(**) Médico-Auxiliar da Clínica O.R.L. do Hosp. das Clínicas (Serviço do Prof. Raphael da Nova).
(**) Assistente da Clínica O.R_L. do Hosp. Municipal (Chefe Cássio M. Alves).
(*) Apresentado no Seminário da Clínica O.R.L. do Hosp. das Clínicas em 11de março de 1959.
(*) Apresentado na reunião da Clínica O.R.L. do Hosp. Municipal em 28 de Janeiro de 1959.
Apresentamos três casos de litiase da glândula submaxilar com o cálculo localizado no duto glandular e chamamos a atenção para certa confusão e certas particularidades encontradas na sintomatologia e tratamento desta afecção, assim como, apresentamos também a constituição interna e a análise química dos cálculos em questão.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS
Como os nossos casos são relativamente simples procuramos apresentá-los da forma mais resumida possível.
Caso n.º 1 - M. J. do B. T. 31 anos, feminina, branca, casada, brasileira, ficha n.º 22.742 do Hospital Municipal. Atendida em 11-3-58 na Clínica O.R.L. Paciente com sintomatologia de cálculo da glândula submaxilar E.
Caso n.º 2 - J. P. de B. 42 anos, masculino, branco, casado, brasileiro, ficha n.º 47.174 do Hospital Municipal. Atendida em 16-1-59. Este paciente apresentava também sintomatologia de cálculo da glândula sulmaxilar E. deixando-nos entrever que suspeitava estar suas amígdalas inflamadas e que fosse necessário operá-las.
Caso n.º 3 - S. V. da S. 20 anos, masculino, branco, solteiro, brasileiro, atendido em 10-2-59 no ambulatório da Clínica O.R.L. do Hospital das Clínicas. Apresenta sintomatologia de cálculo na glândula submaxilar D. Referiú-nos ter estado em três especialistas que lhe apresentaram diagnósticos e tratamentos diferentes do nosso.
O exame físico dos três pacientes revelou-nos vis seguintes dados: ao exame externo dos dois primeiros pacientes à E e do terceiro à D, e internamente ao canto horizontal da mandíbula, há um tumor mole, doloroso à palpação e de limites imprecisos.
Ao exame através da cavidade bucal dos dois primeiros casos e tendo-se o cuidado de levantar-se a língua, nota-se, na região do assoalho da bisca, que a glândula submaxilar. E, está argurgitada em toda sua extenção dolorosa à palpação, e deixa localizar em sua porção anterior sua formação dura, de consistência pétrea, móvel no caso n.º 1, pouco móvel no de n.º 2. A formação tem em ambos o tamanho aproximado de um caroço de azeitona. No terceiro caso a glândula está muito pouco engurgitada permitindo localizar na sua porção anterior uma formação dura, de consistência pétrea, e pouco móvel. Esta formação é praticamente visível através da cavidade bucal, aparecendo logo abaixo da mucosa, como uma formação branca e pouco maior que uma cabeça de alfinete.
Fotografia alo cálculo do caso n.º 1 Extraíalo por manobras digitais seguidas de meatotomia.
Como o diagnóstico clínico de cálculo da glândula submaxilar se impunha e como estávamos interessados na obtenção dos cálculos para os exames que iriam ser realizados não nos preocupamos com o estudo de outros métodos propedêuticos cabíveis (radiografias, sialografias, etc.). Apenas do caso n.º 2 temos a radiografia simples que será apresentada a seguir.
Estabelecido o diagnóstico nossa condita com os casos foi a seguinte:
(a) Tentar a remoção do cálculo por manobras digitais que procuravam trazê-lo ao orifício de abertura da glândula. Éste procedimento foi coroado de êxito no primeiro caso, após ter-se recorrido a meatotomía;
b) Fracasando esta primeira tentativa procuramos a, extração cirúrgica do cálculo, respeitando-se a glândula e acompanhamos a evolução dos casos.
A melhora, nos três casos, foi nítida após a retirada dos cálculos. Os pacientes examinados 10 a 15 dias após a cirurgia apresentavam perfeita cicatrização dos lábios da insição as quais não haviam sido suturadas. Até a presente data não constatamos complicações.
