INTRODUÇÃOInicialmente descrita por Berg em 1889, a mucocele do seio esfenoidal é uma patologia incomum, mas. não rara (11, 21). Pelo levantamento realizado, localizaram-se cerca de 90 casos documentados (16).
Poderia ser definida como uma expansão gradativa do seio, pelo acúmulo de secreção retida, que evolui, diminuindo a espessura das paredes e distendendo-as até destruí-Ias (8). Quando o conteúdo é purulento tem-se uma pincele. Krueger et al. e Vincent et al. não conseguiram isolar em culturas um agente bacteriano nas pinceles e abscessos, sendo difícil a determinação segura da pincele. Freqüentemente o conteúdo é estéril, apesar de puriforme (8, 16, 23).
A etiologia da mucocele é controvertida. Constituiria uma simples retenção cística do seio, resultante de um bloqueio na drenagem do óstio. Entretanto, ocorre também quando o óstio está permeável (16). Nem sempre o bloqueio do óstio resulta em mucocele (14). Dabney e Benjamins (Apud Nugent) acreditam que se origine da dilatação cística das glândulas mucosas da linhagem epitelial do seio, ou da drenagem cística de pólipos.
Estas lesões comumente envolvem as células etmoidais posteriores, chamadas então de mucoceles esfenoetmoidais (3, 10). Contudo, os sintomas estão relacionados primariamente à área esfenoidal, sendo o etmóide posterior comprometido apenas secundariamente, daí a preferência de alguns autores pela designação de mucocele esfenoidal (16).
A capacidade do seio esfenoidal varia entre 0,05 e 14,0 ml, sendo separado da artéria carótida interna por uma tênue parede óssea. Na vigência de expansão de suas paredes, pode entrar em contato com os nervos óptico, oculomotor, troclear, ramo maxilar do quinto par, hipófise e seio cavernoso, o que explica os sintomas neurológicos oriundos do envolvimento mecânico ou inflamatório das estruturas neurais adjacentes (12, 16). A apresentação clínica é o resultado desta compressão, que determina cefaléia, distúrbios visuais - como oftalmoplegia, exoftalmia, neurite óptica - distúrbios nasais e amaurose permanente (10, 11, 12, 16,20).
A mucocele do seio esfenoidal pode simular um tumor de hipófise e ser operada como tal, aumentando a morbimortalidade, o que ocorre em 80% dos casos (11, 16).
Por ser uma patologia pouco freqüente, de manifestações clínicas variáveis, considerou-se importante o relato deste caso, principalmente por sua apresentação atípica.
RELATO DO CASOPaciente de 10 anos, branca, natural e procedente de Porto Alegre, foi atendida no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles com recidiva de abscesso retroocular esquerdo. Referia início da sintomatologia há dois meses, com episódio de cefaléia fugaz, intensa, acompanhada de diminuição da acuidade visual. Permaneceu 50 dias assintomática até instalar-se um quadro de progressão rápida, com febre (37,5 a 38,O°C), exoftalmia, ptose palpebral à esquerda, dor e eritema locais. Seu oftalmologista iniciou antibioticoterapia (oxacilina e gentamicina). O abscesso foi drenado, recidivando dois dias após. Nesta ocasião, apresentava quemose, hiperemia conjuntival e paralisia dos músculos oculares, além dos sintomas anteriores. A acuidade visual e a fundoscopia eram normais. Uma segunda drenagem interna e externa foi realizada, obtendo-se secreção purulenta cuja cultura foi negativa. O estudo radiológico de crânio mostrou: "Presença de lesão expansiva de partes moles no seio esfenoidal direito, originando-se em sua parede posterior, com cerca de 3,5 cm de diâmetro sagital, com contorno anterior redondo e regular, deslocando o septo ósseo intra-sinusal para o lado esquerdo. Sem outra evidência de lesão nas cavidades paranasais. Rinofaringe de caracteres habituais". A tomografia computadorizada confirmou os achados radiológicos.
Após discussão clínica, optou-se pelo tratamento cirúrgico.
Pela via de acesso transeptal, sob microscópio cirúrgico, atingiu-se a parede anterior do seio esfenoidal, de cuja abertura resultou a drenagem de fluido mucoso espesso, de coloração escura. A mucosa mantinha aparência normal.
A mucosa patológica, de aspecto edematoso, foi curetada no recesso da cavidade e submetida aos exames bacterioscópico, cultural e anatommopatológicó. A parede anterior do seio esfenoidal foi removida bilateralmente, deixando-se ampla drenagem.
A paciente evoluiu bem no pós-operatório. O exame bacterioscópico foi negativo, bem como o cultural. O exame anatomopatológico concluiu por "Inflamação aguda exsudativa, em mucosa tipo respiratório alto, com telangectasias e mucoceles".
DISCUSSÃOA mucocele do seio esfenoidal incide entre oito e 80 anos de idade (9, 11, 16, 18, 20). Os locais de envolvimento, por ordem decrescente de freqüência, seriam o frontal, o etmoidal, o esfenoidal e raramente o seio maxilar (1, 5, 12, 24, 25).
