INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar, como nota prévia, sinais e sintomas que podem ser englobados dentro do mesmo contexto clínico, com características de síndrome. São descritos de forma resumida 2 casos clínicos típicos. Esta síndrome é observada em crianças, sob todos os títulos normais, em que as principais manifestações, representadas pela disfonia, enurese noturna, valgismo e ortodontopatia, ao lado de outras, têm, como substrato fisiopatológico, a hipotonia muscular e/ou frouxidão de ligamentos, e respondem à mesma ação terapêutica.
Apesar de essas manifestações clínicas serem freqüentes na infância, e exaustivamente estudadas em diferentes especialidades1a10, na pesquisa bibliográfica não se encontrou qualquer referência que as considere imo interligadas, dependentes do mesmo substrato fisiopatológico e que respondam à mesma ação terapêutica, fatos que serão considerados a seguir.
Sintomas (História Clínica)
- Dificuldade na passagem da alimentação pastosa para sólida, com rejeição a alimentos sólidos, ou, com freqüência, tendência a mastigar e não deglutir. - Dificuldade no controle automático da salivação, com antecedentes de baba intermitente, até casos de baba copiosa, a ponto de molhar a roupa. - Comer com boca aberta. - Atraso para equilibrar a cabeça e sentar com apoio. O engatinhar tende a ser substituído pelo arrastar em decúbito ventral ou sentado, nem sempre acompanhado de demora para o início da deambulação, a ponto de preocupar a Tília. - Antecedentes de quedas freqüentes. - Cansaço fácil, até para curtas caminhadas, com constantes licitações de colo. - Dificuldade paia subir escadas, com alternância do pé apoio. - O fato de evitar atividades que exigem esforço muscular (pedalar velocípede, bicicleta etc.) e/ou desenvoltura motora (corrida, gaiola de barras, futebol etc.). - Corrida "desengonçada". - Enurese noturna depois da aquisição do controle de esfincteres diurno, na ausência de doenças renais, das vias urinárias ou metabólicas. - Rouquidão, com nítida relação de sua piora com o uso vocal. Tendência a usar voz "gritada". Relato da necessidade fito esforço para produzir voz e do ingurgitamento dos vasos superficiais do pescoço. - Respiração bucal de suplência. - Ronco intenso. - História de ruído inspiratório e tosse extremamente áspera em seu timbre, na vigência de processos tráqueo-bronco-pulmonares, que recidivam com freqüência. - Antecedentes de luxação, principalmente escápulo-umeral ao nível do punho, que são as articulações mais exigidas, nas brincadeiras de alçar a criança pelas mãos. - Sucessivos tratamentos ortopédicos, inclusive com uso de botas ortopédicas, para a correção dos pés chatos renitentes. - Desempenho desajeitado na preensão de peças de jogo de montar, do lápis etc., com resultados aquém do esperado dos objetivos propostos. - Tendência à irrequietude, que é explicitada pela família como afoiteza e que também se manifesta na maneira de emitir sons de fala. - Atraso no aparecimento da fala e/ou dificuldade na aquisição das consoantes líquidas /r/, /1/, /?/, /R/ e dos grupos consonantais. - Necessidade de tratamento ortodôntico.
Observação: Como todo quadro clínico sindrômico, os sintomas mencionados podem ser encontrados em sua totalidade ou, o que é mais freqüente, em associações parciais.
