INTRODUÇÃODescrita inicialmente em 1836 por Wilhem Friedrich Von Ludwig, o termo Angina de Ludwig foi usado somente um ano mais tarde, por Camerer. A Agiria de Ludwig é definida clinicamente como celulite difusa, rapidamente progressiva, de consistência firme, localizada em assoalho de boca, envolvendo os espaços sublingual e submaxilar, acima e abaixo do músculo milo-hióide, respectivamente.
A principal origem do processo é dentária, especialmente do segundo e terceiro molares inferiores1, 2, 3, 4. Outras causas incluem corpos estranhos em cavidade oral, lacerações da mucosa oral, amigdalite, fratura de mandíbula, cirurgias contaminadas na região e idiopáticas5, 6.
O diagnóstico é eminentemente clínico. Os sinais e sintomas podem ser locais e gerais: os mais comuns são aumento de volume em região submandibular, elevação do assoalho de boca, dificuldade de deglutição, trismo, sinais inflamatórios locais, dispnéia, febre e sinais de toxemia.
Em 1939, Grodinsky estabeleceu alguns critérios para o diagnóstico da doença:
- Sempre envolve os espaços submaxilar e sublingual e é bilateral.
- Produz flegmão, retendo secreção sero-sanguinolenta de odor fétido e pequena quantidade de pus.
- Compromete tecido conjuntivo, fáscia e músculos, sem afetar linfonodos ou tecido glandular.
- Difusão rápida, por continuidade e não por via linfática.
Quanto à bacteriologia, a cultura das secreções mostra flora bacteriana com estreptococo, estafilicoco e bacteróides, como germes mais encontrados; aparecem isolados ou em associação1, 7. A presença de bactérias Gram negativas é descrita em alguns trabalhos2, 3.
O tratamento consiste em três procedimentos: antibioticoterapia, traqueostomia e drenagem.
A antibioticoterapia é iniciada, de acordo com a suposição bacteriológica prevista, com drogas antimicrobianas que sejam efetivas para os germes mais freqüentemente encontrados, ou seja, associação entre bactérias Gram positivas e anaeróbias.
A traqueostomia é usada para a manutenção das vias aéreas e sua indicação é muito controversa. A indicação deste procedimento é devida ao acometimento do espaço submandibular, o que dificulta a intubação oro-traqueal. Geralmente, é realizada antes da drenagem cirúrgica e, de preferência, sob anestesia local. A cânula de traqueostomia deve ser de plástico descartável e com cuff, tendo a finalidade de prevenir a aspiração das secreções8, 9.
A drenagem é realizada com o objetivo de diminuir a tensão existente nos espaços envolvidos e, também, para retirada de secreções. A linha de incisão da pele deve ser transversal, na junção do terço médio com o terço superior de uma linha imaginária entre o mento e a cartilagem tireóide. Alcançado o espaço submentoniano, abre-se o folheto profundo da fáscia cervical superficial entre os dois ventres anteriores do músculo digástrico. A seguir, procede-se à comunicação com o espaço sublingual, através de incisão do músculo milo-hiódeo, de forma perpendicular a direção de suas fibras, procedendo assim à abertura completa do espaço submandibular. A cirurgia é completada com a colocação de drenos de Penrose, que devem ser mobilizados diariamente, mantendo a drenagem das secreções, e que serão retirados de acordo com a evolução pós-operatória6, 7.
MATERIAL E MÉTODOSForam analisados 27 casos de Angina de Ludwig, atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, no período entre o dia 12 de janeiro de 1990 e 1Q de setembro de 1995.
Os pacientes foram estudados quanto ao sexo, idade, tempo de evolução da doença compreendido entre o início da mesma e o internamento hospitalar, quadro clínico, tempo de hospitalização, alteração dentária, tratamento e complicações. Foram também analisados os resultados das culturas das secreções.
RESULTADOSNos 27 casos revisados, foram encontrados 16 pacientes do sexo masculino e 11 do sexo feminino, a faixa etária de maior incidência foi de 21 a 30 anos, com 11 casos. Seis pacientes estavam abaixo dos 20 anos e três abaixo dos dez anos. Somente seis pacientes estavam acima dos 30 anos de idade.
