ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1883 - Vol. 8 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1940
Seção: Nota Prévia Páginas: 679 a 682
ENXERTOS E INCLUSÕES
Autor(es):
DR. DAVID ADLER

Rio de janeiro.

Constitúe problema dos mais complexos a reparação das deformações que atingem o aparêlho de sustentação dos tegumentos de revestimento. Os tecidos de revestimento podem apresentarse íntegros, enquanto o aparêlho osteo-cartilaginoso esteja lesado e, assim, outros problemas surgem, exigindo solução adequáda e maior engenho por parte do especialista.

As lesões de destruição podem atingir qualquer porção do aparelho osteo-cartilaginoso e podem tambem ser congênitas ou adquiridas, mediante traumatismo da mais variada natureza.

Em primeiro lugar vem a reparação do nariz em séla, deformidade muito frequente, e incômoda para o paciente que procura corrigi-la.

Na correção do nariz em séla tem sido empregada uma variedade enorme de materiais de enchimento. Assim, tem sido empregada uma variedade enorme de materiais de enchimento. Assim, tem sido empregado o marfim, o celulóide, a platina, a borracha, osso e cartilagem de diversos animais, osso e cartilagem humanos.

Referência à parte deve ser feita à parafina, material que esteve em grande uso, e cujo emprêgo constitue um verdadeiro crime, pelas consequências sôbre as quais nunca é demasiádo insistir.

Indiscutivelmente houve razão no emprêgo dos materiais de origem inorgânica; a facilidade de sua manipulação e modelagem constituíram, e ainda hoje constituem, atrativo para seu emprêgo. As desvantagens, entretanto. e a insegurança dos seus resultados bastam para o seu abandono por parte dos especialistas.

Trataremos, no momento, apenas de um dos materiais muito empregados em plástica nazal, e que deve ser o material de preferência: cartilagem.

As razões de seu emprêgo são múltiplas, como passaremos em revista: facilidade de obtenção em quantidade suficiente; facilidade de modelagem; enorme tolerância por parte do organismo; ausência de reabsorção ou, quando esta se faz, ocorre de uma maneira muito lenta; além disso, não se trata de corpo extranho, cuja eliminação se faz cedo ou tarde. A cartilagem é o material biologicamente mais apropriado para a reparação nêsses casos que consideramos.

O argumento mais forte utilizado pelos especialistas que se opõem ao emprego da cartilagem, é que a colheita dêsse material constitue mais uma intervenção, que é mais grave que a própria inclusão do enxerto.

Não há duvida que é um argumento sério, mas veremos logo a seguir que essa objeção não tem mais razão de existir.

Hoje podemos afirmar a desnecessidade de tal intervenção. Tem-se empregado com êxito absoluto cartilagem refrigerada; trata-se assim de enxerto homoplástico. O material necessário póde ser obtido de várias maneiras: em primeiro lugar, póde-se aproveitar os fragmentos de cartilagem obtidos numa intervenção para correção de orelhas em abano; tambem as intervenções vazais permitem a obtenção de fragmentos de cartilagem que pódem ser utilizados em certo número de casos.

Êsse material póde ser conservado com toda a facilidade em meio apropriado e em baixa temperatura. Além dessas fontes de material, póde-se obter fragmentos do tamanho desejado, por maior que êle seja, colhendo diretamente do plastron esternal de cadaver fresco. Tem-se emprestado uma grande importância, na questão das homoplasias, ao tipo sanguíneo.

À nosso ver e, de acôrdo com a experiência que temos do assunto, são destituídas de fundamento as afirmativas de que há necessidade da combinação perfeita dos tipos sanguíneos do doador e receptor, na questão do emprêgo de cartilagem; a diferença racial e a diversidade de sexo entre doador e o receptor, tambem não influem no resultado da intervenção.

Fizemos a seguinte experiência: tomámos um paciente do sexo masculino, de raça branca, portador de um nariz em sela bem acentuado, e nele enxertamos um fragmento de cartilagem refrigerada obtido do plastron esternal do cadaver de uma mulher de raça negra; a "causa mortis" havia sido peritonites. De outra vez, colhemos material em abundancia e fizemos várias intervenções: a primeira foi a reparação de uma destruição frontal em homem branco; a segunda intervenção consistiu na reparação de um nariz em sela de uma moça branca; a terceira operação tambem foi a reparação de outro nariz em sela de homem branco; da quarta vez, reparamos um frontal de homem branco; da quinta vez, utilizamos o mesmo material para reparação de uma depressão orbitária de uma moça de côr parda; o doador dêsse material utilizado nessas cinco últimas operações foi o cadaver de um homem de côr preta; a mesma "causa mortis" que o caso anterior, isto é, peritonites.

