ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1824 - Vol. 63 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1997
Seção: Relato de Casos Páginas: 59 a 62
A CARÓTIDA INTERNA ABERRANTE NA ORELHA MÉDIA: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E APRESENTAÇÃO DE UM CASO.
Autor(es):
Fernando de A. Quintanilha Ribeiro*
Celina Siqueira Barbosa Pereira**

Palavras-chave: Carótida aberrante, tumor vascular, orelha média

Keywords: Aberrant carotid, vascular tumor, middle ear

Resumo: Os autores apresentam revisão de literatura sobre a carótida aberrante, sua etiologia e principais diagnósticos diferenciais, assim como apresentam e discutem um caso. O conhecimento desta afecção é importante, pois, dada a sua raridade, muitas vezes seu diagnóstico é confundido, levando o cirurgião, durante a intervenção, ao risco da ruptura da carótida, com letais conseqüências. Os autores demonstram que a tomografia computadorizada é a melhor maneira de fazer o diagnóstico, e que, se possível, deve ser usada a tomografia computadorizada helicoidal.

Abstract: The authors reviewed the literature on the etiology and differential diagnosis of the aberrant internal carotid artery and reported one case of this rare abnormality. They call attention to the importance of a correct diagnosis to avoid surgical surprises with the possibility of disruption of the carotid. Correct diagnosis is better achieved through a computed tomography, especially through an helicoidal tomography.

INTRODUÇÃO

Quando da eventualidade de nos depararmos com paciente com queixa de tinítus pulsátil em uma das orelhas, devemos estar atentos para vários fatos. Em muitos casos, nada observamos à otoscopia, assim como aos exames subsidiários usuais, como audiometria ou impedanciometria e, mesmo os exames tomográficos e arteriográficos nada demonstram. Ficamos, então, com queixa sem diagnóstico. Em outros casos, não tínhamos qualquer queixa e, durante cirurgia (timpanoplastia, por exemplo), deparamo-nos com sangramento profuso ao descolarmos o anel timpânico, na região do hipotímpano, provavelmente pela presença de verdadeiro golfo da jugular deiscente assintomático. Mas, na maioria das vezes, acompanhando a queixa de pulsação auricular, visualizamos à otoscopia massa retrotimpânica de coloração vinhosa ou avermelhada. Normalmente, temos variações audiométricas e impedanciométricas (pulsação do balance etc), o que nos leva a suspeitar de algumas afecções. Vários autores citam como um dos diagnósticos diferenciais o granuloma de colesterol da caixa timpânica1, 2, 3. A nosso ver, este diagnóstico diferencial não é tão difícil de ser feito, sendo muito mais importante o diagnóstico diferencial entre os tumores glômicos (timpânico e jugular), a deiscência do golfo da jugular e a carótida aberrante1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.

O diagnóstico inicial mais comum parece ser o de tumor glômico, quer timpânico quer jugular, levando algumas vezes o cirurgião a tentar ressecção ou biópsia, com graves conseqüências para o pacientes8, 9, sendo, portanto, necessário exame criterioso para o diagnóstico preciso. Por serem massas que realmente ocupam parte da luz timpânica, os tumores glômicos são normalmente visualizados à tomografia computadorizada. O timpânico, inicialmente sem provocar qualquer tipo de erosão (Fig. 1) e o jugular, com destruição óssea precocemente detectada na região hipotimpânica, em continuidade com o golfo da jugular (Fig. 2). Nestes dois casos, é aconselhável realizar arteriografia para definir a extensão do tumor.

Quanto à presença da deiscência do golfo da jugular ou da carótida aberrante, muitas vezes a tomografia computadorizada não nos chama atenção para a ausência da lâmina óssea as que recobre em seus canais justa-timpânicos. Deve, portanto, ser esta tomografia muito bem feita e com o intuito de estudar detalhadamente, tanto o canal do golfo da jugular, como o carótida (Figs. 3 e 4). De acordo com vários autores, também achamos a tomografia o exame ideal para o diagnóstico da carótida aberrante6, 7, 10, 11. Hoje em dia, podemos contar com a chamada tomografia computadorizada helicoidal, a qual pela rapidez com que é feita, proporciona a visualização carótida preenchida pelo contraste, o que permite sua ela localização na luz da caixa timpânica (Fig. 5).



Figura 1. (Rx e desenho) - Tumor glômico timpânica. Notar que se restringe à região do promontório.



Figura 2. (Rx e desenho) - Tumor glômico jugular. Notar erosão na região do golfo.



Figura 3. (Rx e desenho) - Deiscência do golfo da jugular.



Figura 4. (Rx e desenho) - Carótida aberrante na tomografia computadorizada.



Figura 5. (Rx e desenho) - Carótida aberrante na tomografia computadorizada helicoidal. Notar o preenchimento do vaso.



A arteriografia não nos parece ser exame elucidativo no diagnóstico da carótida aberrante. Como exclui toda parte óssea, e não há como localizar a caixa do tímpano, só podemos suspeitar de sua existência quando da presença de outras artérias que normalmente involuem no desenvolvimento embrionário, como a estapediana e a faríngea ascendente. Os autores VALVASSORI & BUCKINGHAM1 colocaram uma pequena placa metálica justa-timpânica no conduto auditivo externo, com o intuito de melhor localizar a carótida aberrante durante a arteriografia. GLASSCOCK, SESHUK & SESHUL5 descrevem uma linha chamada linha vestibular de LAPAYOWKER, que, passando perpendicularmente pela parede lateral da luz do vestíbulo auditivo, diagnosticaria a carótida aberrante quando parte da carótida se apresentasse lateralmente a ela. A etiologia congênita é bem detalhada em vários trabalhos2, 4, 8, 12. Além da etiologia congênita, GLASSCOCK et al.5 demonstram que a carótida pode estar deiscente na caixa, pela erosão provocada por colesteatoma, OMC ou trauma.

