ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1810 - Vol. 46 / Edição 3 / Período: Setembro - Dezembro de 1980
Seção: Artigos Originais Páginas: 193 a 201
CAUSAS DE FRACASSO NA CIRURGIA DOS PROCESSOS SUPURADOS DO OUVIDO MÉDIO*
Autor(es):
JORGE BOSCH TORRENT**
JOSÉ CLÁUDIO DE BARROS CORDEIRO***

Resumo: A eliminação da patologia do ouvido crônico oferece dificuldades mais importante na região labirinto- facio-vestibular e oferece uma série de compromissos funcionais, pelas estruturas que a formam. Se analisa a sistemática seguida para a exérese das lesões do ouvido otorreico e os resultados obtidos em uma revisão de 600 casos de colesteatoma com controle em períodos de três a cinco anos.

INTRODUÇÃO

A cirurgia dos processos crônicos do ouvido médio e cavidades anexas, tem doble finalidade: exérese de lesão e conservação ou reconstrução estático funcional.

Esta segunda finalidade, esta totalmente na dependência da importância das lesões, de tal forma que em certos casos, é impossível a finalidade estático funcional. Por tanto, o objetivo fundamental, na cirurgia das otorréas, é a exérese da lesão.

Os fatores clínicos, que condicionam as indicações e o prognóstico no ouvido crônico foram expostas com precisão há anos (WULLSTEIN, 1956) e posteriormente revisadas e ampliadas por outros autores (BROWN FARRIOR, 1966) até chegar ao conceito da cirurgia estática das supurações crônicas do ouvido médio (PRADES, 1867) que pretende conservar ou reconstruir a região operada, dando-lhe uma arquitetura normal, afim de facilitar a evolução pós operatória e o tempo funcional.

0 conceito da cirurgia estática no ouvido crônico, se excluí:
1. Vias de abordagem.
2. Tratamento das partes mole (pele).
3. Tratamento das partes ósseas.
4. Anulação da cavidade operatória e
5. Revestimento das zonas cruentas.

A complexidade a natomo- funcional do espaço timpanoatical, pode dificultar a erradicação das lesões. 0 espaço timpanoatical, representa na cirurgia timpanomastoidea a zona mais delicada e no seu interior, a região labirintofaciovestibular (fig. 1) a de maior compromisso. Segundo seja a patologia desta região, obrigará a praticar uma técnica aberta ou fechada.

MATERIAL E MÉTODOS

Um perfeito conhecimento das estruturas anatômicas e uma adequada sistematização são preciso para uma completa erradicação das lesões e evitar os riscos funcionais (paralisia facial ou surdez sensorial).

Na fig. 1, se expõe a sistemática habitual na cirurgia das otorreas. Se inicia o trabalho de exérese das lesões do antro e resto do espaço mastoideo, para passar posteriormente a zona timpânica sem compromisso funcional, delimitada da região labirinto-facio-vestibular pelo nervo de Jacobson e o músculo do martelo.

Posteriormente se procede a eliminação da patologia do ático anterior, tendo presente que o facial aticei pode confundir-se com o músculo do martelo, já que este último, em certas ocasiões apresenta o mesmo aspecto e direção do facial atical. Nesta região o facial atical é muito vulnerável, pela falta do relevo do canal de Falópio por existência de deiscência que passam desapercebidas dado que nunca se herniam e porque a envoltura do nervo se confunde facilmente com uma mucosa aticei hiperplásica e sangrante ao menor contacto.











Se prossegue com o hipotfmpano posterior ou quadrante postero-inferior, tendo cuidado que pode apresentar-se uma deiscência do golfo da jugular e que quando se apresenta e mascara o polo inferior do dito nicho da janela redonda. Esta, quando está invadida por uma mucosa fibrosa aderida ao tímpano secundário, oferece risco de rutura e saída de perilinfa. Em profundidade, nesta região devemos ter cuidado com a projeção da espira basal da cóclea e uma cárie, ou fístula coclear pode passar desapercebida.

Deixamos para o final, a exérese das lesões da região labirinto-?acio-vestibular, que por suas estruturas oferece o maior risco funcional.

Na fig. 2 observamos as estruturas desta região:
- Conduto semicircular horizontal.
- Projeção das ampolas do superior e do horizontal.
- Facial Vestibular.
- Facial piramidal.
- Eminência piramidal e músculo estapedial.
- Vestíbulo.
- Estribo.

