ISSN 1806-9312  
Segunda, 22 de Julho de 2024
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1790 - Vol. 46 / Edição 1 / Período: Janeiro - Abril de 1980
Seção: Artigos Originais Páginas: 32 a 39
OBSERVAÇÕES DO AQUEDUTO VESTIBULAR ATRAVÉS DA TOMOGRAFIA PLURIDIRECIONAL
Autor(es):
Arnaldo Linden *
Paulo Irion **
Pedro Geraldo Nunes ***

Resumo: O estudo radiológico simples do osso temporal feito através das incidências convencionais, não possibilita uma eficiente avaliação de normalidade ou das alterações estruturais que possam ocorrer neste estreito e irregular canal, o aqueduto vestibular. Com o surgimento do tomógrafo pluridirecional, estruturas diminutas do ouvido interno, entre as quais o aqueduto vestibular, passaram a ser observadas e interpretadas clinicamente através dos cortes politomográficos, obtidos em movimentos hipocicloidal ou espiral do aparelho. A visualização detalhada da anatomia do osso temporal, proporcionada pela politomografia fez com que se iniciassem portanto, as investigações sobre o aqueduto vestibular, como método de ajuda no diagnóstico, - conduta e prognóstico na doença de Menière.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Em 1968, Clemís e Valvassori, num trabalho preliminar, constataram que 90% de 97 ouvidos com perda auditiva apresentavam configuração anormal do aqueduto vestibular. Em 1969 e 1973 os mesmos autores constataram um aqueduto vestibular estreito ou não visível em mais de 50% de 1.000 pacientes com alterações de ouvido interno, enquanto que em 90% de 2.000 pacientes com controle, o aqueduto apresentava uma configuração normal.

Em 1971, Brünner e Pedersen relataram um caso de doença de Menière no ouvido esquerdo, com aqueduto vestibular não visível e sugeriram a politomografia como sendo um elemento de valor no diagnóstico da doença de Menière.

Por outro lado, Yuen e Schucnecht em 1972, ao examinarem cortes histológicos de 19 ossos temporais com doença de Menière e o mesmo número de ossos temporais normais, não constataram diferença de calibre no istmo de aqueduto vestibular entre os 2 grupos. Entretanto os canais endolinfáticos dos pacientes com doença de Menière, comparados com os canais do grupo de controle, eram mais estreitos.

Estudos politomográficos do aqueduto vestibular foram realizados por outros autores como Stahls e Wilbrand, em 1974, cujos resultados diferiram daqueles de Clemis e Valvassori.

Em 1974, novamente Brünner e Pedersen avaliaram 32 ouvidos com doença de Menière e encontraram o aqueduto anormal em 84,4% dos pacientes, enquanto que no grupo controle de 43 ouvidos, somente havia anormalidade em 11.6%.

De acordo com Wilbrand, em 1976, um aqueduto vestibular estreito ou impossível de ser visualizada na tomografia pluridirecional, não é um sinal específico de diagnóstico da doença de Menière.

Kraus e Dubois em 1979 fizeram uma avaliação politomográfica em 190 ouvidos e constataram que o estreitamento ou falta de visibilidade do aqueduto vestibular, não é significado específico de ouvido doente ou normal e, nem tão pouco estas ocorrências estruturais podem ser usadas para diagnosticar a doença de Menière. Para os autores, a tomografia pluridirecional na doença de Menière está indicada por dua razões principais: avaliação pré-operatória e exclusão de Schwannoma ou outras causas orgânicas que provocam tontura.

O aqueduto vestibular é um canal ósseo da porção petrosa do osso temporal, o qual contém o canal endolinfático que se continua com o saco. No sistema endolinfático, estão incluídos e conectados o ducto coclear, utrículo, século e canais semi-circulares. A forma é a de um "J" invertido composto de uma porção proximal ascendente, dirigida para cima e para trás, de uma porção intermediária, estreita, onde está contido o istmo do canal endolinfático e uma porção distal, dirigida para baixo e para trás, onde se continua com o saco endolinfático, o segmento final do sistema endolinfático. Na terminação interna do aqueduto vestibular, dentro do vestíbulo, o canal endolinfático se une aos canais do utrículo e século (fig. 1).



