Uma análise exaustiva da literatura nos permitiu concluir que o osso temporal pode estar comprometido pela displasia fibrosa 1,2 3,4 tanto na forma monostótica como na forma poliostótica da doenças,5,6. Não encontramos relato referente a seu envolvimento na síndrome de Albright 7,8,9,10,11,12,13.
A bibliografia contém três casos da forma poliostótica e 21 da forma monostótica; desta última, dois descritos na literatura nacional 14,15,16,17,18,19 .
Nossa revisão mostrou que, no temporal, ocorreu maior incidência no sexo masculino, na proporção 2/1 1,13
A doença tem sua manifestação clínica, na maior parte das vezes, na puberdade e no adulto jovem, não se afastando contudo, sua suspeita, em qualquer faixa etária.
O volume retroauricular e a hipoacusia, causada por obstrução do conduto auditivo externoo20, são os sintomas iniciais de maior freqüência, podendo em menor proporção ocorrer otalgia, zumbido pulsátil 21,22, tonturals,23,24 e trismo. Quando há infecção concomitante, poderá surgir otorréia l7,25.
A complicação mais freqüente é o colesteatoma, secundário, a proliferação, de tecido displásico, que bloqueia tecido epitelial e sua descarnação no fundo do conduto auditivo externo, comprimindo a massa progressivamente contra a membrana timpânica 26,27,28,29 .
Ao exame clinico, o achado mais comum é o aumento do volume liso e indolor da região retroauricular30.
A audição pode estar normal ou ocorrer hipoacusia de transmissão, se houver comprometimento do ouvido externo ou médio. As taxas no sangue de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina deverão estar normais.
O estudo radiológico diagnostica a doença28, 30, 31, 32, 33 em sua forma poliostótica, e é altamente sugestivo na forma monostótica.
A confirmação é feita pelo exame anatomopatológico. Na forma monostótica ou poliostótica do temporal, reconhecemos três estágios do seu comprometimento, um período de latência, um período de estado e um período de complicação. Não podemos precisar o tempo de duração de cada um. No período de latência, estágio I, nenhum sintoma está presente e a patologia é um achado radiológico como ocorreu em nosso caso 3. Para estes casos, sugerimos revisões periódicas semestrais.
No período de estado, estágio II, predomina algum sintoma. A decisão de uma intervenção cirúrgica irá depender do julgamento de cada caso, de acordo com uma necessidade estética ou funcional ou ainda com o objetivo de prevenir uma complicação futura, como nos casos iniciais de obliteração do conduto auditivo externo. Quando a opção for conservadora, sugerimos revisões semestrais, incluindo o estudo radiológico prospectivo.
No período de complicação, estágio III, surge o colesteatoma. Para estes casos, sugerimos uma cirurgia radical, ou radical modificada seguida de revisões periódicas, por eventual necessidade de reintervenção determinada por reobliteração da cavidade pela reativação do crescimento displásico.
A degeneração maligna da displasia fibrosa não é universalmente aceita. Contudo, existem evidências na literatura de que isto pode ocorrer, após ou mesmo sem tratamento radioterápico.
O uso de radioterapia deve ser evitado e o médico deverá estar atento para os sinais de possível malignização, quais sejam, o súbito crescimento do tumor ou dor severa .
RELATO DOS CASOS
Caso 1
Paciente do sexo feminino, branca, 11 anos.
Queixa
Aumento de volume da região retroauricular direita com evolução progressiva de dois anos. Exames. geral e rinolaringológico normais.
Ouvido
Tumoração retroauricular direita, dura, lisa, indolor, medindo aproximadamente 5 cm por 5 cm, deslocando o pavilhão no sentido anterior. Otoscopia e membranas timpânicas normais. Audiometria normal.
Estudo radiológico: Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: Aumento de volume da mastóide. Distúrbio de pneumatização de todo o sistema celular. Opacificação simétrica de toda porção óssea mastóidea e petrosa do temporal. Conduto auditivo externo e interno e bloco labiríntico conservados.
Estudo radiológico do restante do esqueleto, normal.
Impressão diagnóstica
Quadro radiológico compatível com displasia fibrosa de temporal direito. Taxas normais de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina (sangue).
Conduta
Revisão periódica semestral.
Caso 2
Paciente do sexo masculino, branco, 39 anos.
Aumento de volume progressivo da região retroauricular esquerda, datando aproximadamente da época do início da otorréia. Foi submetido há cinco anos a uma cirurgia no ouvido esquerdo, tendo persistido o aumento de volume e a secreção. Um ano após, foi realizada uma craniotomia, possivelmente em região occipital, sem que se pudesse obter maior número de dados com respeito a essa cirurgia.
Permaneceu nestes cinco anos com o aumento de volume e a otorréia, quando foi internado por apresentar, há 10 dias, um aumento progressivo do perímetro cefálico, edema de face, assimetria de crânio, paralisia facial esquerda e elevação de temperatura. Foram drenados, em emergência, cerca de 1.200 ml de secreção purulenta no ponto de maior flutuação, na região occipital. Colhido material para cultura, colocado dreno, medicado convenientemente.
Exame ORL subseqüente
Aumento de volume duro, importante, de região retroauriculár esquerda e presença de fístula retroauricular por onde drenava material purulento.
Otoscopia
Ouvido direito normal. Ouvido esquerdo: cavidade radical grande eliminando secreção purulenta e lamelas de colesteatoma.
Audiometria
Ouvido direito normal. Ouvido esquerdo: hipoacusia de transmissão, com discriminação compatível com a curva.
