O doente de ozena - A psicologia do individuo portador desta molestia é toda particular. Em 20 anos de pratica e observação continua, notei pormenores interessantes que devem ser relatados. O ozenoso é pela natureza de seu mal, um individuo condenado a vivei isolado. No inicio de seu mal, perambula pelos consultorios, pelas clinicas hospitalares, a cata de recursos para debelar a doença. Cada tratamento que faz é uma desilusão. O clinico consola-o, dizendo que a enfermidade desaparecerá com a idade. O especialista criterioso aconselha higiene nasal constante, e, paciencia ... Decorre o tempo, e, com ele mais se acentúa a descrença de qualquer tratamento para melhorar sua situação. Exgotados os meios terapeuticos conhecidos, recorre a todos os recursos acessorios, infelizmente falhos. E' um proscrito do meio social. Sendo jovem, habituada à reuniões saciais das quaes não se póde furtar, imagina um meio, alias, inteligente para mascarar o máu cheiro, que se desprende de seu nariz. Usa e abusa dos perfumes, os mais penetrantes, certa de que resolve pelo menos, temporariamente, sua situação. Puro engano, pois, juntamente com o cheiro da custosa essência, sente-se a nauseabunda fetidez da ozena. Dentre os meus pacientes um houve que aprendeu a tomar tabaco, porque sentia-se bem, e achava que o fumo eliminava o máu cheiro. Outra chupava, constantemente pastilhas de hortelã pimenta, porque exalava pelo nariz este cheiro e não o da ozena. Ainda outra usava fazer lavagens do nariz, com agua fortemente acidulada com suco de limão. Como em geral o olfato destes doentes é nulo, ou, grandemente diminuido, nenhuma alteração percebem.
A preocupação que se nota nestes enfermos de negar o máu cheiro é proverbial. Atribuem ao estomago, aos maus dentes, às vezes a uma supuração dos ouvidos, e raramente ao nariz.
Vêm ao especialista a conselho de uma pessoa intima da familia. Entre os homens, tem essa molestia importancia relativamente menor, porque não se preocupam muito com os sintomas e suportam pacientemente o evoluir da mesma. Um outro fato de observação constante, é o serviço hospitalar, ser mais frequentado por moças, entre 15 e 20 anos. Os autores, sobretudo aqueles que acreditam na disfunção de certas glandulas de secreção interna e que afirmam a agravação do mal no periodo da puberdade, justificam esta asserção. Entretanto, penso que deve ser levada em conta a questão do sexo, pois a proporção de raparigas é relativamente maior do que a de rapazes. Mais cuidados higienicos da mulher? Vaidade? A Constancia no tratamento é muito mais levada a sério pela mulher. Sugeitam-se, na generalidade, a qualquer tratamento sem nenhuma relutância. Os homens são mais arredios.
O mau cheiro - Em geral os autores são acordes em classificar o mau cheiro como sintoma primordial da molestia. E' de fato o que traz o doente ao especialista. Este mau cheiro tem sido descrito de mil maneiras: "odor caracteristico", "odor sui generis". cheiro de percevejo esmagado" (punaisie), etc.
E' preciso, entretanto, definir o cheiro da ozena por comparação com os odores conhecidos e fazer o diagnostico diferenciai, com as diversas cacosmia. A historia e as cronicas estão cheias desta confusão. Michelet, descreveu a ozena de Francisco I, acusando a sifilis como causa. D'Aubigne fez de Francisco II um portador não menos imaginario - um individuo de nariz chato e mau palito. Louis Bertrand, relatando as desastrosos consequencias de uma extração dentaria em Luiz XVI, que deu em resultado uma cárie ossea e supuração nasal, concluiu que o rei era ozenoso. O mau cheiro da ozena é um odor de putrefação vegetal, de charco e não de putrefação animal. E' uma mistura de odor de pântano, e fermentação caseosa. E' o cheiro caracteristico das vacinas polivalentes, preparadas com todos os germens da flora nasal do ozenoso. Para estes, então o mau cheiro não é senão o resultado consequente da fermentação bacteriana, dos germens que polulam na cavidade nasal do enfermo. Outros ha que explicam o mau cheiro, pela decomposição da substancia mucinica das glandulas da mucosa nasal, dizendo que ele muito se aproxima do da keratina queimada. Não deixa, entanto, de ter o odor do nariz ozenoso, uma particularidade toda especial, que somente a pratica constante nos faz distinguir das outras cacosmia. Em conclusão os ozenosos são sempre para outrem um flagelo tanto mais horroroso, por não terem consciencia da propria enfermidade, e, os que os cercam dissimulam, às vezes, por polidez ou piedade, a repulsa que inspiram (Troussesu).
A rinite atrofica fétida, é encontrada em todas as camadas sociais. As pessoas atacadas por essa molestia, ficam quasi que por completo impossibilitadas de frequentar a sociedade. São muitas vezes privadas de exercer suas profissões, devido ao insuportável máu cheiro que exalam pelo nariz. Os ozenosos percebem imediatamente, quando em conversa com outras pessoas, que estas se afastam de seu halito e as evitam. Ficam, por isso, possuídos de um complexo de inferioridade. Os que possuem nariz chato ou curto, impressionam mais ao exalar o máu odor. Devido ao seu afastamento da sociedade tornam-se irritadiços, nervosos e desconfiados. Muitos deles tornam-se melancólicos, e neste estado qualquer choque os levam ao suicídio. Pierre Dioms, em 1700 escreveu: "Os atacados por esta molestia,- exalam máu cheiro, e quando com eles se conversa, deve-se guardar uma certa distancia, para não se ser molestado. Daí eles não poderem ter nenhuma companhia. E, diz ainda: devido a essa cacosmia, pode um dos cônjuges obter o divorcio".
A ozena é hoje em dia, motivo para separação conjugal. No começo da guerra (1914), houve um decreto alemão que considerava os portadores desta molestia, incapazes para o serviço militar. Este decreto, porem, deixou de vigorar no fim da guerra, devido à falta de combatentes.
A ozena ataca tanto os ricos, como os pobres, sendo que nesta classe é ela mais difundida, devido à falta de higiene, cuidados médicos no periodo infantil.
Contagio - Em 1932, A Constiniu e St. Popian, apresentaram no Congresso de O. R. L. de Bucarest, um interessante artigo, onde relatam os resultados de suas ultimas pesquizas, sobre a discutida questão da transmissibilidade da ozena. Em trabalho em elaboração, que proximamente será publicado tratarei com mais detalhes deste assunto. Apenas lembrarei algumas conclusões do mencionado trabalho. Dizem os articulistas: "quanto ao contagio, nada se pôde dizer, pois não se admite que um lenço, um cão, um gato, ou mesmo a coabitação sob o mesmo teto, sejam melhores propagadores do que os tampões ou inoculações diretamente introduzidas na mucosa das fossas nasaes, com micróbios de crostas ozenosas ou culturas puras feitas com estes microbios. Concluindo, podemos afirmar, ainda dizem os autores, que experimentalmente, não conseguimos reproduzir a doença de homem à cobaia, ao macaco, nem de homem para homem. Nossa conclusão é que a ozena, dita essencial, não é uma doença de natureza microbiana, nem contagiosa".
Nas minhas observações tive oportunidade de verificar fatos que contribuem para confirmar a maneira de pensar de A. Constiniu e St. Popian. Ha familias de varios filhos em que o primeiro, o terceiro e o sétimo são portadores da doença, e os outros nada apresentam.
Sob o ponto de vista de higiene social, é preciso que fiquem esclarecidos certos principies que ainda hoje livros classicos ao ventilar a questão, deixam na penumbra da duvida. Esta incerteza contribui para que os leigos, e mesmo os médicos, pouco familiarizados com esse ramo da medicina especializada, permaneçam, quando interrogados, em dificuldades para dar uma resposta concisa, sobre a matéria.
Uma outra duvida que deveria ser aclarada, é a convivencia de crianças com animais domesticos, particularmente cães. Examinei, durante mezes, em varios Institutos Oficiaes, Deposito da Prefeitura e Escolas Veterinarias, cerca de oitenta pessoas, que vivem em contacto direto com cachorros, alguns desses funcionários com mais de 25 anos de exercicio, e nenhum caso de contagio encontrei.
Penso, portanto, que não passa de lenda, essa questão da teoria canina. Verificado um caso de molestia no cão, deve ele ser afastado, tratando-se, como se sabe, de uma molestia repugnante.
Hereditariedade - Um outro capitulo que merece a devida atenção. A hereditariedade póde ser encarada sob dois aspectos. Diz-se que uma molestia é hereditária, quando é transmitida integralmente sob todos os pontos de vista. Quando, entretanto, o individuo adquire ao nascer um certo numero de causas de inferioridade de seus antepassados, que favorecem a uma predisposição, constitue, esse fato uma outra forma de hereditariedade. Neste caso o individuo não transmite a propria molestia familiar, mas, a tendencia, o que constitue a heredo-predisposição. Não ha portanto, a ozena hereditária, porem a heredo-predisposição.
Nos meus observandos, tenho dezenas de casos que confirmam esta maneira de ver. Em familias de 6, 8 e 13 filhos, a entidade morbida está irregularmente distribuida, não havendo uma sequencia harmonica.
Tomando em conta todos estes dados, que elementos nos restam para confirmar a contagiosidade e hereditariedade da ozena? Nem mesmo a natureza microbiana da molestia.
(*) Adjunto da Clinica de O.R.L. da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo. Rio de janeiro.
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