Para uma exérese desta região, é necessário uma sistemática de relação e execução apropriada.
N fig. 3 observamos que se inicia o trabalho na zona correspondente ao conduto semicircular horizontal, prosseguindo pelo facial vestibular, posteriormente o facial piramidal e o sinus timpani, cuja problemática analizaremos posteriormente, deixando para o final a eliminação das lesões que englobam ao estribo.

O labirinto posterior, devido a sua maior profundidade oferece menor risco de complicação.








Analisaremos as possibilidades de riscos e complicações que nos pode apresentar ao longo da erradicação das lesões destas estruturas.

As cáries e fístulas do conduto semicircular horizontal e incluso na zona correspondente as ampolas do horizontal e do superior são muito freqüentes. Segundo a longitude da fístula, é preferível não proceder manobras cirúrgicas, evitando o risco funcional. A lesão do conduto semicircular horizontal é freqüente (LEE and SCHUKNECHT, 1971) e para evitá-lo é preferível uma técnica aberta e não aprofundizar no intento de realizar uma limpeza total.

As deiscências e hérnias do trajeto do facial vestibular, podem dar lugar a lesões permanentes ou transitória do mesmo. Em uma revisão de 740 mastoidectomias (COTHELL and PULEC, 1971) encontraram 16 casos de paralisia facial.

A mesma problemática pode ocorrer no trajeto do facial piramidal (2° joelho) aparte da possibilidade de confusão do mesmo com o músculo estapedial. Na fig. 4, vemos a disposição que adotam o músculo estapedial e o facial piramidal. Quando estão envolvidos por granulações podem confundir-se e apresentar a paralisia correspondente.

A região do sinus timpani (fig. 5) devido a sua profundidade é a zona de mais difícil abordagem e problemática erradicação.

Nos trabalhos anatômicos (DONALDSON,ANSON and al. 1970) definem o sinus timpani como um recesso medial entre a eminência piramidal e o canal do facial e concluem que devido a sua situação é impossível sua limpeza.

Para uma boa exérese de sua patologia, tem um grande valor a via de abordagem utilizada. Em seu trabalho em ossos temporais (SAITO and al. 1971) valorizando as variações de situação do sinus timpani, sugere a limitação que oferece a abordagem cirúrgica pela via das células retro-faciais. Conclui (JAKO, 1967) que não é possível sua limpeza com uma abordagem posterior e (PROCTOR, 1969) preconiza que somente uma abordagem anterior tornará possível uma completa limpeza, atribuindo como principal causa de fracasso da intervenção a esta dificuldade.

Por esta causa, (BOSCH, 1974; PRADES, 1975) tal como expõem na fig. 5 preferem a abordagem transcanal na cirurgia dos processos supurados, que por outra parte não contra indica (AUSTIN, 1972) uma timpanotomia posterior retrauricular nos casos que seja necessário.

0 trabalho na região do estribo apresenta um elevado risco funcional. Quando existe um estribo com cruras móveis, as possibilidades de trauma coclear (SMYTH, 1977) são elevadas devido ao efeito hidráulico das manipuleções estapediais e a possibilidade de fístula perilinfática. De um total de 692 mastoidectomias (RITTER, 1970) encontra 50 fístulas e assim mesmo (SHEEHY, 1970) conclue que, é uma das complicações mais freqüentes das timpanoplastias.

RESULTADOS

A sistemática da técnica cirúrgica que temos proposto, tem contribuído com melhores resultados tanto anatômicos como funcionais nos casos em que há sido possível no mesmo ato cirúrgico um restabelecimento da função transmissora.

0 uso de materiais homólogos *SETOW, 1970; PRADES e BOSCH, 1976; BOSCH e PRADES, 1976), contribuiu na melhora dos resultados funcionais obtidos.

Em uma revisão de 600 casos de colesteatomas, em períodos compreendidos entre 3 e 5 anos, se obteve os seguintes resultados:

Técnicas abertas 123
Técnicas fechadas 477

Reprodução de Colesteatoma

Técnicas abertas 123 - 4 - 4,92%
Técnicas fechadas 477 - 14 - 6,6%

Em comparação com os resultados de outras estatísticas (TURNER, 1970) 6%;(TOS, 1976) 3,4% e (ABRAMSON et al. 1977) 9%, ha que valorizar assim mesmo se conserva ou não a parede postero superior do C.A.E.

Há anos (BOSCH, 1969) sustentava que era preferível uma completa exérese e posterior reconstrução da parede posterior. Em seus casos (COLE, 1974) encontra que a conservação da parede posterior favorece aos colesteatomas recurrentes. A semelhante conclusão chegam outros autores (BROWN FARRIOR, 1969; WRIGHT, 1977).

