas podem recorrer se não corretamente excisados. O tratamento pode variar da simples curetagem, até a ressecção radical, em lesões extensas.
Como são neoplasias com potencial para crescimento continuado e capacidade de destruição óssea, devem ser adequadamente removidos inicialmente, ou a recorrência poderá vir a ser problema significativo.
Contrariamente à maioria dos tumores benignos, os mixomas não são tumores encapsulados e seus limites clínicos e radiológicos aparentes podem não representar seus verdadeiros limites identificados na histologia. A textura gelatinosa e levemente friável que apresentam talvez aumente sua capacidade infiltrativa. Essa textura pode dificultar sua remoção completa, deixando pequenos fragmentos e tornando a recorrência provável. Isto pode explicar a elevada taxa de recidiva após curetagem ou excisão cirúrgica local, sendo recomendada a excisão ampla7.
Não há relatos de metástases, e os mixomas são tumores radio-resistentes; apesar de haver possibilidade de radioterapia pré-operatória para diminuir o tamanho do tumor com excisão cirúrgica subseqüente7.
CONCLUSÃOA presença de neoplasia nas cavidades nasais e seios paranasais oferece grande diversidade histológica. O otorrinolaringologista deve estar atento a essas inúmeras possibilidades e deve proparar-se para realizar procedimentos cirúrgicos diferentes do inicialmente planejado.
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* Ex-Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre/ RS.
** Médico Contratado do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre /RS.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre/ RS.
Trabalho apresentado no VI Congresso Brasileiro de Rinologia e Cirurgia Estética da Face e XIV lntemational Symposium of Infection and Allergy of the Nose (ISIAN), de 7 a 9 de setembro de 1995 em Salvador /BA.
Endereço para correspondência: Guilherme Pilla Caminha - Avenida Bastian, 152 - Menino Deus - Porto Alegre/ RS - CEP: 90130-020 - Brasil.
Artigo recebido em 8 de agosto, de 1996. Artigo aceito em 12 de novembro de 1996.