1 INTRODUÇÃOA osteomielite do osso temporal ocupava lugar destacado entre as patologias de alto risco, antes da era dos antibióticos. Atualmente, este destaque está muito reduzido, havendo, no entanto, situações desagradáveis, particularmente nos três primeiros anos de vida, quando o diagnóstico tardio pode ser fatal (1 ). É muito mais frequente nas crianças do que nos adultos (2, 9). É mais comum no sexo masculino que no feminino (6, 9). Geralmente a osteomielite é produzida por qualquer germe piogênico. Green e Shannon, citados por Sharrard (10) tem observado a elevada freqüência de osteomielite estreptocócica, aparentemente secundária a infecções respiratórias nos 2 primeiros anos de vida. O estafilococo áureo, ao lado do estreptococo, encabeça a lista dos agentes etiológicos mais comuns (1, 9, 11). Além destes podemos encontrar pneumococos, H. influenzae, gonococos, bacilos coliformes e os anaeróbios. A via hematogënica, particularmente no pequeno paciente, parece ser a mais frequente (1, 6, 7, 9). Pode também ser produzida por infecção direta (fraturas expostas) ou ainda por continuidade. Segundo outros autores a propagação por via hematogënica e por continuidade é rara (2), sendo mais comum a osteomielite crônica secundária à osteomielite aguda (8). Em apenas um terço a um quarto dos casos pode ser identificado o foco primário (9). A história mais frequente é a de uma infecção respiratória primária, um abscesso cutâneo ou dentário, ou uma infecção intestinal, tratados de forma adequada. Uma ou duas semanas depois, a criança começa a apresentar febre (1 , 9, 11 ), dor localizada na área da osteomielite, que é intensa no início da doença (1 ), edema, calor locai e alteração do estado geral por septicemia. Os sinais e sintomas pode estar parcialmente mascarados pelo emprego da antibioticoterapia para a patologia primária (1, 11 ). Quando se faz o diagnóstico precoce, consegue-se, na maioria das vezes, debelar a osteomielite com tratamento antibiótico (1, 9, 11) ou assocíando-se o tratamento cirúrgico à antibioticoterapia. Mas se a osteomielite aguda evoluir para a fase crônica, podemos ter lesões líticas com sequestros de permeio, sendo a resolução sempre cirúrgica. Pode haver osteomielite do esfenoidal secundária à infecção do temporal (2, 3). A radiografia é particularmente útil na fase precoce (porém somente após os primelros 10-15 dias) (1, 5), apresentando condensação de densidade muscular, localizada profundamente. Mais tarde, haverá destruição óssea e neo-Formação óssea perióstica, mas nem sempre a radiografia oferece informações precisas sobre o grau de extensão da osteomielite (7). Na fase aguda, o tratamento é realizado com antibioticoterapia (2) de largo espectro. Muitos casos não são resolvidos com este procedimento, exigindo aspiração ou drenagem. Nestes casos, o antibiograma é de grande valor. Não obtendo-se um controle satisfatório da patologia e chegando-se à fase crônica, está indicàda a intervenção cirúrgica (2), cuja finalidade é remover o sequestro, toda a secreção (8) e os trajetos fistulosos (4).
2. CASO CLINICOA.F., fem., branca, 4 anos de idade. Há 10 meses começou a apresentar otalgia e discreta otorréia. Há 9 meses procurou o serviço. Ao exame otoscópico apresentava edema acentuado da parede posterior do conduto auditivo externo direito e secreção purulenta. Foi medicada com antibióticos e dentro de uma semana retornou ao consultório mostrando conduto auditivo sem secreção e com discreto edema. Dois meses após apresentou novamente otalgia e à otoscopia tinha edema da parede posterior do conduto. Novamente medicada com antibiótico (ampicilina), melhorou em uma semana. Há 30 dias procurou novamente o serviço, apenas com otorréia (sem otalgia). À otoscopia, apresentava perfuração da parede posterior do meato acústico, com secreção em grande quantidade. Sem outros antecedentes otorrinolaringológicos. Dentro dos antecedentes pessoais, há 2 anos e 8 meses apresentou abscesso de mandíbula, que foi drenado, sem melhora, necessitando ser curetado (SIC). Há 2 anos fez nova curetagem e o colega disse tratar-se de osteomielite de mandíbula (SIC), tendo melhorado. O exame físico geral era normal. No estudo radiológico nas posições: crânio PA e perfil, Schüller, Chaussè III e transorbitária, apresentou lesão lítica irregular comprometendo osso temporal e estendendo-se até o parietal. O tratamento realizado foi a mastoidectomia sub-total, sob anestesia geral com fluotane. O tecido ósseo necrosado foi ressecado em volta de toda a lesão com broca elétrica, até que o osso começasse a apresentar sangramento (fig. 1 , 2 e 3). Os trajetos fistulosos foram extirpados.