O tempo de evolução, período compreendido entre o aparecimento dos sinais e sintomas e a data de internação, variou de 1 a 30 dias (92,8%). Os pacientes tiveram tempo de hospitalização médio entre seis e 10 dias (18 casos); dois permaneceram menos de cinco dias no hospital; cinco permaneceram entre 11 e 15 dias; e somente 2 necessitaram de internação por mais de 15 dias.
Os principais sinais e sintomas observados foram: aumento de volume na região submandibular e dor nessa região. Os demais sinais e sintomas encontrados estão na Tabela I. Alteração dentária foi encontrada em 44,4% dos pacientes (12 casos), sendo o único fator predisponente observado. Não foram observadas doenças sistêmicas concomitantes ou predisponentes.
A cultura para agentes aeróbios e anaeróbios foi realizada em 22 casos: 19 foram positivas (sendo seis simples, com crescimento de somente um agente causal e 13 mistas, com mais de um agente causal). O principal agente foi o Estreptococo viridans, tanto como bactéria única quanto com outras, nas culturas mistas, sendo nestas associado, na maioria das vezes, com o Peptostreptococo. Os resultados das culturas estão nas Tabelas II e III.
As condutas de tratamento destes casos foram:
1 - Antibioticoterapia - os antibióticos inicialmente utilizados foram a penicilina cristalina ou uma cefalosporina de primeira geração, um aminoglicosídeo e o metronidazol. O esquema inicial foi, posteriormente, adaptado de acordo com o resultado do antibiograma.
2 - Traqueostomia - para a manutenção das vias aéreas, a traquestomia foi realizada em 26 pacientes (96,3%).
3 - Drenagem - todos pacientes foram submetidos à drenagem cirúrgica da região afetada.
Foram observadas complicações no pós-operatório em quatro pacientes, porém, todos mostraram boa evolução, sem permanência de qualquer seqüela. Um paciente apresentou fístula tráqueo-esofágica após traqueostomia. Ocorreu insuficiência renal aguda em um caso, devida ao uso de gentamicina por 18 dias. Foi necessária nova drenagem cirúrgica em dois pacientes, sendo uma após três dias e a outra após dois dias da primeira intervenção.
DISCUSSÃOA despeito do grande desenvolvimento no tratamento e prevenção das doenças infecciosas, a Angina de Ludwig (AL) ainda persiste, aparecendo periodicamente em nosso meio, e pode, quando não reconhecida e tratada precoce e agressivamente, ter má evolução, ocorrendo, even-tualmente, o óbito.
Os dados encontrados não diferiram da literatura acerca da prevalência de sexo e idade dos pacientes. O tempo de evolução da doença, compreendido entre o início dos sintomas e o internamento hospitalar, foi superior ao da literatura, variando de um a 10 dias. Isto pode ser justificado pelo fato de a doença permanecer muitas vezes com sintomas inespecíficos por alguns dias, e os pacientes menos informados só virem a procurar o serviço quando a sintomatologia se torna mais evidente e grave.
Apesar de a diabete e outras doenças sistêmicas não terem sido encontradas nestes pacientes, de acordo com a literatura, elas podem predispor ao aparecimento da AL e influenciar seu prognóstico. O foco responsável pelo início do processo, em 44,4% dos pacientes, foi alteração dentária ou manipulação odontológica recente. Foi coincidente com a literatura, que aponta até prevalência maior de manifestações odontológicas em pacientes com AL1234.
Os sinais e sintomas destas patologias são bem conhecidos e qualificados. A única discordância do estudo, com relação à literatura, foi o aumento de volume sublingual, que apareceu em poucos dos nossos pacientes, podendo ter ocorrido algum descuido no momento do relato no prontuário de atendimento dos mesmos. O tempo de hospitalização esteve dentro dos padrões encontrados nas outras revisões já publicadas.