Caso n.º 2
Caso n.º 3
Fotografia dos cálculos dos casos ns. 2 e 3. Extraídos cirurgicamente. Notar a diferença de tamanho destes dois cálculos comparando-os com a fotografia anterior e a diferença também do método de remoção usado.
Radiografia do cálculo do caso n.º 2.
COMENTÁRIOS
Conquanto os três casos apresentados tenham sido bastante simples serviram para chamar-nos a atenção para certos fatos referentes a esta afecção e que passaremos a expôr:
Conceito: - Revendo-se a literatura verificamos certa confusão, principalmente nos autores nacionais, com relação ao emprêgo do têrmo litíase. Assim verificamos que certos autores, tratando da litíase salivar, estudam casos de rânula, tumores das glândulas salivares, etc. Etimológicamente a palavra litíase origina-se do grego (lithos = pedra), e corresponde ao estudo daquelas afecções nas quais há formação de concreções calcáreas no interior de determinados órgãos (litíase salivar, vermicular, vesical, etc.) . Assim sendo, é evidente que, não são estudadas neste capítulo a rânula, os tumores das glândulas salivares e as estenoses de origern diversas. Estas lesões, em conjunto, são estudadas sob a denominação de "lesões obstrutivas das glândulas salivares" corm é feito por Thurmond (16) em seu trabalho.
Incidência: - Temos encontrado referência de que a sialolitíase é uma afecção bastante freqüente na clínica. Neste tocante, o que temos observado não se superpõe a essa afirmativa. Assim é que, em 2.736 pacientes examinados por nós, em 1958, no ambulatório de O. R. L. do Hospital Municipal, apenas um apresentava a doença em questão, o que nos dá uma porcentagem de menos de 0,04%. Nesta porcentagem não levamos em conta ainda, que nêsse ano não tivemos naquela clínica outro caso e onde foram atendidos para mais de 10.000 pacientes. Parece-nos portanto que, considerando-se a litíase salivar no movimento geral das afecções O.R.L. é uma doença rara.
Considerada dentro da patologia salivar talvez seja uma doença freqüente superada apenas pelas inflamações.
Os autores afirmam que 75 a 80% dos cálculos ocorrem no luto da glândula submaxilar, o que se verificou nos nossos casos.
Etiologia: - Nossas observações nada permitem entrever a respeito da provável etiologia, entretanto, os autores relatam que os processos infecciosos agiriam como fatores predisponentes.
Caliceti (3) explica a maior incidência dos cálculos na glándula submaxilar por dois mecanismos:
a) Condições bioquímicas da saliva;
b) Condições anatômicas da glândula.
Bioquimicamente a saliva da submaxilar é a de maior densidade e é particularmente rica em sais. Anatômicamente a formação de cálculos é favorecida pelo fato de que o dueto de Warthon é em grande parte horizontal, o que torna difícil o defluxo glandular.
Autores suecos chamam a atenção para o fato de que o núcleo de certos cálculos são constituídos pelo Actinomyces. lvy e Curtis citados por Ferguson (6) e por Thurmond (16) não confirmaram êstes achados estudando uma série de 115 doentes. Por outro lado, Fustenberg (7), a êste respeito afirma: "Esta teoria, entretanto, não parece ser plausível em vista do fato de que os cálculos salivares freqüentemente ocorrem em cavalos mas êstes animais nunca são afetados pelas infecções actinomicéticas. Além disso, nunca se observaram cálculos salivares em gatos que são muito freqüentemente afetados por esta moléstia".
Sintomatologia e diagnóstico: - A sintomatologia foi típica nos nossos três casos; dor em cólica relacionada com o horário de maior secreção salivar, referência de tumor no assoalho da boca sendo em todos os casos o tumor palpável. Um fato entretanto, observamos na história de nosso segundo caso e que depois foi verificada também nos casos citados por Sanson (12) e Lopes (10). Freqüentemente os pacientes relacionam as dores provenientes da obstrução salivar com os problemas decorrentes da amigdalite crónica de que são portadoras, vindo à consulta na certeza de nossa indicação operatória para as amigdalas. A esta desorientação natural dos pacientes acrescente-se o fato relatado pelo nosso terceiro caso, e concluiremos pela necessidade de um exame O. R. L. atento e minucioso.