Atualmente com os materiais e técnicas de reconstrução da parede do C.A.E., se a patologia permite uma técnica fechada, preferimos nos processos supurados uma abordagem transcanal (PRADES, 1975), demolição da parede posterior, exérese da patologia e reconstrução com materiais homólogos (homoenxertos).

DISCUSSÃO

As possibilidades de risco na eliminação das lesões na cirurgia das otorréias se podem resumir no seguinte quadro:

Colesteatoma recurrente

Lesão do facial ............................Paralisia
Fratura das cruras ........................ Difícil reconstrução ossicular
Afundamento de platina

Aspiração de perilínfa
Hipoacúsia neurosensorial
Sangue no vestíbulo
Lesão do vestíbulo membranoso

Algumas destas complicações são devido a incompleta limpeza da patologia e já (PALVA, 1970), demonstra a importância de eliminar a mucosa promontorial alterada para evitar as recidivas colesteatorrmatosas e (CHARACHON, 1975) afirma que, toda ilhota epidérmico que fica no ouvido médio, significa uma recidiva. Outras complicações são devidas ao ato cirúrgico (PALVA, 1971) em uma série de 830 timpanoplastias, teve doze casos de abertura acidental do labirinto com três casos de cofose e (KOHONEN, 1970) atribui as fístulas labirínticas as deslocações ou mobilizações estapediais. Já foi exposto a dificuldade da eliminação das lesões do estribo com cruras móveis.

Finalmente, outras complicações são atribuíveis aos sistemas de reconstrução do ouvido médio.
LINTHICUM, 1977 em seu trabalho experimental encontra alterações do ouvido interno (labirintites) depois da reposição ossicular e (CIGES, 1970) encontra em 79% de osteítes da cadeia em ouvidos crônicos, alertando sobre os perigos da reposição ossicular.

De acordo com (WIGAND, 1970) na atualidade a mastoidectomia transcanal é a via aconselhável, incluso em grandes colesteatomas, seguindo uma sistemática ordenada de cada um dos espaços anatômicos e em particular da região labirinto- facio- vestibular, preferindo os materiais homólogos (Homoenxertos) para a restauração funcional e estando de acordo com o trabalho de WOLFERMAN, 1977 que erradicar a infecção ou o colesteatoma e restaurar a audição no mesmo ato cirúrgico, é quase impossível em um ouvido crônico.

Somente a experiência, poderá indicar-nos em cada caso e segundo a patologia e extensão e localização da mesma, a conveniência de uma técnica aberta ou fechada.


SUMMARY

The elimination of the pathology in the chronic ear offers more obvious dffficulties in the labyrinth-facio-vestibular zone and presents a series of functional problems due to its structure.

The method followed for the exeresis of the injuries in the chronic is analized with the results obtained in a review of 600 cases of cholesteatoma with checkup every three or five years.

BIBLIOGRAFIA

1. ABRAMSON, M., LACHENBRUCH, P.; PRESS, B.H. & McCABE, B.F.: Results of conservative surgery for middle ear cholesteatoma. Laryngoscope 87, 1.281. 1977.
2. AUSTIN, D.F.: Transcanal tympanoplasty. Otolaryn. Clin. of North Amer. 5, 127. 1972.
3. BETOW, C.: Transplantation of tympanic membrane and ossicular chain: Experimental and Clinical Experience. Walter De Gruyter and Co. Berlin, 1970.
4. BOSCH, J.: Conservación de Ia pared ósea dei conducto y abordaje dei receso timpánico posterior en Ia cirurgia de Ias supuraciones crónicas del oído medio. Acta ORL Espada, 4, 10. 1969.
5. BOSCH, J. 17 PRADES, J.: Résultats des homovéhicules (homogreffes) tympanique moulés. Compt. rendus des seanc. 73. Cong. Franc. 240. 1976.
6. BOSCH, J.: Aticoantrotomia transmeatal. Rev. Brasileira de Otorrinolaring. 40, 167. 1974.
7. BROWN FARRIOR, J.: Principies of surgery in tympanoplasty and mastoídectomy. Meeting of the Southem Sect. Amer. Laryng. Rhino and Otol. Soc- Inc. New Orleans, 1966.
8. BROWN FARRIOR, J.: The canal wall in tympanoplasty and mastoidectomy. Arch. Otolaryng. 90, 706. 1969.
9. COLE, J. M.: Conservative tympanomastoidectomy. Laryngoscope 84, 783. 1974.
10. COTHELL, R. E. I:r PULEC, J. L.: Modified radical and radical mastoidectomy long term results. Laryngoscope 81, 193. 1972.
11. CHARACHON, R. et col.: Le traítement du cholesteatome de I'oreille moyenne par Ia tympanoplastie en technique fermee en deux temps. J. F. 0. R. L. 24, 493. 1975.
12. DONALDSON, J. A.; ANSON, B. J.; WARPEHA, R. C. et al.: The surgícal anatomy of the sinus tympani. Arch. Otolaryng. 91, 219. 1970.
13. JAKO, G. J.: Posterior tympanotomy. Laryngoscope 77, 305. 1967.
14. PROCTOR, B.: Surgical anatomy of the posterior tympanum. Ann. Otol. 78, 1.026. 1969.
15. KOHONEN, A.: Surgical luxation of the footplate of the stapes. Arch. Otolaryng. 91, 342. 1970.
16. LEE, K. Er SCHUKNECHT, H. F.: Results of tympanoplasty and mastoidectomy at the Massachusetts Eye and Ear Infirmary. Laryngoscope 81, 529, 1971.
17. LINTHICUM, F. H.: Ossiculartransplants: histologic findings in animais and man. Laryngoscope 87, 391. 1977.
18. MARQUET, J.: Homografts in middle ear surgery. Trens. Amer. Acad. Opthl. Otolaryng. 80, 37, 1975.

