S. PAULO
O tema das nefrites desperta sempre interesse, tal o relevo que o seu capitulo apresenta em patologia geral. Com efeito, a noção de gravidade nas molestias dos rins é de tal modo vulgar não só entre os doutos como tambem entre os leigos, as consequencias fatais da insuficiencia renal são tão justificadamente temidas, que qualquer perspectiva do seu estudo desperta sempre atenção. Coloquemo-nos pois em uma delas, embora sob um angulo bastante reduzido uma vez que a vastidão de terreno clinico exigiria outros recursos e experiencia para a sua localização em conjunto.
Não será assim nosso intuito entrar em divagações classicas e doutrinarias sobre etiologia, evolução ou prognostico das nefrites, porque vamos nos deter apenas em um ponto controverso do capitulo de terapeutica. Quando operar as amigdalas doentes nos casos de nefrite. Em verdade, quem compulsa a literatura sobre tal detalhe, não chega ao "mot d'ordre" final. Não ha uniformidade de vistas entre os classicos, no sentido de operar ou não imediatamente as amigdalas, Mesmo quando isolada e provada a cumplicidade delas na nefrite. Si autoridades ha que se batem pela remoção incontinenti do orgão durante o periodo agudo da inflamação, outras, ao contrario, recomendam que não se toquem nas amigdalas enquanto não houver regressão nas condicões renaes.
Por isto, qualquer contribuição, qualquer experiencia num sentido ou noutro, cremos util apresentar. Será o que faremos depois de um rapido e sintetico esboço das nefrites em geral, afim de esclarecer a nossa casuistica.
Segundo a orientação de Volhard e Fahr, as molestias renaes hematogenicas bilateraes pertencem a tres grandes grupos: NEFROSES, ESCLEROSES e NEFRITES.
Os dois primeiros, compostos das nefróses e escleroses, não nos interessam discutir porque são processos degenerativos. Só o terceiro grupo, constituido pelas nefrites, diz respeito a molestias inflamatorias e é articulado com a patologia amigdaliana. Elas dividem-se em:
I. GLOMERULO-NEFRITE FOCAL. a) estadio agudo b) estadio cronico II. NEFRITE FOCAL SEPTICO-INTERSTICIAL. III. NEFRITE EMBOLICA FOCAL
Nestes tres grupos não existe aumento de pressão arterial e não ha insuficiencia renal. Os unicos elementos de diagnostico são sinaes urinarios constituidos por albumina, cilindros e hematias em maior e menor numero.
Nestas tres variedades, o processo renal ocorre juntamente com a infecção geral ou focal e é causado pela propria bacteria.
Só será curado pois, com a remoção do fóco, particularmente a primeira variedade. Por isto, é indispensavel a extirpação das amigdalas. Si a amigdala é responsavel pelo processo renal, a nefrite cura-se, com excepção da fôrma embolica focal, que é exclusivamente causada pela endocardite bacteriana sub aguda.
A ultima variedade de nefrite é a
IV. NEFRITE DIFUSA.
E assim chamada porque ataca todo o parenquima renal.
Caracterisa-se pelo aumento de pressão arterial e insuficienria renal
Esta glomerulonefrite difusa evolue em tres estádios: agudo, cronico sem insuficiencia renal e cronico com insuficiencia renal. Podem-se ainda admitir as variedades sub-aguda e sub-cronica de evolução para a morte em menor periodo de que aquele da cronica.
Esta fôrma difusa da glomerulonefrite só é curavel na fase aguda não é causada pela propria bacteria da infecção geral ou focal, mas sim pelas suas toxinas. E' por isto que muitas vezes aparece depois de curado o periodo da infecção geral, como acontece nas anginas. Estabelecido este plano téorico passemos aos casos clinicos.
OBSERVAÇÕES
1. M. Vh., 28 anos, casada, brasileira. Tem sofrido, ultimamente, com frequencia, de anginas. Nos ultimos dias, como lhe aparecessem cefaléas e tonturas, foi feito um exame de urina, que revelou uma nefrite, com albumina, cilindros, muitas celulas de pús e grande numero de hematias. A pressão arterial foi tomada pelo seu marido que é medico, revelando-se aumentada. As dôres de cabeça acentuaram-se bastante tres dias antes de nos procurar.
