ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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1764 - Vol. 45 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1979
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 118 a 124
AUDIOMETRIA DE RESPOSTAS ELÉTRICAS CORTICAIS 4 ANOS DE EXPERIÊNCIA*
Autor(es):
Ciríaco Cristóvão Tavares Atherino**
Theodócio Cyriaco Atherino***

Resumo: Os autores analisam sua casuística nestes 4 anos (203 casos), avaliando sua metodologia de exame. Abordam a problemática da avaliação da criança em sono induzido, tecendo considerações quanto à importância do procedimento no contexto da Audiologia atual.

INTRODUÇÃO

A resposta eletrofisiológica auditiva pode ser definida como uma alteração relativamente abrupta da atividade do SNC (EEG) associada com estímulos acústicos (1).

Em 1938, Loomis, Harvey e Hobart estudaram os efeitos da estimulação sensorial no EEG de indivíduos adormecidos e descreveram um padrão especial ao qual chamaram,-complexo K". Este era uma resposta trifásica, não específica, que surgia após o início do estímulo (2). Os efeitos da estimulação sonora no. EEG foram estudados em indivíduos acordados por Davis (1939) e em indivíduos adormecidos por Davis, Loomis, Harvey e Hobart (1939). As alterações no EEG (complexo K) que ocorriam em resposta à estimulação sonora, embora nem sempre observáveis, pareciam ser mais proeminentes quando registradas no vértex. Portanto, passaram a ser chamadas "potenciais V" (1,2).

O grande problema era que os potenciais evocados produzidos pela estimulação acústica eram de relativamente baixa voltagem e eram freqüentemente mascarados pela maior voltagem da atividade cortical espontânea. Muitas técnicas foram, então, utilizadas para se extrair os potenciais V relativamente pequenos dos potenciais eletroencefalográficos (superposição gráfica, superposição fotográfica, etc ...)(1,2).

Finalmente, Clark e alii, em 1958, superaram este problema com a introdução do computador de soma algébrica ("averager") ao método (1,2). Em resumo, a aplicação do computador baseava-se no fato de que o EEG do indivíduo seria uma atividade elétrica ao acaso e que, passando pelo computador, tenderia ao cancelamento no tempo. Ora, se introduzirmos séries de estímulos com polaridade única, ou seja, sempre positivos ou sempre negativos, obteríamos uma resposta que, através do computador, se somaria no tempo, de tal maneira que, ao final de determinado tempo e de certo n° de estímulos, teríamos uma resposta com amplitude bem maior (Fig. 1). Quanto maior o n° de estímulos, maior a redução do EEG de fundo e maior a somação da amplitude da resposta. É lógico que quanto maior o n° de "pontos" de análise do computador, mais acurada será a curva média obtida como resposta (Fig. 2).



FIG. 1 - Atuação simplificada do computador de soma algébrica. Na parte superior, ondas de positividade antagônica se cancelam. Na parte inferior, somação de 2 estímulos de mesmo sinal.



Portanto, utilizando-se os computadores de então, estabeleceu-se uma resposta padrão, que, com o correr do tempo e com o advento de computadores cada vez mais sofisticados, foi sendo subdividida e explorada em detalhes, num processo que, na nossa opinião, ainda está em seu inicio.

A nós interessa apenas, para efeito de exame, a chamada "resposta lenta", ou seja, os fenômenos elétricos que ocorrem entre 50 e 500 mseg. Pós estímulo, devido às limitações de nossa aparelhagem (Fig. 3).



FIG. 2



Esquema da atuação de computador com 13 "pontos" de análise, vendo-se a curva média resultante da série de ondas complexas. Observe-se que, se o computador possuísse mais pontos para análise, obteríamos uma curva média cada vez mais próxima da média real



Fig. 3. Representação esquemática da resposta cortical lenta ideal, mostrando as diversas ondas e suas latências (apud Katz).



Fig. 4. Foto do aparelho Medelec-Amplald ERA.



MATERIAIS E MÉTODOS

Foram analisados 203 pacientes entre julho/74 e julho/78. Para tal, utilizou-se um aparelho Medelec-Amplaid ERA (Fig. 4), composto de um audiómetro convencional (gerador do estímulo), um computador de soma algébrica ("averager") com 100 pontos para análise da amostra e um registrador gráfico. Ao pré-amplificador do instrumento são acoplados 3 eletrodos que vão ter ao vértex, à mastóide e à fronte (terra) do paciente. Após sedação, se necessário, com pentobarbital sódico, na dose de 5 mg /kg pêso corporal, realizávamos um registro sem estímulo sonoro, de forma a verificarmos o EEG do indivíduo e sua passagem pelo computador, registro este para posterior análise comparativa.