Nugent observou a cefaléia como sintoma mais comum, provavelmente causada pela extensão da dura-máter sobre o seio esfenoidal e assoalho da fossa frontal. Setenta a 90% dos pacientes apresentaram cefaléia (2, 4, 16).
A amaurose, que também pode ocorrer, é de evolução lenta, geralmente unilateral e reversível em 25% dos casos (16). A etiologia é incerta, podendo tanto decorrer da pressão direta sobre o nervo óptico quanto de obstrução vascular e infarto do nervo (2).
No caso descrito, a cefaléia constituiu a primeira manifestação clínica, embora fugaz, sendo acompanhada por diminuição da acuidade visual temporária e de curta duração.
Diplopia, proptose, exoftalmia pulsátil, oftalmoplegia, atrofia óptica e papiledema são sinais comuns da mucocele esfenoidal (6, 12, 17, 18, 22). Esta sintomatologia tem sido designada como Orbital Inlet Syndrome, e resulta da pressão sobre estruturas adjacentes ao forâmen óptico e nervos (1, 10, 22). Assim, a impressão clínica antes da avaliação radiológica sugere massa intracraniana.
O diagnóstico é feito basicamente por radiografia. Na fase inicial, as alterações são limitadas ao seio propriamente dito, sendo sua opacificação um fator constante (20), que pode ocorrer uni ou bilateralmente. O aumento da pressão no seio leva à atrofia das margens ósseas, estimulando a deposição de osso neoformado e determinando a expansão gradual da cavidade sinusal e a compressão de estruturas adjacentes (5, 15, 18, 19). Mesmo radiologicamente, a mucocele é pouco diagnosticada por ser encontrada em estágios avançados, com alterações ósseas extensas, confundindo-se com lesões tumorais,das quais deve ser diferenciada (11). Mesmo após estudo tomográfico a caracterização pode ser difícil, vindo algumas vezes a ser definida só após a cirurgia (13).
O estudo radiológico, no presente caso, mostrou lesão expansiva de partes moles no seio esfenoidal direito, confirmada pela tomografia (Figuras 1 e 2).
Figura 1-A: Radiografia em perfil da rinofaringe mostrando lesão expansiva com densidade de tecidos moles no seio esfenoidal com cerca de 3,5 cm de diâmetro; BÂncidência de Kirtz mostrando lesão expansiva no seio esfenoidal direito, deslocando o septo ósseo intra-sinusal para o lado esquerdo.
O diagnóstico diferencial deve ser feito em relação a uma grande variedade de lesões; mais freqüentemente: os tumores de hipófise e outros - craniofarìngioma intra-esfenoidal, aneurismas, meningoceles, encefaloceles, cordoma, angiofibroma juvenil, sarcomas -, não sendo incomum o diagnóstico no transoperatório. As culturas são freqüentemente estéreis, apesar de puriformes. Alguns autores descrevem o crescimento de estreptococos, estafilococos, enterococos ou fungos (8, 11, 16, 23).
Fig. 2 : Tomografia computadorizada com cortes em diversos níveis mostrando a mucocele no seio esfenoidal direito (à direita do observador) e as alterações na órbita esquerda.
No caso descrito, o fluido tinha aspecto mucoso, espesso, de coloração escura; observou-se congruência quanto ao crescimento bacteriano. Não se realizou pesquisa de fungos e anaeróbios.
Embora infreqüente, a mucocele do seio esfenoidal pode ocorrer como achado acidental (8). Neste caso, causou sintomatologia fugaz há 50 dias, tendo sido encontrada radiologicamente na investigação do abscesso retroocular recidivante, pelo qual foi indiretamente responsável, já que a infecção sinusal pode atingir os elementos anatômicos da órbita por continuidade óssea ou através dos orifícios pré-formados dos vasos sangüíneos e linfáticos (7).
Hungria (7) descreve uma apresentação clínica semelhante em complicações oculoorbitárias das sinusites, mais comumente nas fronto-etmoidais e raramente nas maxilares e esfenoidais (7).
Mucoceles fronto-etmoidais são relatadas por Siegel (21) e Hungria (7), acarretando cefaléia, exoftalmia, diplopia e saliência no ângulo súpero-interno do externo da órbita.
Os autores não encontraram relatos com apresentação clínica semelhante à do caso atual, tendo julgado oportuna esta descrição, por constituir mais uma forma de expressão clínica da mucocele esfenoidal.
SUMMARYThe autorsrs report a case of Ehenoidal mucocele in a child. lhe patient had no sympthomatology of the paranasal sinus. lhe disease was suspected by a relapsing retrocular abscess. This is an unusual case when compared to other ones in the literature.
AGRADECIMENTOSOs autores agradecem ao Dr. Carlos Huberto Wallau, patologista, e à Dra. Rejane Mattar, clínica geral, cujo auxilio, no presente trabalho, foi inestimável.
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1 - Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles Porto Alegre - RS.
2 - R2 do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles Porto Alegre - RS.
3 - R2 do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles Porto Alegre - RS.
4 - R1 da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - RS.