Diagnostico. Glomerulonefrite aguda difusa.
Operação de amigdalectomia em 11-8-33. Cura radical.
11. R. F. T., 9 anos de edade, brasileiro, branco. Tem sofrido de anginas repetidas e muito catarro nasal. Dorme de boca aberta, com má respiração nasal. Em 21-10-3 7 é acometido de nefrite, com edema nas palpebras e hipertensão. O exame do sedimento urinario revela albumina, muito pús è sangue.
Diagnostico: Glomerulonefrite aguda difusa.
E' operado de amigdalas e vegetações adenoides, em 28-10-37, apezar do tempo de coagulação apresentar-se um tanto retardado. Cura radical.
III. C. F. T., 7 anos de edade, irmão do precedente. E' portador de uma pielonefrite, com sangue cilindros e hematias. Sofre de frequentes dôres de garganta. Diagnostico: Pielonefrite aguda focal.
E' operado de amigdalas e adenoides em 19-8-36. Cura radical.
IV. Y. C., 7 anos de edade. Trata-se de uma menina que vinha sofrendo de uma nefrite antiga, com sangue, pús e cilindros no sedimento urinario. Muito sujeita a dôres de garganta. De vez em quando é acometida de tensão arterial elevada e edema.
Diagnostico: Glomerulonefrite difusa cronica.
Foi por mim operada de amigdalectornia e adenoidectomia. Melhorou consideravelmente, mas veiu a falecer tres anos depois do processo renal que a acometera.
V. N. P., branco, brasileiro, 43 anos de edade. Teve uma angina e em seguida, nefrite, com febre, e mau estado geral. O exame de urina revelou pús, muito sangue e albumina. Esteve tambem hipertenso. Dentes e seios nasaes sem anormalidade.
Diagnostico: Glomerulonefrite aguda difusa.
Esteve uma semana de cama, sendo depois operado a 31-1-38. Amigdalectomia por dissecção.. Grande melhoria da nefrite e estado geral. Este doente foi reexaminado ha um mez. Está bem disposto, sem qualquer dieta. Contudo o exame revela uma ou outra hematia. VI. A. F., branco, 34 anos, brasileiro. Esta doente procurou-nos em Setembro de 37. Tinha um processo renal cuja causa se procurava elucidar. Sofrera no passado de dôres de garganta. As amigdalas apresentavam-se fibrosadas, mas sem qualquer pús ou exsudato. Do nasofaringe corria um catarro de mau aspeto, parecendo provir do etmóide que se revelou pçuco transparente ao raio X. Doente hipertenso, com albumina, cilindros e sangue no exame de urina. Além dos raios X das cavidades accessorias do nariz, foi pedida uma outra dos dentes, que tinham, aspecto suspeito. Este doente desapareceu por largo espaço de tempo, voltando mais tarde á consulta do seu clinico geral, que opinou pela extirpação imediata das amigdalas. A operação foi por nós realisada em 14-12-38, isto é, um ano e quatro, mezes depois do exame inicial.
Diagnostico: Glomerulonefrite difusa cronica.
Com a extirpação da amigdala melhorou bastante sem entretanto sarar de todo. Ainda tem restos do processo com um pouco de albumina na urina e a tensão um pouco elevada.
