ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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1841 - Vol. 63 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1997
Seção: Artigos Originais Páginas: 116 a 119
OTITE MÉDIA SECRETORA: TRATAMENTO CLINICO VERSUS PLACEBO.
Autor(es):
Luiza H. Endo*
Adriana B. Antunes**
Celso Vidolin***
Márcia M. Bilécki*
Karla V. B. Magalhães**

Palavras-chave: Otite média com derrame, condutas terapêuticas

Keywords: Otitis media with effusion, therapeutical approaches

Resumo: A patogênese da otite média secretora (OMS) é multifatorial, estando incluída a ação de bactérias. Este trabalho tem o objetivo de comparar as respostas de crianças com OMS submetidas a tratamento clínico com a associação de sulfametoxazol + trimetropin (S+T) e as com OMS que receberam placebo, avaliando também as recidivas pós-tratamento. Nosso estudo compreendeu 148 crianças com OMS. Destas, 40 foram escolhidas ao acaso para receberem o placebo; e 108 receberam S+T, com ou sem prednisona. O índice de cura foi significativo no grupo que recebeu a medicação: 56,6%, contra 5% no que recebeu o placebo. No seguimento de 8 meses, 17,57% sofreram recidiva. Os autores discutem a terapêutica empregada e comparam seus resultados com os apresentados em outras publicações. Os resultados obtidos permitem sugerir que o tratamento clínico nas OMSs pode livrar a criança de tratamento cirúrgico em 56,6% dos casos. No entanto, necessário se faz lembrar que estes casos deverão ser acompanhados, uma vez que há possibilidade de recidiva.

Abstract: The pathogenesis of secretory media otitis (SMO) multifactorial, including bacterial ethiology. The aim this study is to compare the responses of the child treated with cotrimexazole with or without corticotherapy and those treated by placebo. Forty patients received placebo: and 108, cotrimexazole with or without predinison. Fifty six point six per cent with drugs therapy healed a 5% of the group with placebo showed cure. We did the folow up this healed the patients from 8 months and 17,5% of them presented SMO again. The autoors discuss the validity of the clinic treatment before surgery, mainly when the patients did not present a severe hearing 1 We must be attempt to the possibility of temporary cure and so we advise to follow up the patients submitted this kind of treatment.

INTRODUÇÃO

A otite média secretora ou otite média com efusão é de aparecimento freqüente na prática diária do otorrinolaringologista e do pediatra. A incidência é de 27% em estudos baseados nos atendimentos em clínicas6,14; e 7 a 15% quando os estudos são realizados dentro de a comunidade4, 24. Constitui a causa mais freqüente de perda auditiva na infância; com implicações na aquisição fala. Quando tratamos otite média aguda com antibióticos, não é raro haver persistência de secreção no ouvido médio por até 2 a 3 semanas após o evento inicial. O desaparecimento espontâneo da secreção pode ocorrer em até 2 meses, em 80% dos casos, sendo que a permanência da efusão no ouvido médio por mais de 3 meses é indicação para colocação de tubos de ventilação10. A patogênese da otite média secretora (OMS) é multifatorial, envolvendo disfunção tubária, tratamento precoce com antimicrobianos em otite média aguda, Liso de anti-inflamatórios, presença de toxinas bacterianas no ouvido médio; e, além destas, a presença de mediadores inflamatórios e bactérias. Estudos da patogeneidade da MS sugerem que mediadores inflamatórios, tais como metabolitos do ácido araquidônico, contribuem na inflamação3, 20 do ouvido médio. Bactérias patógenas foram soladas em 50% de aspirados de efusões crônicas do ouvido médio, sendo muitas delas lactamase positivas11, 19. O componentes bioquímicos da efusão incluem produtos Secretados de células epiteliais e sub-epiteliais, microorganismos patogênicos e células inflamatórias3, 20. Alguns estudos permitiram verificar que o ácido xaquidônico (AA) contribui na gênese da OMS, por causa ta capacidade da mucosa do ouvido médio em converter o AA em prostaglandinas e aumentar a sua concentração e a de leucotrienos em efusões experimentais serosas e purulentas do ouvido médio3, 9, 20.