O diagnóstico não ofereceu dificuldades combinando-se os dados da história com os do exame físico. A radiografia simples, sempre que possível, permite firmarmos o diagnóstico, assim como nos dá idéia da posição, número e tamanho do cálculo, quando naturalmente ele é radio-opaco. No caso dos cálculos rádio-transparentes, possibilidade que pode ocorrer, contamos ainda com meios propedêuticos a sondagem do canal de Warthon e a sialografia como bem demonstra o trabalho a respeito de Câmara, Paiva e Freire (4), em sua observação n.º 6.
Manning e Michael salientam a possibilidade da associação de tumores da glândula submaxilar aos cálculos, fato que devemos levar em conta no diagnóstico desta afecção (11).
Tratamento: - A remoção do cálculo quando êle é único, quer por manobras digitais, quer por cirúrgicas, é a nossa finalidade. A via bucal é sempre a preferida. Nêste caso a incisão será sobre o cálculo, existindo uma série de variantes que facilitam acha-lo e apreendê-lo.
Com relação ao tratamento, outra particularidade que verificamos foi a seguinte: conquanto os cálculos sejam nitidamente diferentes, o do primeiro caso medindo aproximadamente 17 x 9 mm., foi retirado por manobras bidigitais combinadas seguida de meatotomia (incisão do meato do ducto glandular apenas), ao passo que os outros cálculos, menores, só foram retirados cirúrgicamente. Claro está que os dois últimos cálculos estavam "encravados" no ducto, porém o que queremos salientar é que, resguardadas as devidas proporções, o tamanho do cálculo não deve ser indicador do ato cirúrgico, devendo-se tentar sua remoção manual, e às vezes, conforme o tamanho proceder-se-á meatotomia que ao nosso ver é simples e inócua, além de preservar a glândula.
O ato cirúrgico, de uma ou de outra forma não apresentou complicações conquanto se chame a atenção para a angina de Ludwig, hoje perfeitamente controlável, e para certas formações anatômicas tais como o nervo lingual e hipoplosso e a artéria facial que se encontram nas proximidades da glândula.
Constituição interna e análise química: - Finalmente, foi completado este estudo com a investigação da composição química dos cálculos, a qual foi realizada no Departamento de Química Biológica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo.
Fotografia de secção transversal do cálculo do caso n.º 2.
Antes de passar-se a análise química própriamente dita, foram os cálculos fraturados cuidadosamente no sentido sagital para podermos estudar sua estrutura interna. A constituição interna obtida é a que se nota perfeitamente na fotografia que se segue:
Como vemos, internamente o cálculo é formado por um núcleo, bem individualizado, de cor branca, o qual é circundado por camadas concêntricas, sob a forma de lâminas, de material semelhante quanto ao aspecto. Entre as lâminas brancas notam-se outras, interpostas, de cOr escura.
Compulsando-se o trabalho de Blatt e outros (1), a êste respeito verificamos que a estrutura do cálculo por nós apresentada se superpõe aos achados dêsses autores. Afirmam mais os mesmos que:
a) o núcleo não apresenta estrutura definida sendo constituído por uma massa porosa. Não nos foi possível, por questões de ordem técnica, fragmentar o núcleo para estudá-lo internamente;
b) a substância escura que se interpõe entre as lâminas brancas é amorfa e de natureza orgânica.
c) o crescimento do cálculo dar-se-ia pela deposição, em etapas sucessivas das lâminas e do material amorfo o que, até certo ponto nos parece razoável em vista da seriação com que são encontradas estas duas camadas.
Quanto à análise química qualitativa verificamos serem os cálculos constituídos principalmente pelos radicais cálcio e fosfato tendo sido encontrado também a presença do anion carbonato. Conquanto outros elementos tenham sido pesquizados apenas os três acima deram as reações positivas.