Ainda temos material conservado, suficiente para algumas operações. O primeiro caso foi operado há um ano e meio atraz e o mais recente há oito meses.

Temos assim um total de 6 casos. O material foi colhido duas vezes, da primeira vez só foi utilizado em um caso e, da segunda, em cinco casos, com a variedade da natureza das deformações e as diferenças raciais e de sexo, entre os pacientes.

A explicação da não interferência dos diversos fatores de tipo sanguíneo, racial e do sexo, parece-nos simples: reside na própria natureza do material empregado e na sua constituição; como todos sabemos, a cartilagem não tem circulação própria; nutre-se por imbição, pelo sangue trazido pelos tecidos vizinhos.

Temos a impressão de que êste fáto é suficiente para explicar as diversas e contraditórias circunstâncias que cercam a tolerância perfeita da cartilagem.

Obtido o material em abundancia, nas condições acima citadas, é fácil a sua manipulação e modelagem com o auxílio de uma máscara do rosto do paciente tirada com o Negocol; pôde- se assim, de antemão modelar até a satisfação desejada, o fragmento necessário a ser incluído; trabalha-se dêste modo com a cartilagem como se fosse o marfim, desaparecendo assim as objeções apresentadas pelos partidários do marfim. A esterilização do material após a modelagem é simples; bastando a sua imerção por algum tempo no meio conservador. Nem sempre, porém, é necessária uma modelagem prévia; limitando-se o cirurgião a talhar o fragmento, por ocasião da intervenção.

Quanto ao destino final do enxerto, as opiniões são contraditórias: - alguns especialistas julgam que se processa por parte do organismo um verdadeiro enquistamento do material, tal como sucede aos corpos extranhos; outros acreditam que o enxerto permaneça vivo, aderindo ao hospedeiro. Não tem sido observada a reabsorção da cartilagem, mas, admitindo que tal sucedesse, nada mais fácil que completar a correção nessa ocasião, pelo emprêgo de mais um fragmento acessório. Si o enxerto realmente permanece vivo, tanto melhor; entretanto, si tal não ocorre, e portanto, êle é enquistado, não vemos objeção, ou mesmo prejuízo, quanto a esta condição. Como dissemos de início, a cartilagem é empregada como material de enchimento e é indiferente o seu comportamento posterior, desde que mantenha a fôrma, o tamanho e a posição que lhe foram dadas por ocasião da sua inclusão no organismo. Os resultados que obtivemos após as intervenções praticadas nos casos referidos, foram excelentes e têm-se mantido.

Apenas em um caso obtivemos sucesso parcial; ocorreu uma infeção que ficou localizada no meio do dorso nasal; observámos eliminação da parte central do enxerto, tendo-se mantido perfeitamente as partes superior e inferior do mesmo; algum tempo após, excisámos a cicatriz que resultara, e faremos ainda a correção da pequena depressão.

Ainda é cedo para conclusões definitivas pois o primeiro caso data perto de um ano e meio; - Março de 1939. A nossa impressão, porém, é de que permanecerão de modo definitivo pelos anos afóra. Aguardamos oportunidade para praticar uma biopsia, que nos, revelará o destino e o comportamento do material empregado; naturalmente faremos público os resultados observados. Acreditamos ser o primeiro, na utilização dessa classe de material na América do Sul. Razões fáceis de compreender, impedem-nos a publicação de documentos fotograficos. Os casos todos estão bem documentados e a maioria dêles foi filmada. Por ocasião do nosso regresso dos E. U. da América do Norte, tomaremos parte no congresso Latino Americano de Cirurgia Plástica, em Julho de 1941, quando os filmes e documentações serão exibidos. A tentativa do emprêgo de material homoplástico é realmente muito antiga, e grande número de cirurgiões se têm preocupado com o assunto. Atualmente porém, parece-nos caber aos cirurgiões americanos o merecimento de ter posto a questão em fóco, e tela resolvido, no tocante à cartilagem, de modo satisfatorio. Alguns cirurgiões americanos da especialidade empregam, a cartilagem refrigerada de uma maneira constante. Ainda recentemente um cirurgião publicou um trabalho sôbre o emprêgo dêsse material e os resultados em cento e setenta e cinco casos num espaço de cinco anos. A sua percentagem de sucesso foi de mais ou menos noventa e oito por cento, e algumas observações são realmente interessantes.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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