Sinais Clínicos
- Tendência a manter a boca entreaberta, caracterizando a respiração bucal de suplência, apesar da permeabilidade das fossas nasais preservada (ausência de hiperplasia das vegetações adenóides e/ou rinopatias). - Língua espraiada, com deglutição atípica e tendência à protrusão da língua interdental, principalmente na articulação dos sons línguo-dentais ( /t/ e /d/ ), às vezes, ceceio. - Ausência ou inabilidade na realização do movimento de lateralidade da mandíbula. - Tendência a usar "yod" no lugar dos sons /r/, / l/ /?/. A usar /m/ no lugar do /b/. Ausência dos grupos consonantais e arquifonemas. - Palato em ogiva. - Protrusão das arcadas dentárias (trais freqüentemente a superior) com mordida aberta anterior e/ou invertida. - Dificuldade no controle automático de salivação, com baba (intermitente/ copiosa), sendo finais freqüente o acúmulo de saliva nas comissuras labiais, durante a fala. - Alterações vocais, assim caracterizadas: - Esforço para produção vocal, com aumenta do volume do pescoço, acompanhado de ingurgitamento dos vasos superficiais da região. - Timbre de voz áspero, com tom de voz grave para a idade. - Intensidade vocal sem modulação de volume, prevalecendo as produções vocais muito intensas, entremeadas de produções aspiradas. - Ressonância vocal guturalizada. - Duração encurtada do tempo fônico. - Evidente utilização de ar de reserva para fonação, levando ao atropelamento da emissão dos sons da fala, muitas vezes, ao truncamento da frase e até do vocábulo. - Exagerado esforço inspiratório para novas emissões, com nítida alteração da coordenação pneumo-fonoarticulatória. - Enurese noturna. - Joelhos valgos e pés planos posturais. - Membros inferiores com tendência à abdução, ao nível da articulação coxo-femural, na posição sentada, no plano do chão. - Acentuada flexão da coluna vertebral, na posição sentada (cifose funcional). - Ombros caídos. - Flexão exagerada do punho, que permite, na movimentação passiva, quer polegar toque a face anterior do antebraço. - Dorso-flexão exagerada do pé, podendo os pododátilos tocarem a face anterior da perna, na movimentação passiva. - Hiper-extensão do antebraço quando .as mãos, em abdução, são apoiadas sobre uma superfície, para sustentar o peso do corpo. - Força de preensão manual muito fraca e desajeitada, desproporcional ao esforço que é realizado com este objetivo. Em crianças em idade escolar, isto também se observa na preensão e manejo do lápis, comprometendo o traçado gráfico. - Acentuado desvio dos globos, oculares na posição de olhar extremo, oportunidade em que fica mais evidente a coloração da esclera. - Esclera de tonalidade azulada, de maneira difusa, ou em pontos localizados (ilhotas azuladas). - Diminuição de intensidade da resposta dos reflexos tendinosos profundos. - Atividade de correr desajeitada e com muito balanço do corpo. Esforço exagerado para ser vencida a inércia inicial da corrida.
Observação: Com relação aos sinais clínicos, vale a mesma observação feita quanto à incidência dos sintomas.
RELATO DOS CASOS
Caso Número 1
Criança do sexo masculino, branca, 10 anos e 3 meses. Queixa: rouquidão desde os 3 anos de idade. Fala gritado, com muito esforço, com exagerado aumento de volume do pescoço. Tem dificuldade na fala. Letra feia, muito calcada. Lento na atividade gráfica. Antecedentes pessoais relevantes: baba presente e intensa até os 4 anos e meio de idade. Enurese noturna até os 5 anos e meio. Dificuldade na prática de esportes pelos "joelhos em X" e "pés chatos". Vários episódios de luxação braço/ antebraço direito, em brincadeira de ser alçado pelos braços. Problema de má oclusão dental, por deformidade em ambas as arcadas dentárias, com indicação de tratamento ortodôntico. Exame: hipotonia muscular generalizada com frouxidão de ligamentos. Joelhos valgos. Pés planos postural. Cifose acentuada. Preensão exagerada do lápis, com traçado gráfico muito calcado e irregular. Deglutição atípica, com acúmulo de saliva nas comissuras labiais e comprometimento na emissão das consoantes líquidas. Protrusão das arcadas dentárias. Imprecisão na mobilidade da língua. Boa permeabilidade nasal. Coordenação pneumo-fônica alterada, com ataque vocal brusco, tom grave, timbre muito áspero, duração vocal extremamente encurtada, sem condições de modulação de intensidade. Ressonância gutural. Laringoscopia indireta: participação intensa das pregas ventriculares na fonação.
Criança perspicaz, com linguagem interior rica e estruturada, com excelente interação.
Observação: Com o tratamento utilizado (70 dias de duração), retorna à consulta com o timbre de voz adequado e o tom ainda grave para a idade. Mudança significativa da postura da coluna cervical e principalmente do traçado gráfico.
A laringoscopia indireta, observa-se praticamente o desaparecimento da participação das falsas cordas vocais na fonação.