Fig. 1.: A incisão retroauricular em Y, após a colocação dos atastadores, expondo toda a área da lesão.
Fig. 2.: Note-se o tamanho da área comprometida, comparando-se com uma agulha hipodérmica 25 x 8.
Fig. 3.: Aspecto após a ressecção de todo o tecido necrosado.
Fig. 4.: Aspecto final da cirurgia, tendo-se deixado o dreno tubular para irrigação no pós-operatório.
A perfuração das paredes póstero-superior do conduto auditivo externo era de 2 mm no maior diâmetro, não tendo sido feita qualquer correção. A cadeia ossicular estava intacta e o ouvido médio apresentava-se sem secreção, o que foi evidenciado pela incisão de Austin. Ao término da cirurgia foi colocado dreno tubular para curativos pós-operatório (fig. 4), sendo feita lavagem diária com soro fisiológico. Após a lavagem era feita a instilação de antibiótico pelo dreno (600 mg de lincomicina), o que é recomendado por Oleaga e Bindi citados por Vertiz (11) e por Creshaw (4). Não havendo drenagem de nenhuma secreção até o quarto dia pós-operatório, o dreno foi retirado. Foi colhido material no ato cirúrgico e enviado para o laboratório, apresentando bacterioscopia (direta e pelo Gran) e pesquisa de B.K. negativas. Não houve crescimento de germes na incubação a 37°C, pelo período de 48 horas. O laudo anátomo-patológico de fragmentos ósseos dos bordos da lesão foi de osteomielite. A otoscopia 1 ano e 9 meses após a cirurgia apresenta-se dentro dos limites normais de variação e a paciente está sem queixas, quer gerais, quer otológicas, continuando, no entanto, em observação.
3. DISCUSSÃO DO CASO.1ª - A via de propagação neste caso foi a hematogênica, pois houve história anterior de osteomielite de mandíbula, o que é corroborado por alguns autores (1, 6, 7, 9) e contestado por outros (2).
2ª - A antibioticoterapia iniciada com 30 dias de evolução da patologia não mostrou resultado favorável.
3ª - A sintomatologia dolorosa era predominante no inicio da doença, conforme as citações de Albert Jr. (1), e a otorréia predominou o quadro apenas na fase final, o que é citado por Vertiz (11) e por Crenshaw (4).
4ª - A área comprometida pela osteomielite é maior do que a lesão mostrada pela radiografia, conforme comentam alguns autores (7).
5ª - 0 osso deve ser broqueado até que apresente sangramento (característica de osso normal).
6ª - A incidência de osteomielite da mastóide é rara e quase exclusiva da criança (2).
7ª - A ausência de crescimento de germes na incubação a 37°C pelo período de 48 horas pode ter sido em decorrência da anti-bioticoterapia usada no pré-operatório ou então por tratar-se de um agente anaeróbio.
8ª - o diagnóstico baseou-se na otorréia recidivante e na história de antecedentes de osteomielite - SIC, sendo evidenciada lesão lítica compatível com osteomielite na radiografia e confirmada pelo exame anátomo-patológico de fragmentos ósseos.
SUMMARYThe A. reports a case of temporal bone cronic osteomielyts (mastóide) in a 4 years old girl. The A. commenta that osteomielytes in this location is rare and describe the clinical pathological aspects. The pathologic area is larger than that is shown by roentgenography. The bone must be drilled until bleed;ng.
BIBLIOGRAFIA1. ALBERT Jr., B.F. - Cirurgia Ortopedica en Ia Infância y Adolescência- Primera Edición Espariola, 1968.
2. ALONSO, J.M. - TATO, J.M. - Tratado de Oto-rino-laringología y bronco-esofagología - Tomo I - 3' edição - 1976.
3. BALLANGER, J.J. - Enfermidades de ta nariz, garganta y oí do - Primera Edición EspaRola, 10. 1972.
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6. HARRISON, T.R. - RAYMOND, D.A. - IVAN Jr, L.B. - RESNIK, W.H. - THORN, G.W. - WINTROBE, M.M. - Medicina Interna - 4° edição brasileira - 1968.
7. HUNGRIA, H. - Manual de Otorrinolaringologia - 3' edição - 1973.
8. PIULACHS, P. - Lecciones de Patologia Quirurgica - 2" edición - 1973.
9. ROBBINS, S.L. - Patologia - 2' edição brasileira - 1969.
10. SHARRARD, W.J.W. - Paediatric Orthopaedics and Fractures - First Published - 1971.
11. VERTIZ, J.R.R. - Elementos de Traumatologia y Ortopedia - 3' edición revisada e corregida -1974.
Endereço do Autor: Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux Rua Azambuja, 1089 88.350 - Brusque - SC.
* Médico Otorrinolaringologista do Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux - Brusque - SC.
Trabalho recebido para publicação em 05.02.80.