Fig. 1.: Labirinto membranoso direito, projeção esquemática lateral. 1, saco endolintático; 2, porção posterior alongada do canal endolinfático; 3, porção anterior encurtado do canal endolinfático; 4, canal semicircular superior; 5, ampolas; 6, utrículo; 7, Báculo; 8, ducto coclear; 9, ampola; 10, canal semi-circular lateral; 11, canal semicircular posterior; 12, crus commune.



ANATOMIA RADIOLÓGICA

Pelo fato do plano do aqueduto vestibular ser paralelo com o plano sagital do crânio, a projeção radiográfica lateral é uma das melhores para a visualização da maior parte do aqueduto, na maioria dos pacientes. Como já foi estabelecido antes, nesta projeção lateral, o aqueduto vestibular tem o formato de um "J" invertido. Brünner prefere uma projeção lateral modificada do osso temporal, para um melhor reconhecimento do aqueduto vestibular, a projeção axial ou de Põschl. Estes dois métodos de projeção ou ainda outras projeções laterais, ligeiramente modificadas, devem ser usados, quando se deseja determinar uma configuração, a mais exata possível do aqueduto vestibular.

Anson, em 1965 e Gado e Arenberg em 1975, demonstraram que o aqueduto freqüentemente variava em forma, posição e tamanho, usando a projeção lateral e suas variantes. Gado e Arenberg reconheceram e descreveram três variações tomográficas: tubular (tipo I), em forma de funil (tipo II) e filiforme ou estreito (tipo III). Estes observadores constataram que o aspecto radiográfico do aqueduto, depende, na grande maioria das vezes, da orientação do canal, em relação ao plano do corte tomográfico.

Portanto, além das variações anatômicas individuais, também a posição. da cabeça do paciente no momento de efetuarmos os cortes tomográficos, irá influir na imagem radiológica (fig. 2-4).



Fig. 2.: Projeção tomográfica lateral do ouvido direito ao nível da cruz commune mostrando um aqueduto vestibular tubular (tipo I). 1, aqueduto vestibular; 4, cadeia ossicular; 5 A TM; 6, canal semi-circular lateral; 7, Flat = impressão do saco endolintático.





Fig. 3.: Projeção tomográfica lateral do ouvido direito ao nível da crus commune mostrando um aqueduto vestibular em forma de funil (tipo ll). 1, aqueduto vestibular; 3, canal semi-circular superior; 4, cadeia ossicular; 5, A TM; &, canal semi-circular lateral; 7, Flat = impressão do saco endolinfático.



Fig. 4.: Projeção tomográfica lateral do ouvido direito ao nível da crus commune mostrando um aqueduto vestibular filiforme (tipo lll). 1, aqueduto vestibular; 4, cadeia ossicular; 5, A TM; S, canal semi-circular lateral; 7, Flat = impressão do saco endolinfático.



MÉTODOS E INVESTIGAÇÕES

Quarenta e sete pacientes (94 ouvidos) com sinais e sintomas de doença de Menière unilateral foram submetidos à tomografia pluridirecional bilateral, usando as projeções lateral, axial ou de PõschI e a antero-posterior. Através deste critério, pudemos avaliar e comparar os dois aquedutos, bem como investigar outras entidades patológicas, simulando doença de Menière como o Scwannoma, outros tumores do ângulo ponto-cerebeloso e a otospongiose. Os exames foram realizados através de cortes tomográficos de 1 mm, obtidos com o tomógrafo pluridirecional de movimento em espiral.

Aquedutos filiformes (estreitos) e não visualizáveis (obliterados) foram considerados como anormais (fig. 4-5). Em nosso método de investigação, foi usado um grupo de pacientes com sintomas e sinais de doenças de Menière unilateral e o ouvido contralateral normal. Vinte e nove pacientes (61,7%) apresentaram um aqueduto vestibular anormal no ouvido, com sintomas e sinais de doença de Menière. Nestes 29 pacientes, o ouvido contralateral apresentou um aqueduto normal em 18 e anormal em 11. Em dezoito pacientes (38,3%) o aqueduto vestibular estava normal no ouvido com hidropisia, enquanto o ouvido contralateral tinha um aqueduto normal em 13 e anormal em 5. Do total de 47 pacientes, foram constatados dois casos com Scwannoma e 5 com otospongiose coclear.