Caso Número 2
Criança do sexo feminino, branca, 8 anos e 4 meses. Queixa: rouquidão há aproximadamente 3 anos, que vem se intensificando. Respiração bucal. Antecedentes pessoais relevantes: baba discreta até 4 anos de idade. Evita alimentos sólidos. Cansaço fácil na prática de atividades físicas, que freqüentemente rejeita. Irrequietude. Enurese noturna atual (toda noite). Sono tende a ser agitado, com ronco intenso. Exame: hipotonia generalizada e intensa, principalmente da musculatura da face, associada à frouxidão de ligamentos, igualmente intensa. Marcha desgraciosa. Cifose moderada. Joelhos valgos. Força muscular débil, desproporcional ao enorme esforço realizado para produzi-la. Respiradora bucal, apesar dá boa permeabilidade das fossas nasais. Deglutição atípica com mordida aberta anterior, com tendência a invertida na hemi-arcada direita. Mobilidade da língua imprecisa. Lojas amigdalianas vazias. Imprecisão articulatória, com acúmulo de saliva nas comissuras labiais e excesso de perdigoto. Tom de voz grave, com ataque vocal brusco, ressonância guturalizada e dificuldade na modulação de intensidade. Duração vocal encurtada, apesar do exagerado esforço ra fonação, com utilização de ar de reserva. Timbre levemente áspero no final das emissões, que tendem a atropeladas. À laringoscopia indireta, hiperemia difusa da mucosa laríngea, inclusive das pregas vocais.
Criança extremamente inteligente, com irrequietude moderada.
Observação: Com o tratamento instituído (70 dias de duração), ocorreu diminuição da incidência da enurese noturna a partir da 22 semana. Sem enurese noturna há 1 mês. Tom vocal praticamente normal. Desaparecimento esforço para produção vocal. O que mais chamou a atenção das pessoas de convivência exporádica foi a modificação observada no seu desempenho nas atividades e exigem força muscular ("sic", segundo a mãe).
TRATAMENTO
Foi usada associação de aminoácidos e vitaminas com o objetivo de se interferir na hipotonia e na frouxidão de ligamentos, tendo por base a descrição de suas funções metabólicas. É citado que sua utilização tem efeitos benéficos no metabolismo dos músculos e ao nível dos neurônios do córtex cerebral, através da ação trófica (serina, triptofano, treonina e hidroxocobalamina), energética, mediadora e antiexcitatória (glutamina) e desintoxicante (arginina).
A hidroxocobalamina intervém na síntese do ácido nucléico e de proteínas. O triptofano é precursor da niacina e da serotonina; a glutamina é nutriente indispensável do tecido nervoso; a fosfoserina e a fosfotreonina intervêm na biossíntese protéica; e a iridoxina desempenha papel importante na metabolização do triptofano.
A associação dessas substâncias, cuja administração não tem contra-indicação, tem sido utilizada com objetivos neurotróficos7, para melhorar a atividade psíquica de eficientes mentais, como antiastênico, antidepressivo e o tratamento da anorexia eventual, principalmente em indivíduos idosos11, e na prevenção da fadiga muscular na medicina esportiva.
Como os dados clínicos, observados em 16 anos, são sugestivos de que a administração dessas substâncias, utilizadas em associação, leva à melhora e/ou remissão de parte das manifestações da síndrome, estão em andamento dois estudos, sendo um deles referente às manifestações clínicas observadas em indivíduos adultos que apresentaram o perfil da síndrome na infância, com 30 casos acompanhados, em amostragem de 200 indivíduos.
A definição do padrão das dosagens mínimas de cada substância na associação utilizada, na infância e no adulto, em fase final de tabulação, será oportunamente publicada, pois está relacionada aos estudos mencionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Professor Titular de Patologia da Audição e Patologia da Linguagem do Curso de Fonoaudiologia da PUC - Campinas, Diretor Científico do Instituto de Foniatria e Fonoaudiologia de Campinas/ SP.
Instituto de Foniatria e Fonoaudiologia de Campinas/ SP. Correspondência: Evaldo José Bizachi Rodrigues, Rua Barata Ribeiro 280, Guanabara, Campinas/ SP. CEP 13023-030, Telefone: (019) 234.9409.
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