Há controvérsias quanto ao tratamento da OMS, tanto do ponto de vista cirúrgico, tanto do ponto de vista clínico. Antibióticos, com ou sem a combinação de descongestionantes, com anti-histamínicos5, corticosteróides, mucolíticos, antiinflamatórios não hormonais são as várias opções para o tratamento clínico. Há estudos demonstrando que, tanto os descongestionantes e anti-histamínicos, quanto os mucolíticos são ineficazes quando comparados ao placebo.

Desde que foram detectarias bactérias envolvidas na patogênese da OMS, iniciaram-se ensaios com quimioterápicos e antibióticos, sendo a associação sulfametoxazol-trimetropin (S+T) a que pareceu apresentar melhor atividade contra bactérias in vitro em efusões de OMS e de OM aguda. A prednisona estabiliza a membrana de fosfolípides, prevenindo a formação de AA, além de diminuir a viscosidade da efusão. Em estudos anteriores, tivemos a oportunidade de avaliar a eficácia do tratamento clínico nos casos de OMS (S+T com ou sem associação de prednisona).

O objetivo do presente estudo é o de comparar o tratamento clínico já citado com o placebo, nas otites médias secretoras.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliarias 148 crianças com OMS bilateral. O diagnóstico foi firmado em três parâmetros: 1) quadro clínico, 2) otoscopia, 3) audiometria tonal e/ou timpanometria. A idade das crianças variou entre 9 meses e 11 anos, sendo que 40 crianças foram escolhidas ao acaso para entrar no grupo placebo e 108 receberam tratamento clínico. O tratamento instituído foi de S+T para todas as crianças, independente da faixa etária, na dose única noturna de 20 mg/kg/dia de sulfametoxazol, durante 30 dias. A prednisona foi administrada apenas nas crianças maiores de 2 anos, na dose de 1 mg/kg/dia em 3 a 4 dias, e fazendo dosagem regressiva num total de 10 a 12 dias.

Para a avaliação dos resultados, consideramos: curado, em casos de melhora dos 3 parâmetros; é inalterado, quando se mantinham ainda alterações de um dos parâmetros, e era proposta então a colocação de tubos de ventilação. Quando havia resistência a este procedimento, fez-se acompanhamento com ou sem novo tratamento l clínico. Consideramos melhora parcial quando os 3 parâmetros apresentaram sinais de melhora, mas sem regressão total. Estes casos foram acompanhados posteriormente, pois na ocasião não havia segurança para intervenção cirúrgica.

As crianças do grupo placebo foram reavaliadas pelo mesmo profissional após 28 dias de uso do placebo através dos 3 parâmetros acima citados.

RESULTADOS

Entre as crianças do grupo que recebeu tratamento clínico, 58 eram do sexo masculino e 50 do sexo feminino sendo que 17 eram menores que 2 anos e, por isto, receberam apenas a S+T sem a prednisona. Deste grupo de lactentes, 13 (76,5°/x) apresentaram cura, 1 (5,8%) teve melhora parcial mas recidivou e 3 (17,6%) permanecera inalterados. O restante do grupo estava na faixa de 2 a 1 anos, sendo que 48 (52,7%) apresentaram cura, 12 (13,2% apresentaram melhora parcial, mas com recidiva mar tarde, e 31 (34,1%) ficaram com quadro inalterado.

