INTRODUÇÃOSegundo revisão efetuada por PAPADATOS (1976), foi HUNAUD em 1735, o primeiro a descrever um caso de artéria subclávia direita retroesofágica originando-se como último ramo do arco aórtico, e, coube a BAUTORD em 1789 o primeiro diagnóstico clínico de um caso semelhante, referindo-se ao mesmo como um capricho da natureza (Lusus naturae), daí a denominação de artéria lusória.
Na literatura especializada verifica-se considerável número de artigos que registraram a ocorrência desta disposição incomum da artéria subclávia direita, caracterizando a importância da mesma na prática médica.
PONTES (1963) realizou extenso trabalho sobre artéria supra-aórticas no qual informa que 20 casos foram publicados no Brasil, até então, sobre a ocorrência de artéria subclávia direita como último ramo dó arco aórtico, retroesofágica, evita também que HOLZAPFEL (1899) e BANCHI (1907) conseguiram reunir da literatura, respectivamente 107 e 108 casos dessa variedade arterial. ROSZEL (1966) observou 3 casos de a. lusória em 368 recém-nascidos e PAPADATOS (1976) recentemente, encontrou também 3 casos em 223 dissecções realizadas. A estatística global mais recente parece ser a realizada por ROSZEL em 1966, que apurou 643 casos descritos de alusória em 26.132 cadáveres examinados, o que corresponde a uma freqüência de 2,45%.
Como se pode observar, a ocorrência da a- subclávia direita retroesofágica, pode ser considerada evento raro, e por isso tem suscitado a atenção dos autores em registrá-lo. Nesta comunicação apresentamos um caso semelhante encontrado pela primeira vez no laboratório de Anatomia Humana de Botucatu.
DESCRIÇÃO DO CASODurante a dissecção de rotina dos vasos supra-aórticos, no curso regular de Anatomia Humana do Departamento de Morfologia da Ex-FCMBB. foi encontrada uma artéria subclávia direita com origem e trajeto anômalos. O Cadáver portador desta variação era de um indivíduo brasileiro, adulto, masculino, branco, de 40 anos. -Causa mortis" indeterminada e nele não se observou nenhuma outra variação anatômica. Este foi o único caso de artéria lusória observado detre os 250 cadáveres dissecados nestes últimos 15 anos no Departamento de Morfologia. A aludida artéria originava-se isoladamente da face póstero-medial do arco aórtico, como último ramo deste (Fig. 1). Logo na origem esta a. subclávia apresentava-se calibrosa, com aproximadamente 18 mm de diâmetro, formando a este nível um discreto abaulamento inferior, quase caracterizando um seio. Após a origem, a artéria cruzava a linha média do corpo da esquerda para a direita, de baixo para cima, anteriormente à coluna vertebral, ao nível da 2' vértebra torácica, para continuar-se num trajeto ascendente e profundo em relação à a. carótida comum direita (Fig. 2). Desta forma. para atingir o membro superior, esta artéria cruzava obrigatoriamente o mediastino posterior dorsalmente ao esôfago, provocando neste órgão uma significativa constrição (Fig. 3), a qual se atribui a causa de disfagia lusória. Imediatamente abaixo deste estreitamento, o esôfago apresentava-se bastante dilatado, porém de aspecto normal (Fig. 4).
Fig. 1.: Exposição dos vasos supra-aórticos, notando-se: arco aórtico afastado (1); artéria carótida comum direita parcialmente seccionada (2); artéria carótida comum esquerda (3); esôfago (4); traquéia rebatida (5); nervo vago direito (6); nervo laringeo inferior direito (7). As setas (8) indicam a artéria subclávia direita passando posteriormente ao esôfago.
Fig. 2.: Esôfago (1) rebatido, notando-se a artéria subclávia direita (2) retroesofágica. Arco aórtico (3); artéria caróida comum direita (4); artéria carótida comum esquerda (5).
Fig. 3.: Vista posterior da aorta e esôfago, onde se nota a artéria subclávia direita (1) como último ramo do arco aórtico (2) cruzando posteriormente ao esôfago (3); artéria subclávia esquerda (4); artéria carótida comum esquerda (5).
Fig. 4.: Rebatimento da artéria subclávia direita (1), notando-se a constrição esofágica (CE) por ela provocada; aorta torácica (2); artéria subclávia esquerda (3); artéria carótida comum esquerda (4); esôfago (5).
Esta disposição não usual da artéria subclávia direita acarreta modificação na sintonia de determinadas estruturas cervicais como o nervo laríngeo inferior direito (Fig. 1), que neste caso não faz recorrência em torno da artéria para alcançar o sulco tráqueo-esofágico, pois do nervo vago, dirige-se diretamente à laringe.