Fig. 5.: Projeção tomográfica lateral do ouvido direito ao nível da crus commune mostrando um aqueduto vestibular obliterado. 1, aqueduto vestibular (obliterado); 2, crus commune; 3, canal semi-circular superior; 4, cadeia ossicular; 5, A TM; 6, canal semi-circular lateral; 7, Flat = impressão do saco endolinfático.



QUADRO I

Quadro I: Aspectos tomográficos do aqueduto vestibular em 47 pacientes com sinais e sintomas de doença de Menière unilateral e com o ouvido contralateral normal.



COMENTÁRIOS

Corri o advento da politomografia, muitos autores têm procurado, através deste método radiológico, um sinal específico da doença de Menière. Em nosso entender, a investigação do aqueduto vestibular através da politomografia é útil, no sentido de fornecer mais um elemento ou sinal no diagnóstico da doença de Menière. Constatamos em nossos casos que o aqueduto vestibular foi anormal, isto é, filiforme ou não visível, em 61,7% dos pacientes.

Desde que Portmann (1927) propôs a cirurgia do saco endolinfático, com a finalidade de diminuir a pressão da endolinfa, outras vias de acesso, com a mesma finalidade têm sido descritas. House (1964) modificou as técnicas da descompressão, colocando um shunt do saco ao espaço subaracnoideo para facilitar o fluxo da endolinfa.

A etiologia da hidropisia continua sendo muito discutida. Considera-se que em muitos casos seria causada pela diminuição da reabsorção, especialmente no saco; em outros casos, esta hidropisia poderia ser produzida por uma obliteração do canal endolinfático.

O resultado de cirurgia do saco, quer pela simples descompressão, quer pela incisão e colocação de shunt, não tem sido convincente, embora um número elevado de pacientes tenha ficado sem vertigem após a operação (House 1969, Portmann 1969). Antes de planejar uma cirurgia descompressiva, informações pré-operatórias de valor podem ser obtidas no que se refere ao aqueduto vestibular: tamanho, trajeto, formato ou mesmo a não visibilidade. Outra indicação da politomografia em pacientes com sinais e sintomas da doença de Menière é a possibilidade de exclusão de Schwannomas e outros tumores do ângulo pontocereleloso, otospongiose, otodistrofias e tumores primários ou metastáticos.

SUMÁRIO E CONCLUSÕES

Um estudo politomográfico foi feito em 47 pacientes que apresentavam sinais e sintomas de doença de Menière unilateral e com o ouvido contralateral normal. Pelos achados radiológicos os autores concluem a utilidade da politomografia do aqueduto vestibular pelos seguintes motivos:

a) por ser mais um elemento a ser considerado no diagnóstico da doença de Men ière;
b) por fornecer aspectos anatômicos de valor, no planejamento de uma cirurgia descompressiva;
c) por ser um método importante de diagnóstico de exclusão com outras causas orgânicas, capazes de provocar vertigem.

SUMMARY AND CONCLUSIONS

A polytomographie study was done in 47 patients having sinas and symptoms of unilateral Menière's disease with a normal contralateral ear. By the roentgenogranphic findings, the autores conclude the utiliity of using the polytomography of the vestibular aqueduct for the following reasons:

a) it is one more element to be considered in the diagnosis of Menière's disease.
b) for providing anatomic aspects of value in planning a decomoressive surgery.
c) it is an important exclusion diagnostic method of other organic causes of vertigo.

BIBLIOGRAFIA

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Porto Alegre - RS

* Master of Science in Otology
Professor Assistente da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Médico Radiologista do Instituto de Radiologia Dr. Carlos Barbosa Ltda. Porto Alegre.
*** Médico Residente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Trabalho recebido para publicação em 0711/1979.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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