Estudo radiológico
Aumento de volume e eburnização de todo o temporal esquerdo com limite nas suas linhas de sutura. Cavidade unindo o conduto auditivo externo, ouvido médio, antro e parte da mastóide. Bloco labiríntico e conduto auditivo interno normais. Estudo radiológico normal do restante do esqueleto.
Quadro radiológico compatível, com displasia fibrosa do osso temporal esquerdo, na forma esclerótica, presença de cavidade radical possivelmente determinada pela cirurgia anterior. Taxas normais de cálcio, fósforo e fosfatase no sangue. Foi submetido a nova mastoidectomia, ampla, com evacuação do material descamativo e tecido de granulação, conservando-se a matriz do colesteatoma. O nervo facial, parcialmente deiscente em seu trajeto timpânico, não foi descomprimido.
A consistência era de osso ebúrneo, contendo porém microcavidades que lhe conferiam o aspecto macroscópico semelhante ao de uma colméia. Havia uma fístula óssea drenando na região retroauricular. Ao final, restou uma grande cavidade, forrada pela matriz do colesteatoma. Realizada meatoplastia. Alta hospitalar em 15 dias, apresentando uma cavidade em boas condições e com remissão quase completa da paralisia facial.
Descrição do laudo anatomopatológico: A histologia demonstra tecido ósseo maduro, constituído por trabéculas de contorno irregular, espessura variável, anastomosadas entre si, entremeadas por tecido conjuntivo fibroso frouxo ou, por vezes, de aspecto denso, com pequeno número de vasos de pequeno calibre, congestos. A periferia de algumas destas trabéculas é em áreas, circundada por osteoblastos de aspecto habitual.
Exame anatomopatológico compatível com displasia fibrosa: Retornou 30 dias após, com dor na região da ferida operatória, nova fistulação retroauricular e outra, occipital. Novo exame clínico e radiológico sugeriu uma possível osteomielite occiptotemporal. Decidiu então por uma inspeção ampla da área comprometida. A exposição óssea revelou um orifício na táboa óssea occipital de cerca de 2 cm, por onde drenava secreção purulenta, que, aspirada, deixava ao fundo dura-máter de aspecto alterado. Este orifício correspondia à craniotomia realizada há cinco anos e não foi observado por ocasião da última mastoidectomia, porque sua localização mediocraniana o distanciava do campo cirúrgico. O trajeto fistuloso foi seguido pela ressecção de todo o occipital desde o local da fístula até o temporal onde terminava. Neste trajeto, a dura necessitou ser curetada de material necrótico, revelando-se apenas mais espessa por baixa deste. Feita osteotomia de grande parte da porção mastóidea e escamosa hipertrófica. A inspeção do saco da radical anterior mostrou que estava em boas condições e não mantinha relação atual com a fístula. Teve alta hospitalar em 20 dias.
A nossa conclusão foi de que o foco inicial do abscesso extradural foi primariamente o colesteatoma desenvolvido no osso displásico. A primeira craniotomia criou um trajeto extradural, de forma que a secreção produzida no ouvido e posteriormente pelo material necrótico sobre a dura não drenava pela cavidade radical, mas sim pelo orifício occipital criado pela craniotomia anterior e coletando embaixo do couro cabeludo. Uma vez realizada a segunda mastoidectomia, eliminou-se o foco otológico, fato mostrado pela integridade da matriz epidérmica da cavidade radical, porém o material necrótico extradural permaneceu secretando e drenando através do orifício da craniotomia occipital antiga.
Caso 3
Paciente do sexo feminino, branca, três anos.
Queixa atual
Mamas crescidas e sangramento vaginal.
História pregressa
Com um ano de idade, iniciou desenvolvimento das mamas. Com dois, anos e dois meses de idade, apresentou sangramento vaginal de um dia de duração e que se repetiu aos dois anos e sete meses e aos três anos. Pernas tortas desde que iniciou a deambulação.
Exame fisico
Estado geral e nutritivo bons. Peso e estatura um pouco baixos para a idade cronológica.
Pele
Mancha café com leite medindo cerca de 30 cm por 20 cm, estendendo-se pela região lombar, fossa ilíaca direita e face lateral da coxa.
Cabeça
Perímetro cefálico normal. Assimetria facial com aumento da região malar esquerda. Discreto hipertelorismo.
Exame ORL Normal.
Mamas
Hipertróficas.
Genitais
Ausência de pilificação.
Exames complementares
Hemograma - Urina - Fundoscopia - EEG: normais 17 KS - 2,2 - 17 OH - 1.5 Triol - 2,2.
Estudo radiológico
Idade óssea: 6 anos. Lesões difusas no esqueleto do tipo osteolítico predominando no dimidio esquerdo. Crânio e face: Lesões difusas do tipo esclerótico à esquerda com comprometimento de asa maior e menor do esfenóide. Etmóide e frontal no rebordo orbitário superior. Obliteração parcial do seio maxilar esquerdo.
Osso temporal
Direito: normal. Esquerdo: Lesão difusa da mastóide e porção petrosa do mesmo aspecto que os demais ossos do crânio comprometidos. Condutos auditivos externo, interno- e cavidades do ouvido interno íntegras.
Diagnóstico
Síndrome de Albright.
SUMMARY
The autores presented an exhaustive review of literature concerning fibrous dysplasie of the temporal bone, describing most outstanding features of this disease.
They add three of their cases, on in inicial stage (Part of Albright's Síndrome) another presenting with syntons and the third one in siage of complication.
They propose a classification by stages and suggest line of treatment.
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Trabalho realizado na Disciplina de ORL da Universidade Federal do Paraná.
1 - Professores Assistentes da Disciplina de ORL - UFP 2 - Assistente Voluntário - Disciplina de ORL - UFP
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