As vezes, realizávamos também um registro observando-se a resposta a estímulos táteis, colocando-se um vibrador ósseo convencional em contato com a mão do paciente. Em seguida, iniciávamos o exame propriamente dito com estimulação com tons puros a 500, 1000 e 2000 Hz, geralmente em campo livre. O intervalo interestimulatório inicial era de 2 segundos e, se sentíamos que o efeito da sedação estava declinando ou se o paciente dava mostras de cansaço, passávamos a utilizar 1 segundo. O número total de estímulos para cada intensidade em cada freqüência era ditado pela análise periódica dos traçados durante a execução do exame; nós, a cada 10 estímulos, fazíamos uma leitura da resposta média até aquele ponto, e assim por diante, até a verificação da existência ou não de resposta. Utilizávamos, no computador, um período de análise de 1 segundo, assim dividido:

- análise pré-estimulo: 300 -500 mseg. - análise pós-estímulo: 500-700mseg.

Tentávamos, assim, obter um limiar auditivo do paciente para estas 3 freqüências, tomando como referência os traçados obtidos sem estimulo sonoro e, eventualmente, os obtidos com estimulação tátil, de forma a evitar interpretações errôneas.

A cada 40 exames, aproximadamente, realizávamos um controle, ou seja, fazíamos uma avaliação em criança com perfil audiométrico conhecido e checávamos a aparelhagem e nossos critérios de avaliação da resposta.

DISCUSSÃO

Dos 203 casos analisados, 121 eram do sexo masculino e 82 do sexo feminino, com idades que variaram entre 9 meses e 11 anos (a maioria entre 2 e 4 anos).

Quanto à utili7Rção ou não de sedação:
- 178 Pentobarbital sódico (5mglkg V.O.) - 25 sem sedação

Tentamos, também, realizar uma classificação etiológica, mas esta se revelou falha, visto terem sido as informações obtidas muito precárias e sem comprovação. Mesmo assim, o maior contingente relatava história prévia de meningite elou uso de drogas ototóxicas (principalmente antibióticos aminoglicosídeos).

Sempre que possível realizávamos uma impedanciometria prévia, procurando descartar patologias da orelha média e, algumas vezes, tentando uma previsão do limiar auditivo do paciente segundo o esquema proposto por Niemeyer (3). O impedanciómetro utilizado foi o Amplaid 702.

Nosso objetivo primordial com o exame sempre foi o estabelecimento de uma curva auditiva do paciente, procurando enquadrá-la em perspectivas terapêuticas e educacionais o mais precocemente possível.



Fig. 5 - Esquema mostrando a resposta média, obtida com 2 intensidades diferentes em 8 adultos, primeiramente no estado vigil e, após, em sono induzido. Notar o aumento de amplitude do complexo P2 - N2 nos traçados obtidos com sono induzido (apud Katz).



Logicamente, tivemos uma série de problemas na elaboração das análises, o principal deles referindo-se ao uso do pentobarbital sódico para sedação. O uso desta substância é extremamente controverso na literatura, sendo que a maioria dos autores faz restrições á sua utilização. Os principais argumentos deste grupo seriam de que a substância produziria atividade rápida no registro EEG e obscurecimento dos potenciais auditivos evocados, aumentaria a latência e diminuiria a amplitude da resposta (4).

Já outros autores, em estudos comparativos com outras drogas, não observaram qualquer efeito nas respostas ou verificaram depressão da porção inicial da resposta e acentuação da parte final (P2 - N2), com aumento concomitante da latência (Fig. 5) (4,8).

Achamos que a utilização do pentobarbital se justifica porque necessitávamos de um agente sedativo potente, de ação rápida, e cujo valor já tivesse sido testado com relação á ERA, pois a maioria dos doentes eram crianças imperativas, já traumatizadas por outras tentativas infrutíferas de exame. Como a resposta que buscamos é inespecíficá, ou seja, pode ser evocada tanto pôr estímulos visuais e táteis quanto por estímulos auditivos, era necessário um certo relaxamento e cooperação durante um período de tempo relativamente longo, o que só seria possível sob sedação. Como efeitos colaterais, tivemos apenas 5 casos de hiperexcitabi1idade motora que não foram aqui computados. Não tivemos casos de náuseas ou vômitos. Quanto aos traçados obtidos, a maioria mostrou um aumento grande da latência e crescimento moderado do complexo P2 - N2, com grande variabilidade da forma de onda de indivíduo para indivíduo. Tivemos cerca de 4 casos em que não conseguimos obter resposta e, no entanto, existiam resíduos auditivos, evidenciados por outros métodos.