VII. C. M. S., branco, brasileiro. A 20 de Julho de 36 tem uma gripe, com angina, tosse e bronquite. A 24 apresenta-se com as palpebras edemaciadas, revelando o exame de urina 9 gramas de albumina, cilindros granulosos e hialinos, alguns leucocitos e 3 a 4 hematias por campo. A 1 de Agosto, a densidade é 1020 e a albumina baixou para 2 gramas não ha cilindros, é pequeno o numero de leucocitos, mas em compensação o numero de hematias aumenta extraordinariamente. Uma semana mais tarde, a situação agrava-se, apezar da densidade continuar boa 1017 e a albumina baixar para 0,5 grama, porque reaparecem os cilindros hematicos, granulosos e hialinos, encontra-se pús e a quantidade de globulos vermelhos é tal que a urina tem côr de caldo de carne, na impressão do analista. E' neste dia, 6 de Agosto, com 16 dias de molestia, que somos chamados a vêr o pequeno para que nos manifestassemos sobre o estado das amigdalas. O aspeto macroscopico nada apresentava de interesse no momento, mas havia na anamnese precedentes de anginas, de modo que fomos formalmente favoraveis á operação imediata, uma vez que nada se encontrasse em relação aos seios nasaes e dentes. O menino não é porém operado, devido ás tendencias conservadoras do ambiente da familia. No dia 7, peiora a situação. A creança queixa-se de muita dôr de cabeça e vista escura. E' verificada hipertensão e feita uma sangria de 50 cc. No dia seguinte, 8, a densidade da urina baixa para 1006 a côr de sangue é menos intensa, mas a albumina sóbe outra vez de 0,5 para 1,5 grama. Uma semana mais tarde, a 15, a situação é francamente alarmante, porque apezar do regimen, repouso e cardiotonicos, o pequeno está hipertenso, com edema nas palpebras, queixa-se de dores de cabeça, a urina dá impressão de sangue puro, com muitos cilindros e muito pús no sedimento. A 20, a situação é quasi desesperadora, porque a tudo isso já se juntam dispnéa e cianose; a creança tem 0,5 grama de uréa no sangue e vomita com muita frequencia. Só então conseguimos vencer o espirito conservador da família.
Diagnostico: Glomerulonefrite aguda difusa.
A operação de amigdalas e adenoides foi realisada afinal um mez e dois dias depois do aparecimento da molestia. Foi um tanto tormentosa, devido ao abatimento do doente, mas depois do quinto dia, com o uso de cardiotonicos começou a situação a melhorar. O sangue, os leucocitos, a albumina e os cilindros foram desaparecendo aos poucos ao exame. Um mez e meio depois do ato cirurgico, o pequeno entrava na alimentação definitiva.
A analise destas observações e o resultado cirurgico obtido pela extirpação das amigdalas proporcionam-nos alguns comentarios.
Todas elas, com excepção da terceira correspondem a glomerulonefrites difusas; todas foram operadas durante o periodo agudo, com hematuria, albuminuria, cilindruria e pús, quando não com hipertensão e edema, com excepção da quarta, que foi operada talvez com mais de um ano de molestia. E foi justamente esta doentinha, operada tardiamente, que menos aproveitou a cirurgia, pois que ainda veiu a falecer de sua nefrite.
E este o nosso ponto desejado. Como dissemos, autores ha que reprovam a operação amigdaliana no periodo agudo da nefrite, enquanto houver sangue, albumina, celulas de pús e cilindros. Argumentam eles que a extirpação das amigdalas, já que elas são o seu fóco, mobiliza as bacterias, em direcção ao rim, promovendo fócos outros disseminados em seu parenquima. Nestas condições, o doente que já era portador da forma difusa da nefrite terá agravada as suas condições com a superveniencia de uma nova fôrma, a focal. Retrucam porém os intervencionistas precoces, que si tal se dér, não ha nisto grande mal, porquanto a fôrma focal cede com rapidez em seguida á remoção do fóco inicial constituido pela amigdala. E parece que os resultados das nossas observações reforçam o argumento da operação precoce.
Destas apreciações defluem claramente as nossas tendencias intervencionistas na nefrite difusa aguda em plena evolução tal como recomenda a autoridade de Volhard, uma vez que a nossa experiencia nos leva a prestigia-la.
O senso de relatividade é porém fundamental em medicina. Por isto, de nossas apreciações, que não se concluam pretensões a nórmas definitivas para resolver a totalidade dos casos. Tambem não encerram criticas a outras opiniões porque são apenas comentarios á margem da experiencia e da clinica, anotando que os casos bons foram aqueles operados cedo, e o máu aquele operado tardiamente.
(*) Trabalho apresentado à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-3-40.
Recebido pela Redação em 18-3-1940.
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