19. PALVA, T.; PALVA, A. & DAMMERT, K.: Middle ear mucosa and chronic ear disease. Arch. Otolaryng. 91, 50.1970.
20. PALVA, T.; KARJA, J. £t PALVA, A.: Opening of the labyrinth during chronic ear surgery. Arch. Otolaryng. 93, 75. 1971.
21. PRADES, J.: La cirugía estática de Ias supuraciones crónicas de oído medio. Acta ORL Iber-Amer. 18, 270. 1967.
22. PRADES, J.: A new conception in the surgical approach to chronic otitis (simple transmeatal approach). Abstr. Third Asia-Oceania Cong. of Otorhinolaryng. 29. 1975. 23.
23. PRADES, J. Ft BOSCH, J.: Los materiales autólogos y homólogos en Ia reconstrucción timpanoosicular. Acta ORL Espafia, 27, 1. 1976.
24. RITTER, F. N.: Chronic suppurative otitis media and the pathologic labyrinthine fistula. Laryngoscope 80, 1.025. 1970.
25. SAITO, R.; IGARASHI, M.; ALFORD, B. R. Et GUILFORD, F. R.: Anatomicalmeasurement of the sinus tympani Arch. Otolaryng. 94, 418. 1971.
26. SHEEHY, J. L.: Tympanoplasty with mastoidectomy-A Reevaluatin. Laryngoscope 80, 1.212. 1970.
27. SMYTH, G. D. L.: Sensorineural headng loss in chronic ear surgery. Ann. Otol. 85, 3. 1977.
28. TOS, M.: Late results in tympanoplasty. Acta Otolaryngol. 82, 282. 1976.
29. TURNER, J. L.: Cholesteatoma occurrence following musculoplasty obliteration. Laryngoscope 80, 1.212. 1970.
30. WOLFERMAN, A.: Twenty-five years of tympanoplasty: A Critical Evaluation. Ann. Otol. 86, Sup. 37.1977.
31: WRIGHT, W. K.: Management of otitic cholesteatoma. Arch. Otolaryng. 103, 144, 1977.
32. WULLSTEIN, H.: The restoratíon of the function of the middle ear, in chronic otitis media. Ann. Otol. 65, 1.020. 1956.
33. CIGES, M.; QUESADA, P. y JIMÉNEZ, D.: Estudio anatomopatológico macro y microscópico de 50 otorreas tratadas quirurgicamente. Acta ORL Espafla 21, 541. 1970.




ENDEREÇO DOS AUTORES:

HOSPITAL DE LA CRUZ ROJA DE BARCELONA ESPANHA SERVIÇO DE ORL E CIRURGIA FUNCIONAL DO OUVIDO
CALLE DOS DE MAYO, 301
BARCELONA - 25
ESPANHA.

* Trabalho realizado pelo Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Funcional do Ouvido do HOSPITAL DE LA CRUZ ROJA DE BARCELONA - ESPANHA.
** Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de La Cruz Roja.
*** Médico Residente do 3° ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de La Cruz Roja de Barcelona.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia