ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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1875 - Vol. 8 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1940
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 613 a 616
INDICAÇÕES PARA A TREPANAÇÃO DA MASTÓIDE
Autor(es):
INDICAÇÕES PARA A TREPANAÇÃO DA MASTÓIDE

Rio de janeiro

Seja-me permitido dizer, antes de tudo, que não esperem de mim um trabalho original, de molde a poder figurar condignamente entre aqueles que serão publicados em homenagem ao jubileu do professor João Marinho. Apenas, como seu antigo interno, em obediência ao toque de reunir dos discípulos de sua Escola, aqui está meu nome entre os colaboradores do numero especial desta Revista, para render ao exímio Mestre testemunho de profunda afeição e reconhecimento.

Na cirurgia da mastóide precisamos ter um critério clínico para discutir as indicações operatórias e o momento da intervenção. Se, teóricamente, é facil a indicação operatória - operar quando há osteíte - práticamente, é difícil dizer a época em que deve ser feita a trepanação. Há casos em que os sinais são tão discretos que ficamos hesitantes para estabelecer a necessidade da intervenção cirúrgica; êsses casos difíceis são os de mastoidites latentes (otomástoidites), em que as lesões de osteíte mastoidéa evoluem sob aspeto de uma otite banal, até que o aparecimento de complicações graves - indica a propagação do pus para o seio, para as meninges ou para o cérebro. "Via de regra, diz Laurens, as mastoidites mais graves são as que apresentam menos sinais objetivos". Não havendo nenhuma modificação morfológica da região mastoidéa, nem tumefação, nem queda da parede postero-superior do conduto, seria precioso o tempo perdido em esperar a exteriorização da mastoidite para indicar a operação. E, inversamente, abrir uma mastóide sómente pelos sintomas puramente subjetivos - dor ou cefaléia - seria expormos o doente a intervenção inútil, porque certas reações mastóideas curam pelo tratamento conservador.

Daí dois erros nestas indicações, erros clássicos, sôbre os quais Lermoyez insistia: o erro dos que operam muito tarde e o erro dos que operam muito cedo.

Os primeiros esperam, contemporizam, deixam a mastoidite exteriorizar-se ou mesmo fistulizar-se para então aconselhar a operação. Perdem tempo com cataplasmas ou gêlo enquanto o pus ganha terreno. Era para Lermoyez o erro médico, que vai sendo raro.

Os segundos têm pressa demais em trepanar. Purgação de alguns dias, antro ou ponta dolorosa espontaneamente ou à pressão - abrem logo a mastóide e diante da descoberta do pus no antro, concluem que o doente não poderia curar sem operação. Era para Lermoyez o erro cirúrgico. Confundem a reação antral, tão frequente no decurso das otites, com a mastoidite verdadeira, isto é, com a osteíte da mastóide, ataque ao esqueleto das células mastóideas, destruídas por processo de osteite rarefaciente.

Entre êsses dois extremos é que está o senso clínico: nem cedo demais, nem muito tarde. Para apreciarmos com critério clínico a necessidade de operar as mastoidites, devemos encarar essas indicações sob dois aspetos: do ponto de vista da urgência e do ponto de vista da oportunidade operatória.

INDICAÇÕES DE URGÊNCIA: - São indicações em que a operação não pode ser adiada, devendo ser executada em vinte e quatro horas. São raras- as indicações de precisar operar a mastóide com essa urgência: casos em que vemos estender-se para o endocrânio a otomástoidites. A pronta supressão da infecção mastoidéa vale mais que uma operação extensa e radical, mas já tardia, quando veio à cena uma complicação. Trata-se às vezes de um doente cujo ouvido purga desde alguns dias e que tem uma temperatura irregular, com subidas a 40°, 41°, temperatura esta precedida de um calefrios e, por vezes, vômitos. Ao exame achamos a mastóide ligeiramente dolorosa e distinguimos, ora sobre o bordo posterior da mastóide (sinal de Griessinger) ora sôbre o bordo do esterno-cleido-mastoideu, um empastamento, ou mesmo podemos sentir nos gânglios ligeiramente aumentados um cordão jugular. Trata-se neste caso de tromboflebite do seio lateral.

Outras vezes, o doente é vítima de vertigens intensas, impedindo-o absolutamente de se ter em pé e acompanhando-se de fotofobia, náuseas e vómitos; os olhos são animados de violento nistagmo dirigido para o lado são. E' uma labirintite aguda, reconhecível pelo estudo da audição com o diapasão e a audiometria, ou seringando-se um pouco de água fria na orelha doente (Barany), não provocando este último exame modificação do nistagmo. E' preciso, então, trepanar o labirinto, depois de ter feito, de urgência, o esvaziamento petro-mastóideo, havendo porem casos em que a simples operação radical do ouvido, é suficiente para acalmar e contribuir para o desaparecimento daquele cortejo grave de sintomas da labirintite aguda.

A gravidade desta labirintite aguda supurada provém de que ela é o alarma para a meningite supurada. Mas esta pode surgir sem preexistência daquela. São bem conhecidos os sinais: cefaléia, vômitos, Kernig e rigidez da nuca, indícios habituais das meningites agudas.

Sinal grave é também o aparecimento de uma paralisia facial no curso da otite aguda, quando não cede esta á paracentese; a paralisia do abducens, fazendo parte do Síndromo de Gradenigo, indica extensão da infecção, com possível osteíte da ponta do rochedo (petrite), exigindo trepanação mastoidéa em primeiro lugar, para depois, se necessário, ser feita a operação de Ramadier, Streit, Lempert e suas variantes.

Por último, podem aparecer sinais de abcesso encefálico, cerebral ou cerebelar, mas êste se origina comumente das otites crônicas supuradas. Raramente o abcesso encefálico sucede a uma otite aguda, porque esta última, de preferência, dá lugar a meningite otogenica. Tais sinais exigem uma intervenção larga, que passa os limites de simples trepanação da mastóide.

INDICAÇOES DE OPORTUNIDADE: - Fora dêstes casos raros, quando a infecção está localizada nas células mastóideas, a indicação de trepanação da mastóide é muito mais precisa, sendo uma questão de oportunidade.

Se a infecção mastóidea se reflete no estado geral e, apesar da paracentese, a temperatura continua subindo, com fácies abatido, teremos que fazer a trepanação mastóidea.

Geralmente, porém, é o estado local que indica a operação.

1.°) - Na criança, em que a mastóide é pneumática e cuja cortical externa é pouco espessa, a presença de pus é anunciada pelo edema retro-auricular. O tratamento médico ainda é suficiente, então. Depois o edema aumenta, descola o pavilhão e chegamos a sentir, no meio da tumefação, um amolecimento; é a ocasião de intervir, sem esperar que se forme, no tecido celular, uma grande coleção purulenta ou fístula retro-auricular.

2.°) - No adulto, sendo a cortical externa mais espêssa, raramente é perfurada pelo pus, e vemos aparecer a queda da parede postero-superior do conduto com fístula ou sem fístula, ou a propagação do pus através da ponta, para o tecido celular do externo-cleido-mastoideu (mastoidite de Bezold).

Os sinais gerais - persistência da dôr, localizada no antro ou na ponta da mastóide, aumento da temperatura, depois da paracentese - fazer prever habitualmente uma complicação e não se deve hesitar, após alguma espectativa, em operar a mastóide. Mas, se êsses sinais não existem e a otite supurada se prolonga por mais de um mês, sem que a supuração tenha tendência a diminuir, tornando-se mais abundante ou bruscamente cessando, a indicação é operar, porque, se a supuração persiste, há na mastóide um foco de osteíte que a entretém. Esperando-se mais, vamos deixar que estas lesões se propaguem à caixa, a audição vai diminuindo e a supuração só poderá desaparecer com a trepanação da mastóide.

Via de regra a decisão operatória poderá ser tirada da indicação radiológica, e poderemos ter confirmadas pela operação, as informações fornecidas pela radiografia. Antes porém dos três, e mesmo cinco anos, a radiografia, em geral, não mostra nenhuma estrutura celular, nem mesmo o antro se revela na chapa. Aí só os sinais clínicos impõem a intervenção.

Em resumo: Na prática, a questão operatória das mastoidites é, às vezes, delicada, e a radiografia quando mostra destruição de grupos celulares, é um elemento de informação segura para resolver a indicação cirúrgica.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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