Não foram realizadas determinações quantitativas, de modô que, não podemos chegar à estrutura molecular do composto constituído de cálcio, fosfato e carbonato. É de se supor, ainda baseados no trabalho dos autores citados (1), que os três radicais obtidos estejam constituindo um sal complexo, carbonato-apatita, cuja fórmula química seria: CaCO3 (Ca3 (PO4)3)x
CONCLUSÕES
1) Há, na literatura nacional, diversidade no conceito de sialolitíase.
2) No movimento geral das afecções O.R.L. a litíase salivar é uma doença rara.
3) Devemos tentar a extração digital quando o cálculo fôr único móvel e do dueto glandular, independendo do seu tamanho a indicação da remoção cirúrgica. Nestes casos o alargamento do orifício do dueto (meatotornia) pode auxiliar-nos.
4) O cálculo é constituído internamente por um núcleo e lâminas concêntricas a ele.
5) A análise química dos cálculos revelou-nos serem constituídos pelo cation cálcio e pelos anions fosfato e carbonato.
SUMMARY
The author presen's three cases of Sialolithiasis of submaxillary salivary gland, and then he studies the conception, the incidency, etiology, simptoms, diagnosis, treatment and finnally the internal structure and chimical analysis of the calculi in this collection.
BIBLIOGRAFIA
I - BLATT, I. M.; DENNING, R. M.; ZUMBERGE, J. H. and MARWELL, J. H. - Studies in sialolithiasis - I. - The struture and mineralogical compositien of salivary gland calculi. - The An. of Oto. Rhino. Laringol. 67:595-615, 1958.
2 - BLATT, I. M.; DENNING, R M. and MIKKELSEN, W. M. - Studies in sialolithiasis - II - Uric acid calculus of the parotid gland. - The An, of Oto. Rhino. Laringol. 67:1.022-1.032, 1958.
3 - CALICETI. P. - Trattato de patologia e clinica otorinolaringologica -1 :571-575, 1948.
4 - CÂMARA, J.; PAIVA. L.; e FREIRE, F. - Valor da sialografia funcional - Rev. Hosp. Clin. 14-1-10, 1959.
5 - FALCÃO, E. C. - Litíase salivar: corpo cstranho raro da fossa casal. - Rev. Paul. Med. 49:363-365, 1956.
6 - FERGUSON, L. K. - Cirurgia del paciente no hospitalizado - I :322-324, 1946. (Tradução espanhola de Rubén Darío).
7 - FURSTENBERG, A. C. - Diseases of the salivary glands - The four of the Amer. Med. Assoc. 136:1-4, 1958.
8 - GREENFIELD, S. D. - Salivary calculi - The Laryttgoscope 52:629-638, 19A2,
9 - LATHROP, F. D. - Diseases af the salivary gland - The Laryngoscoe - 66: march, 1956.
10 - LOPES, O. - Litíase salivar da submaxilar - Rev. Oto-Laring. (S. Paulo) 41.412-1.444, 1936.
11 - MANNING, E. L. a.nd MICHAEL, M. A. - Salivary gland tumors of the submaxillary gland associated with calculi. - Ann. of Oto. Rhino. o Laringol. 59:141-145, 1950.
12 - SANSON, R. D. - Tratamento cirúrgico da litíase salivar. - Rev. Oto Laringol. (S. Paulo) 4:1.395-1.418, 1936.
13 - SPECTOR, S. - Submaxillary duct calculi. - Arch. of Otolaryngol. 62:287-291, 1955.
14 - THOLEN, E. - Calculus of the salivary glands. - Arch. of Otolaryngol. 35:761-765, 1942.
15 - THOMA, K. H.- Patologia bucal - 2:1.392-1.39,5, 1946. (Tradução da 2.º ed. inglesa por Honorato Villa).
16- THURMOND, J, A. - Obstructive lesions of salivary glands. - The Eye, Ear, Nose e Throat Mon'hly 36:29-32, 1957.
17 - TORRES, E. T. - Glândulas salivares. - Rev. Brasil. Cir. 32:134-136, 1956.