A cultura das secreções foi positiva na maioria dos pacientes. Em 31,6% dos casos com culturas ocorreu crescimento de uma só bactéria e em 68,4% cresceu flora mista. A associação de agentes aeróbios com anaeróbios pareceu ocorrer na maioria dos casos e também prevalece nas publicações atuais sobre a AL1, 2, 3, 4, 6, 7, 10. A baixa ocorrência de agentes aeróbios Gram negativos (somente um caso) esteve de acordo com a maioria dos relatos revisados.
O tratamento da AL não é controvertido quanto a seus princípios básicos: manutenção da permeabilidade das vias aéreas, drenagem cirúrgica e antibioticoterapia. A discussão está relacionada à correta indicação dos mesmos. A drenagem foi indicada em todos os casos em nosso serviço. Existem trabalhos na literatura que a indicam somente quando não há melhora clínica com a antibioticoterapia. Porém, a maioria dos relatos a indica para promover o alívio da tensão dos tecidos comprometidos e maior conforto do paciente. A literatura pesquisada relata que ela é realizada na maioria dos pacientes. A manutenção das vias aéreas foi o ponto fundamental no tratamento da AL. Devido ao grande risco de obstrução das vias aéreas, em razão da evolução rápida da doença, e da dificuldade encontrada na entubação orotraqueal, indicamos a realização da traqueostomia em todos os casos de Angina de Ludwig. No presente estudo, deixamos de realiazá-la em apenas um paciente, porque ele apresentou a doença em estágio muito inicial. Alguns relatos indicam a traqueostomia somente nos casos de risco iminente de obstrução de vias aéreas. Este procedimento permanece com relativa controvérsia entre os autores. A escolha do antimicrobiano também é motivo de discussão na literatura. Vários trabalhos apontam que o tratamento inicial deve dar cobertura a agentes gram positivos e anaeróbios. Essa colocação foi apoiada por este estudo, após termos constatado que somente em um caso ocorreu o crescimento de agente Gram negativo. Por este motivo, e também para evitar complicações, como a de um paciente que evoluiu com insuficiência renal aguda pelo uso de aminoiglicosideos (gentamicina) sem indicação precisa, a orientação atual é aguardar o resultado da cultura, acrescentando o aminoglicosídeo se necessário. Nossa conduta foi utilizar cefazolina (50 mg/kg de peso/dia, em três doses intravenosas, a cada oito horas) em associação com o metronidazol (30 mg/kg de peso/dia, por via intravenosa, também a cada oito horas). A antibioticoterapia, inicialmente intravenosa, foi mantida por 14 dias, sendo convertida para a via oral, sempre que houve condição de alta hospitalar nesse período. A redução do edema sublingual, a ponto de não mais colocar em risco a função respiratória do paciente, serviu como critério para a retirada da traqueostomia. A alta hospitalar ocorreu após 24 horas de permanecência estável do paciente. As complicações encontradas foram eventuais e não superaram os índices da literatura, e todos os pacientes evoluiram bem, havendo cura completa da doença.
CONCLUSÃOAngina de Ludwig é relativamente freqüente em nosso meio, e seu diagnóstico é eminentemente clínico.
O tratamento imediato é fundamental, através de antibioticoterapia, drenagem cirúrgica e traqueostomia.
A antibioticoterapia deve ser feita para dar cobertura para germes Gram positivos e anaeróbios.
O uso de rotina de aminoglicosídeo não é necessário no atendimento inicial do paciente.
A traqueostomia é realizada rotineiramente em nosso serviço, assim como a drenagem cirúrgica, pois em geral os pacientes por nós atendidos chegam com a doença em estágio bastante avançado.
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* Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
** Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
*** Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
**** Acadêmico interno do sexto ano de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
***** Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
Endereço para correspondência: Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia.
Rua General Carneiro, 181 - 13° andar - Centro - Curitiba/ PR - CEP: 80060-900 - Telefone: (041) 362-2028 - ramal 219.
Trabalho apresentado sob forma de tema livre na IX Jornada Científica do Hospital de Clínicas e do Setor de Ciências da Saúda da Universidade Federal do Paraná realizada entre 26 e 28 de setembro de 1995:
Artigo recebido em 3 de setembro de 1996.