A ressonância magnética, pelo mesmo motivo de subtrair parte óssea, também não se presta muito bem para este diagnóstico. Quando do diagnóstico da carótida aberrante, não há muito que fazer, sendo que RUGGLES & REED10 são os únicos autores) propor tratamento, cobrindo-a com fácia e enxerto ósseo.

Dada a raridade da presença da carótida aberrante, 45 casos em 1993, segundo SUAREI & BATSAKIS5, apresentamos mais um caso, como foi diagnosticado, e os principais diagnósticos diferenciais possíveis.

APRESENTAÇÃO DO CASO

J. R. R. Q. - 22 anos, branco, apresentou-se com queixa de otalgia há 5 meses. Relatava que há vários anos vinha apresentando dor latejante de fraca intensidade em ambas as orelhas, pior à direita. Acompanhava o quadro zumbido pulsátil do lado direito, que piorava à noite, quando se deitava. Não havia notado perda da acuidade auditiva.

À otoscopia da orelha direita, apresentava massa retrotimpânica de coloração vinhosa abaulando a membrana, pulsátil.

Foi pedida tomografia computadorizada, e feita a suspeita diagnóstico de tumor glômico timpânico, encaminhando-se o paciente para timpanotomia exploradora.

No ato cirúrgico, ao se rebater a membrana timpânica, deparamo-nos com massa lisa, localizada ântero-inferiormente na caixa, pulsátil e de coloração avermelhada. À palpação notava-se consistência arterial, não sendo possível retraí-la para dentro osso. Foi feita a suspeita diagnóstico de carótida aberrante suspensa a cirurgia.

Exame mais detalhado da tomografia anterior confirmo a suspeita. Foi solicitada arteriografia que se apresentou normal e, para melhor estudo, tomografia helicoidal que levou ao diagnóstico definitivo. O paciente passou bem no pós-operatório, continuando com ás mesmas queixas. A dor que sentia não foi relacionada com a presença da carótida aberrante.

CONCLUSÕES

Pelo estudo realizado, podemos concluir que:

1 - A carótida aberrante é afecção rara.

2 - Os diagnósticos principais são os tumores glômicos e a deiscência do golfo da jugular.

3 -O melhor exame é a tomografia computadorizada, principalmente a helicoidal.

4 -A arteriografia é importante para o diagnóstico dos tumores glômicos, mas não da carótida aberrante.

5 -Não há tratamento válido para esta afecção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. VALVASSORI, G. A.; BUCKINGHAM, R. A. - Middle ear masses mimicking glomus tumors: radiographic and otoscopic recognition. Ann Otol Rhinol Laryngol. 83: 606-12, 1974.
2. SWARTZ, J. D.; BAZARNIC, M. L.; NAIDICH, T. P.; LOWRY, L. D.; DOAM, H. T. - Aberrant internal carotid lying within the middle ear. Neuroradiology, 27: 322-26, 1985.
3. SUAREZ, P. A.; BATSAKIS, J. G. - Nonneoplastic vascular lesion of the middle ear. Ann Otol Rhinol Laryngol. 102: 738-40, 1993.
4. GLASSCOCK, M. E.; DICKINS, J. R.; JACKSON, C. G.; WIET, R. J. - Vascular anomalies of the middle ear. Laryngoscope, 90: 77-88, 1980.
5. GLASSCOCK, M. E.; SESHUL, M.; SESHUL , M. B. - Bilateral aberrant internal carotid artery case presentation. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 335-9, 1993.
6. WILLINSKY, A.; BRUGGE, K. T.; LAWSON, V.; MIRICH, D.; LASJAUNIAS, P. - Aberrant carotid artery: recognition on hight resolution computed tomography. J. Otolaryngol, 249-50, 1990.
7. SESANA, W. E.; OLIVEIRA, C. A. - Internal carotid art simulating a middle ear mass. Ann Otol Rhinol Laryngol, 102: 71-73, 1993.
8. STEFFEN, T. N. - Vascular anomalies of the middle ear. Laryngoscope, 78: 171-197, 1968.
9. GOLDMAN, N. C.; SINGLETON, G. T.; HOLLY, E. H. - Aberrant internal carotid artery presenting as a mass in the middle ear. Arch Otolaryngol., 94: 269 -73, 1971.
10. RUGGLES, R. L.; REED, R. C. - Treatment of aberrant carotid arteries in the middle ear: a report of two cases. Laryngoscope, 82: 1119-205, 1972.
11. MEUS, P. D.; LLOYD, G. A. S. - Vascular masses in the middle ear. Clin Radiol, 37: 359-64, 1986.
12. LASJAUNIAS, P.; MORET, J.; MANELFE, C.; THERON, J.; HASSO, T.; SEEGER, L. - Arterial anomalies of the base of skull. Neuroradiology, 13: 267-72, 1977.




* Professor Adjunto do Departamento de ORL e Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Pós-Graduanda do Curso de Pós-Graduação em ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Endereço para correspondência: Departamento de ORL da Santa Casa de São Paulo, Rua Cesário Mota Jr., 112 - Santa Cecília, São Paulo - SP - Brasil; CEP 01277-900;
Telefone 222-8405 - Telefone do autor 288-5414.

Artigo recebido em 27 de abril de 1996. Artigo aceito em 15 de maio de 1996.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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