Assim como Davis (6), acreditamos na existência, atualmente, de 2 exames distintos, no que diz respeito à CERA (audiometria de respostas elétricas corticais): um, sem a utilização de sedação, e outro, sob sedação. O 1 ° seria um exame mais digno de confiança, com respostas mais constantes e estáveis; O 2°, com respostas de mais difícil detecção, exigindo exame mais demorado e cuidadoso, com repetição freqüente de registros, não sendo possível a elaboração de um padrão médio de resposta.

Um fator que, a nosso ver, diminui a margem de erro na interpretação dos resultados, é a realização do teste e da análise das respostas sempre pelo mesmo médico. Este pode, portanto, avaliar as condições de exame, analisar as respostas, repetir o registro quando necessário e observar reações outras do paciente aos estímulos. Isto já foi objeto de estudo por outros autores (1 ,5), verificando-se a discrepância de resultados quando a mesma resposta era analisada por pessoas diferentes.

Além disso, tivemos alguma dificuldade na leitura de registros realizados com intensidades menores que 40 dB, principalmente em 1000 e 2000 Hz, isto porque a amplitude de resposta vai diminuindo à medida que nos aproximamos do limiar auditivo do paciente para aquelas freqüências.

Outros traçados de difícil interpretação foram os dos pacientes abaixo de 2 anos de idade, em que a atividade EEG era de alta voltagem, o que exigia maior atenção e maior n° de registros de comparação.
Mas, mesmo apesar destes problemas, acreditamos ser a audiometria de respostas elétricas corticais um método válido, principalmente no que diz respeito à investigação de resíduos auditivos (500 Hz) (7), com indicação em crianças e pacientes não cooperativos. Outra vantagem sobre os demais métodos eletrofisiológicos seria a utilização de tons puros como estímulo, o que nos proporciona a obtenção de um verdadeiro audiograma. A maior desvantagem é a grande variabilidade de respostas, principalmente em 1000 e 2000 Hz, fazendo com que o exame, para uma boa interpretação, seja demasiado demorado. A utilização da impedanciometria como exame adjuvante é fundamental para melhoria da fidelidade das análises.

SUMMARY

The autoors reviewed their 4-year series (203 cases) showing their examination method. They tried to explain the child's auditory survey problems, talking about the audiologic importante of the method.

BIBLIOGRAFIA

1.JERGER, J.: Modern Developments in Audiology, Academic Press,1973.
2. KATZ, J.: Handbook of Clinicai Audiology, Williams & Wilkins Co.,1972.
3. NIEMEYER, W. et col.: Calculating the Hearing Threshoid from the Stapedius Reflex Threshoid for different Sound Stimuli, Audiology 13(5): 421, 1974.
4. RENEAU, J. et col.: Evoked Response Audiometry, University Park Press Baitimore, 1975.
5. SUZUKI, T. et cols.: Reliability and Validity of Late Vertex Evoked Response Audiometry, Audiology 15(5): 357, 1976.
6. DAVIS, H.: Principies of Electric Response Audiometry, Ann Otól 85(3): suplem. n° 28, 1976.
7. BOCHENEK, Z. et cols.: Fouryear Experience with Electric Response Audiometry, Audiology 13(5): 403, 1974.
8. SHARRARD, G.: A Study of Auditory Evoked Responses during Sleep, Audiology 13(6): 458, 1974.




ENDEREÇO DOS AUTORES
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Rio de Janeiro - 20000

* Trabalho realizado no Serviço ORL do Hospital de Ipanema, INAMPS-RJ, apresentado no X Congresso Latino-Americano de ORL e XXIV Congresso Brasileiro de ORL, RJ, novembro/79. Recebido para Publicação em 10.6.79.
** Médico do Serviço ORL, Hospital de Ipanema, INAMPS-RJ.
*** Chefe do Serviço ORL, Hospital de Ipanema, INAMPS-RJ.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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