DISCUSSÃOLOMBARDI, citado por PAPADATOS (1976), comenta que em alguns indivíduos esta malformação não apresenta sintomatologia, mas que algumas vezes a compressão do esôfago provoca distúrbios na deglutição. A disfagia lusória não difere de outras disfagias causadas por outras angiodismorfias da aorta. Considerando sua associação com fatores congênitos, ela pode se manifestar já na infância, ocorrendo às vezes nesta fase da vida para depois desaparecer e voltar na idade adulta após um período variável de regressão. Os sintomas são variáveis: em muitos casos os distúrbios na deglutição se manifestam com a ingestão de alimentos sólidos; discreta inflamação esofágica com regurgitação dolorosa no tórax pode ser sentida, assim como soluço, sialorréia e vômitos são notados em certos indivíduos. LOMBARDI afirma também que a disfagia é freqüentemente acompanhada de taquicardia e pinçamentos retroesternais.
A causa provável da ocorrência da a. subclávia direita anômala (a. lusória) é atribuída a inúmeros fatores como rubéola durante os primeiros meses de gravidez, efeitos de agentes físicos como Raios-X, carência maternal de vitaminas A e B2. Atribui-se ao fator genético uma causa ponderável desta anomalia, visto que variações dos grandes vasos são mais freqüentes em determinadas famílias. Há autores que afirmam existir uma associação entre a tetralogia de Fallot e a. lusória.
Quanto ao desenvolvimento, sabe-se que usualmente a a. lusória direita nasce juntamente com a a. carótida comum, do tronco braquiocefático, originando-se a partir da conexão do 4° arco aórtico com a porção proximat da aorta dorsal direita e mais a 7a artéria intersegmentar; no entanto, o aparecimento da a. subclávia anomalia é explicada embriologicamente por POIRIER & NICOLAS (1912), LANGMAN (1970) e PAPADATOS (1976), os quais admitem-na formada a partir da persistência da porção distal da aorta dorsal direita e a 7a artéria intersegmentar, com a obliteração anormal do 4° arco aórtico direito e a porção proximal da aorta dorsal direita, permanecendo assim, a origem desta artéria como último ramo do arco aórtico e, desta forma, não ocorrendo a formação de um tronco braquiocefálico, conseqüentemente a a. carótida comum direita é o primeiro ramo do arco aórtico.
SUMMARYAmong two hundred and fifty dissections perfomed In our Department o? Morphology one single case of retro-esophageai right subclavian artery (arteria lusoria) was found. The a. lusoria was the last branch of aortic arch, and crossed the posterior mediastinum on the levei of the second thoracic vertebra, causing a constriction in the esophagus. The comments about this anatomic variation are baseci on the up-to-date literature. No other variation was observed in the same body.
REFERÊNCIAS1. BANCHI, A. II V arco aorticobranchiale nella interpretazione di alcune varietá dell'arco e dei suo! rami. Arch. ital. di Anat. e di Embr., S (2) : 388-427, 1907. Citado por PONTES, A., n° 6.
2. HOLZAPFEL, G. Ungewoehnliches Ursprung und Verlauf der Arteria subclavia dextra. Anat. Hefte, 12: 369-523, 1899. Citado por PONTES, A., n° 6.
3. LANGMAN, J.M. Embriologia Médica. 2a. ed., São Paulo, Atheneu Editora São Paulo S/ A., 1970, p. 223-33.
4. PAPADATOS, D. Trois observatlons anatomiques sur l'orígíne de I'Arteria subclavia dextra comme derníére branche de I'arcus aortae (Arteria lusoria). Anat. Anz., 140:100-17,1976.
5. POIRIER, P.; NICOLAS, A. Angóiologie. In: POIRIER, P. & CHARPY, A Traité d'anatomia humaine. 3a. ed., Paris, Masson, 1912, v. 2, t. 2, p. 213-17.
6. PONTES, A. Artérias supra-aórtícas. Rio de Janeiro, 1963. Faculdade Nacional de Medicina, Rio de Janeiro, 1963. (Tese de cátedra).
7. ROSZEL, A. Uber die Anomalie
der Arteria subclavia dextra und die Persistenz der Vena cava superior sinistra. Anat. Anz., 118 348-67,1966.
ENDEREÇO:
Dr. NEIVO LUIZ ZORZETTO Depto.
Morfologia- IBBMA 1 UNESP- C.P. 102
18.600 - Botucatu, S.P.
* Professor Assistente Doutor de Anatomia Humana do Departamento de Morfologia do lBBMA -UNESP -Botucatu.
** Professor Titular de Anatomia Humana do Departamento de Morfologia do IBBMA- UNESP- Botucatu
Trabalho recebido para publicação em 20112179.