A taxa de cura total foi de 56,6%, isto é, de 61 crianças, sendo que observamos 12% (13 crianças) com recidiva após melhora. Do grupo de crianças que receberam placebo, 23 (57,5%) eram do sexo masculino e 17 (42,5%) do sexo feminino. Tivemos 9 crianças menores de 2 anos (22,5%), sendo que destas somente 2 (5%) tiveram cura e 5 (12,5%) apresentaram melhora parcial. Do total, 33 (82,5%) crianças permaneceram inalteradas; e, destas, 26 foram submetidas a colocação de tubo de ventilação (65%).

Testando a hipótese de igualdade de proporções obtivemos p = 0,00000, o que nos permite concluir que no primeiro momento a proporção de curados para o grupo tratado é significativamente maior que para o grupo placebo, cola valor de a = 0,05.

No segundo momento, isto é, após o seguimento, temos p = 0,0000, o que permite concluir que no segundo momento a proporção de curados para o grupo submetido ao tratamento é significativamente maior do que para o grupo placebo, com a = 0,05.

A porcentagem de recidiva foi de 17,57%.

DISCUSSÃO

Através deste estudo comparativo de tratamento clínico vs. placebo na OMS, pudemos ver que a taxa de cura é de 56,5% para o grupo tratado com medicação contra 5% do grupo placebo. Este fato nos estimula a tratar a OMS antes da consideração cirúrgica. Mas devemos salientar que, destas, 36 foram seguidas apenas por 30 dias.

Maw e cols., em 198816, demonstraram resolução espontânea de 20% em ouvidos sem tubo após 1 ano de seguimento, 35% em 2 anos e 60% em 3 anos. Este autor colocou tubo em apenas um lado, acompanhando a evolução da OMS do lado sem tubo. Porém, vários autores já relataram elevada taxa de resolução da OMS após o uso de antibióticos, associados ou não a prednisona. Schwartz21, Berman (2 estudos)1, 2, Healy8 e Marks15, usando S+T associados a prednisona ou não, e comparando com placebo, observaram quase a mesma taxa de cura que aquela por nós obtida. A ampicilina, amoxacilina + clavulanato, eritromicina e outros antibióticos foram também empregados nos estudos de outros autores, com taxas de cura semelhantes (Perisco, Sunderg, Mandel, Thomsen)18, 22, 13, 23. Dexametasona também foi utilizado, isoladamente, com pequena taxa de melhora ou até sem resposta (Niedernab, Mackin e Jones)17, 12.

O uso de S+T sugere que a combinação seria a mais efetiva, especialmente pela fisiopatogenia multifatorial da OMS. A associação de prednisona a S+T teve melhor resultado, como demonstrou Berman2, quando obteve 60% de cura, com ouso de cortisona associado a S+T, contra 33% de cura no grupo tratado sem a associação desta. A maioria dos tratamentos dos autores citados foi de 2 a 6 semanas, com dosagem semelhante a que utilizamos.

Não encontramos em nenhum dos estudos a divisão em grupos por faixa etária, como fizemos, e julgamos de importância, uma vez que, no lactente, o fator obstrução tubária tem peso diferente no que diz respeito fisiopatogenia da OMS. Apesar de o grupo ser pequeno, parece que o lactente respondeu melhor ao tratamento clínico do que as crianças maiores.

CONCLUSÃO

Nosso estudo permitiu comparar a ação da S+T, com ou sem prednisona, com o placebo no tratamento da oitite média secretora. Concluímos que é sempre aconselhável tentar o tratamento clínico desta afecção, uma vez que e 56% dos casos podemos ter cura, aliviando a criança tratamento cirúrgico e das limitações que este procedimento acarreta.

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* Professora Livre-Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNICAMP, Médica da Clínica de ORL do Instituto Penido Burnier - Campinas.
** Médica Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNICAMP.
*** Médico Residente da Clínica de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier.

Trabalho apresentado no 2° Encontro Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia - Belo Horizonte - 1995. Clínica de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier Av. Andrade Neves, 611 - CEP 13013-161 - Campinas - SP.

Artigo recebido em 13 de junho de 1996. Artigo aceito em 13 de agosto de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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